Retomei ao meu trabalho e no começo, meus pacientes me olhavam com pena, mas não se atreviam a me fazer perguntas.
Passado alguns meses, as coisas já pareciam normais. Só eu não era mais o mesmo.
Todas as tardes, ao sair do meu consultório, ia para a Baker Street, onde me sentava no sofá e fumava meu cachimbo olhando para a escrivaninha vazia. Parecia loucura, mas me fazia bem e era como estar perto do meu melhor amigo novamente.
O apartamento, do qual eu ainda eu tinha as chaves, estava exatamente como ele havia deixado; Mycroft fez questão de mantê-lo assim. A Senhora Evelyn continuava responsável pela limpeza, Mingau era o seu único morador e eu, o visitante de todos os finais de tarde.
Três anos se passaram e apesar de uma vida maravilhosa com Mary, ainda sentia o mesmo vazio imenso.
Os bandidos nunca mais tentaram nada contra minha vida. Aliás, depois da morte do professor, a organização parecia estar se dissolvendo. Neste período, seus principais líderes e muitos bandidos que faziam parte dela foram presos.
Mary e eu desejávamos muito um filho, mas nosso sonho ainda não havia sido realizado.
Conversávamos sobre nossos planos tomando nosso café da manhã, quando notei Mary pálida. No dia anterior, havia reclamado de falta de ar e cansaço.
Preocupei-me e decidi que era a necessário fazer-lhe um exame de sangue devido ao seu estado de fraqueza. A contragosto dela, consegui levá-la ao hospital.
Meu colega, Doutor Max, receitou-lhe algumas vitaminas enquanto aguardávamos os resultados.
Alguns dias depois, recebi a visita do meu colega médico em meu consultório, no final da tarde.
- Como vai Doutor Watson? – perguntou-me um pouco tenso.
- Nada bem, Doutor Max, Mary está cada dia pior. Já tem o resultado do exame? – pedi-lhe ansioso.
- Sim e infelizmente, não tenho boas notícias. – disse-me entregando o exame.
- Está me assustando! – abri os documentos apressado.
O que estava escrito me empalideceu; o diagnóstico se referia a sangue branco.
- Doutor Max, não pode ser! Vamos repetir este exame! – disse-lhe apavorado.
- Doutor Watson, preciso lhe confessar que, quando estava coletando o sangue de sua senhora, eu realmente temi pela cor e pela consistência. Acredito que o melhor a fazermos agora é o exame de medula óssea.
Eu já havia lido um estudo de um renomado patologista alemão sobre a doença do sangue branco ou leucemia, e embora houvessem outros estudos sobre ela, nenhum tratamento eficaz ainda havia sido descoberto.
- Vou levar Mary novamente ao hospital e Doutor Max, peço-lhe que não comente nada com ela. Não quero preocupá-la sem termos certeza. – pedi-lhe angustiado.
- Entendo e estou a sua disposição no hospital, Doutor Watson. - despediu-se.
Sozinho em meu consultório, senti-me o pior homem do mundo. Já havia perdido meu único irmão de sangue, Henry Jr; já havia passado pela tristeza de perder meu melhor amigo, Holmes, e não suportaria perder a mulher de minha vida.
Fui para casa sem saber o que pensar; custava acreditar que aquilo fosse verdade.
Convenci Mary a irmos novamente ao hospital, sem lhe contar da suspeita. Ela estava muito fraca e pálida; havia piorado muito desde a primeira vez que o mal estar lhe ocorreu.
No hospital, Doutor Max e eu lhe explicamos o delicado exame que teria que fazer. Pareceu-me que ela pressentiu ser algo sério porque aceitou facilmente. Também decidimos iniciar um tratamento com remédios, pois as vitaminas não lhe causaram melhora alguma.
No dia seguinte, contratei um médico recém-formado para assumir meu consultório enquanto eu me dedicaria integralmente a Mary.
Não sei como, mas Mycroft soube da minha ausência no consultório e nos finais de tarde no apartamento de Holmes, e nos fez uma visita.
Sua presença me veio em boa hora, pois precisa conversar com alguém. Mary estava acamada, então conversamos em particular na sala.
Contei-lhe que aguardava o resultado do exame, mas que tudo indicava para um caso grave.
Mycroft se comoveu com a doença de Mary e se ofereceu para nos embarcar no navio que fosse preciso para buscarmos os melhores tratamentos em outros países.
Eu já havia pensado em levar Mary para a Alemanha, mas Doutor Max me convenceu de que ela não resistiria à viagem devido ao seu estado de fraqueza.
Mycroft então resolveu que pediria ao governo alemão que nos enviasse um médico especialista na doença. Sua visita renovou-me as esperanças; eu jamais aceitaria perder Mary sem tentar o que fosse.
Os dias se passaram e o resultado do exame ficou pronto. Se havia um resto de esperança de que Mary não estivesse com uma doença grave, neste dia tudo acabou.
Fui ao apartamento da Baker Street para ficar sozinho e chorei muito sobre o papel que confirmava a leucemia.
De volta a nossa casa, menti a Mary que estava resfriado. Ela não acreditou e pediu-me para que eu não lhe escondesse nada. Seu olhar, esperando a verdade, me fez lhe confessar tudo.
- Eu sinto muito John, não queria lhe causar tanto sofrimento. - disse com doçura, sem susto ou temor.
- Não pense isso, meu amor, vou cuidar de você até estar curada. - prometi beijando-a.
O médico alemão chegou e iniciamos um tratamento com drogas mais fortes que causavam náuseas a Mary. A dor dela me matava e eu daria a minha vida para não vê-la sofrendo tanto. Mas ela não reclamava de nada e procurava sorrir para me acalmar.
Devido ao seu estado frágil, tivemos que interná-la. Tentamos tudo o que conhecíamos, mas a doença só se agravava.
Passamos vários dias no hospital, onde permaneci todo tempo ao seu lado.
Depois de um demorado exame, o médico alemão e o meu colega Doutor Max, pediram para conversar comigo em particular. No olhar dos dois, vi que não havia mais nada a ser feito.
Sentia-me perdido e queria morrer. Reuniu todas as minhas forças e retornei ao quarto onde estava Mary.
- Quer alguma coisa, meu amor? - perguntei-lhe.
- Sim, John, quero ir para a nossa casa. - pediu-me.
- Não podemos querida, você precisa de cuidados. - beijei-lhe a mão.
- John, nós sabemos que eu tenho pouco tempo. Quero ir para casa, para o nosso lar; quero partir de lá. - disse-me sem medo.
Tentei ser forte, mas foi impossível. As lágrimas começaram a rolar incontrolavelmente pelo meu rosto.
- Estou tão preocupada com você! Não vou conseguir partir em paz lhe deixando neste sofrimento! Quem vai cuidar de você? - disse-me com a voz muito fraca.
Enxuguei as minhas lágrimas; não era hora de pensar em mim. Decidi em me dedicar totalmente a ela e fazer-lhe todas as vontades.
- Farei tudo o que você quiser, minha vida! - tentei mostrar-me forte.
Providenciei uma carruagem e a levei para casa. Eu sabia o quanto de dor ela estava sentido, mas ela fingia me olhando com um sorriso. Seus olhos brilhantes de febre, faziam-me sentir tão impotente.
Coloquei-a em nossa cama e acariciei-lhe os cabelos.
- Prometa-me que será forte, John! Prometa-me que vai superar a minha ausência e não fará nada de mal contra si mesmo. - pediu-me preocupada.
- Não pense nisso, minha vida! Tudo o que importa agora é você.
Minha vontade era de apertá-la em meus braços e nunca mais soltá-la. Mesmo eu tentando fingir, ela pressentia o meu desespero.
- John, não terei paz lhe deixando tão só.
Senhora Cecil, que durante todo o tratamento me ajudou a cuidar de Mary, bateu em nossa porta anunciando que Mycroft estava na sala.
- Traga-o aqui John. - pediu-me ela.
- Já volto querida. - sai do quarto, deixando-a com a Senhora Cecil.
Ouvir que Mycroft estava ali me foi um alento. Desci correndo para a sala para pedir-lhe que tranquilizasse Mary. Eu precisava de sua ajuda para acabar com a angústia da minha esposa pela preocupação comigo.
- Obrigado por ter vindo, Mycroft. - agradeci-lhe.
- Doutor, como ela está? - perguntou-me com muita tristeza.
- Minha vida acabou! - foi só o consegui responder.
- Doutor, preciso-lhe contar algo muito sério; algo que sei que vai magoá-lo muito. - disse Mycroft, antes que eu pudesse lhe pedir ajuda.
- Do que está falando? - estranhei.
- Alguém que o senhor acreditava estar morto, está aí fora querendo lhe ver. - contou-me suspirando profundamente.
Cai sentado no sofá sem entender. Não poderia ser Holmes; eu o vi caindo no precipício.
- Não estou lhe entendo, Mycroft. - mal conseguia pronunciar as palavras.
A porta da sala estava entreaberta e Holmes surgiu por ela, elegante como de costume, segurando sua bengala.
O meu assombro foi indescritível; o ar me faltou e minha cabeça começou a rodar.
- Devo-lhe uma explicação Watson, mas não temos tempo agora. Por favor, preciso ver Mary. - pediu-me, como se o tempo não houvesse passado desde aquela noite no penhasco.
Depois do susto, o olhei como muita raiva.
- Você me enganou todos esses anos Holmes! Três anos! Como pode fazer isso comigo? - gritei com ele.
- Por favor, permita-me ver Mary. - implorou ele.
- Ela está doente, a beira da morte. O que quer? Assustá-la com seu fantasma? - esbravejei.
- Preciso que ela saiba a verdade antes de partir. - respondeu-me triste.
Coloquei as mãos em meu rosto tentando acordar daquele pesadelo. A mulher da minha vida estava morrendo e o homem que eu tinha como irmão, por quem eu tinha sofrido tanto, havia me enganado da forma mais cruel.
Pensei em Mary, sempre me pedindo a verdade, e engoli todo o meu ódio.
- Espere, eu vou prepará-la. Não sei se ela vai querer vê-lo. - disse-lhe quase chorando de raiva.
Subi as escadas tremendo. Respirei fundo na porta do quarto para me acalmar e entrei com todo cuidado, sentando-me na cama ao seu lado.
- Mary, querida, há alguém aqui que... que pensávamos que estava morto, mas na verdade, foi tudo uma farsa. - disse-lhe com medo de sua reação.
Os olhos de Mary brilharam de alegria.
- Holmes está aqui, John? Mande-o entrar! Holmes! - chamou ela.
Holmes e Mycroft surgiram pela porta e Mary abriu um sorriso lindo; parecia que toda dor havia passado.
Levantei-me e ela estendeu sua mão para Holmes, que sentou-se ao seu lado e segurou-lhe a mão, beijando-a.
- Holmes, quantas vidas você tem? - brincou ela rindo – Não sabe a felicidade que sinto em vê-lo.
Sua reação me surpreendeu; pensei que ficaria tão magoada quanto eu pela maldade que ele havia nos feito.
- Mary, me perdoe por ter mentido. Eu havia me tornado um perigo para as pessoas que eu amava e tive que desaparecer para proteger vocês. Pensei em tudo o que você passou naquele sequestro e precisava fazer algo para não permitir que mais nada de mal acontecesse. - explicou ele.
- Eu sei Holmes; você fez o que era melhor para nós. - sorriu ela.
- Eu precisava que você soubesse que eu estarei aqui. - disse-lhe com carinho.
- Você me trouxe a paz que eu precisava para passar por este momento. Agora sei que John não ficará sozinho. Cuide bem do nosso “James”, Holmes! - brincou ela.
- Eu cuidarei querida, lhe prometo. - Holmes beijou-lhe novamente a mão, levantando-se da cama.
Mary sorriu para Mycroft, que lhe retribuiu com outro sorriso carinhoso. Os dois irmãos saíram para a sala.
Senhora Cecil beijou demoradamente a testa de Mary e também saiu, me deixando só com minha esposa.
Não quis lhe falar do ódio que estava sentindo por Holmes; apenas sentei-me ao seu lado e continuei a acariciar lhe os cabelos. Sua expressão estava serena e em paz.
- De todas as histórias que você me contou sobre Holmes, a mais linda foi quando ele disse a Elizabeth que um dia, eles se reencontrariam em um mundo melhor. Eu te amo John, e estarei lhe esperando nesse mundo melhor. - disse-me com a doçura de quando nos conhecemos.
- E eu vou reencontrá-la Mary; você é tudo o que mais amo.
Acariciando-lhe os cabelos e ela o meu rosto. Alguns minutos se passaram e Mary fechou seus olhos, e com um leve suspiro, me deixou. Entreguei-me ao choro.
O dia amanheceu e eu queria ficar ali para sempre com ela; queria morrer junto. Doutor Max e Mycroft, entraram no quarto e meu colega constatou a morte.
Mycroft avisou-me que sairia para tomar as providências e Max me pediu para que eu saísse do quarto, enquanto ele prepararia Mary.
Desci a escada como um zumbi sem vida e vi Holmes sentado na sala em silencio; sentei-me ao seu lado e permanecemos calados.
Com a chegada do agente funerário, Holmes levantou-se.
- Venha Watson, precisa se arrumar. - Holmes me ofereceu sua mão, para ajudar a me levantar.
Fui até o cômodo onde a banheira já estava pronta para o banho.
Naquela tristeza imensa, mesmo momentaneamente, esqueci-me de toda mágoa.
Ainda em casa, me deixaram ficar um bom tempo sozinho com Mary, já em seu caixão, para me despedir. Recordei-me de toda felicidade que tive ao seu lado e lhe agradeci por todo o seu amor.
No cemitério, nem sei de quem recebi condolências, pois só conseguia olhar para o caixão. Holmes permaneceu o tempo todo ao meu lado com o olhar também fixo em Mary.
O padre começou a oração falando de uma forma vagarosa, com se estivesse com medo. Levantei meus olhos para entender o motivo e só daí me dei conta que havia muitos presentes, e todos estavam de olhos arregalados para Holmes, como se estivessem vendo um fantasma.
Minha dor havia me anestesiado e eu não consegui me preocupar com o susto das pessoas. Voltei meu olhar para a mulher da minha vida e lhe prometi em pensamento que logo a teria junto de mim novamente.
Terminado o enterro, ainda fiquei por um tempo sozinho ao lado de sua sepultura. Holmes se afastou um pouco, me esperando de longe. A noite já caia quando passei por ele, que me seguiu e entrou comigo no coche.
Pela janela, vi que ainda havia uma multidão ali; todos assustados olhando para o fantasma ao meu lado.
Holmes me levou para o apartamento na Baker Street; disse-me que seria melhor eu não ficar sozinho na primeira noite sem ela. Encolhi os ombros como sinal de não me importar; a única coisa que queria naquele momento era morrer.
Senhora Evelyn me esperava com uma sopa, a qual me obrigou a comer, e Senhora Hudson me abraçou como uma mãe.
Ambas não se assustaram com Holmes. Deduzi que já sabiam antes de mim que ele estava vivo, mas não falei nada. Eu estava muito cansado e me recolhi, dormindo profundamente.
Acordei tarde no dia seguinte e Holmes estava em sua escrivaninha, como se os três anos de sua ausência não tivessem acontecido.
Após tomar o café, sentei-me no sofá a sua frente, como nos velhos tempos, mas desta vez para enfrentá-lo por ter me enganado.
- Como pode estar vivo? Eu o vi caindo no precipício. - iniciei o confronto.
Senhora Evelyn entrou nos contando que havia muitos jornalistas na portaria, por causa de Holmes, mas que não permitiria que nenhum deles nos incomodasse. Anunciou também que Gregson e Lestrade estavam lá fora.
- Por favor Senhora Evelyn, diga aos dois que hoje não poderemos receber ninguém. - pediu Holmes.
- Não Senhora Evelyn, deixe os inspetores entrarem. Acho que todos os que foram enganados pelo Senhor Holmes merecem ouvir suas explicações. -interrompi.
Senhora Evelyn olhou para Holmes como se não soubesse como agir, e ele consentiu com a cabeça para que ela me atendesse.
Os dois policiais entraram na sala muito bravos.
- Desta vez você passou de todos os limites, Holmes. - reclamou Lestrade.
- Sentimos muito incomodá-lo hoje, Doutor Watson. - desculpou-se Gregson.
- Sentem-se! O Senhor Holmes vai nos contar a história de sua morte. Então Senhor Holmes, conte-nos como ressuscitou. – falei irônico.
Holmes suspirou profundamente, tentando se controlar diante da minha provocação.
- Muito bem! Depois que eu e Rathe marcamos o duelo, passei a segui-lo usando diversos disfarces. Naquela semana, viajei atrás dele até Berna e o segui no passeio que fez pelas cataratas com um guia. Paguei a este guia para que me contasse sua conversa com o professor e ele confirmou minhas suspeitas; Rathe queria saber se já havia morrido pessoas ali e se os corpos haviam sido encontrados. Entendi que ele queria encontrar um local onde não só pudesse me matar, como também desaparecer com o corpo, como aconteceu com ele na noite em que matou Elizabeth.
- Você está nos dizendo que o professor Moriarty era o líder daquela seita maluca que matava suas vitimas com alucinógenos? O homem, que você e Doutor Watson, relataram na época ter assassinado sua namorada e que tinha morrido ao cair na água congelada? - perguntou Lestrade, tentando entender.
Antes que Holmes explicasse, confirmei a identidade de Moriarty.
- Este mesmo! Eu e Holmes o encontramos. Ele não morreu na época como havíamos acreditado e voltou para se vingar. Tornou-se o chefe do crime organizado em Londres, usando o nome de Moriarty, e foi a seu mando que quase fui morto e Mary sequestrada; tudo para provocar Holmes.
- Escondi-me no quarto onde Moriarty estava hospedado – continuou Holmes – e ouvi suas ordens aos capangas. Eles deveriam estar escondidos no desfiladeiro durante o duelo. Se Moriarty vencesse estaria tudo acabado; ele então ameaçaria a vida de Mary para que Mycroft e Watson jamais revelassem sua verdadeira identidade. Mas se eu vencesse, eles deveriam me matar a tiros ainda no desfiladeiro e jogar meu corpo nas águas e prosseguir com a vingança, matando você, Mary e Mycroft.
- Por que continuaria querendo nos matar, se ele já estaria morto? - indaguei.
- Porque você estava comigo quando o encontrei e sabia da sua identidade falsa. Morto, ele não teria como impedir que você divulgasse o passado dele e estragasse a sua reputação de bondoso professor, a qual ele levou anos para reconstruir. Mycroft e Mary entraram na lista porque ele supôs que contamos toda a história aos dois. - explicou ele.
- Por que não me contou isso no trem, Holmes? – questionei-lhe.
- Já chego lá, Watson. Sabendo que o duelo seria a beira do precipício e que eu não poderia sair vivo, comprei todo o material que encontrei para escaladas. Também comprei um pequeno barco e fui ao desfiladeiro pelas águas. Passei três noites subindo pela montanha e instalando camalot, nuts, cordas, pinos, mosquetão e treinando escalada. Na última noite, consegui chegar ao pico e desci o desfiladeiro pela trilha, caminhando, deixando o barco lá embaixo, escondido entre as pedras. Meu plano era me jogar bem junto a parede para tentar me agarrar em algum dos equipamentos de segurança que eu havia instalado; se não conseguisse, paciência, pelo menos eu havia tentado.
- Você é doido, Holmes! - interrompeu Gregson espantado.
- Vi quanto Moriarty despachou o telegrama endereçado a mim, marcando o encontro. Precisei voltar correndo para Londres para recebê-lo e não levantar-lhe suspeitas. Seus capangas passariam a me vigiar a partir da estação, por isso teria que embarcar como se nunca tivesse ido a Berna. – prosseguiu Holmes.
- Por que não nos pediu ajuda Holmes? - perguntou Lestrade.
- Porque se tratava do crime organizado ameaçando a vida da minha família, Lestrade. Bem, como vocês podem ver, meu plano funcionou. No duelo, encurralei o professor no ponto em que precisava cair e me joguei sobre ele. Só eu sabia dos equipamentos, então pensei que ele cairia direto; mas isso não aconteceu. - contou-nos.
- Vocês dois conseguiram se agarrar nos equipamentos? - fiquei surpreso.
- Sim, ele conseguiu se agarrar em uma das cordas logo abaixo de mim. Tive que escalar e descer até ele. Para a minha sorte, eu o havia ferido gravemente no braço durante o duelo e ele estava com dificuldade em se segurar; só precisei usar o pé para terminar o trabalho. – confessou Holmes.
- Você o matou a sangue frio? - espantou-se Lestrade.
- Sim, meu caro, chutei-o abismo abaixo enquanto me estendia a mão me implorando ajuda, e eu sorri para ele quando caiu de vez, me olhando desesperado. – respondeu Holmes com o olhar brilhando de satisfação.
- Você realmente odiava este homem! - suspirou Gregson.
- Ele matou a mulher da minha vida! Depois da queda, ouvi os gritos de Watson em cima do desfiladeiro e quis subir, mas temi que os capangas ainda estivessem lá e, me vendo vivo, executassem Watson e a mim ali mesmo. Além do mais, minha intenção de sair vivo daquele precipício tinha o motivo de ter a certeza de que desta vez, Rathe estaria morto.
- E desta vez, tem certeza de que ele morreu? - brincou Lestrade.
- Desci escalando a montanha e já fui retirando todos os equipamentos que eu havia instalado. De barco, lá embaixo, poderiam ser vistos e levantaria suspeitas. Faltava pouco tempo para amanhecer quando cheguei ao corpo de Moriarty e desta vez, comprovei sua morte. Para colocar um fim em nossa história, empurrei o corpo para as águas. – revelou-nos com frieza.
- E desta vez, tem certeza de que ele morreu? - brincou Lestrade.
- Desci escalando a montanha e já fui retirando todos os equipamentos que eu havia instalado. De barco, lá embaixo, poderiam ser vistos e levantaria suspeitas. Faltava pouco tempo para amanhecer quando cheguei ao corpo de Moriarty e desta vez, comprovei sua morte. Para colocar um fim em nossa história, empurrei o corpo para as águas. – revelou-nos com frieza.
- Depois que tudo passou, porque não me procurou para contar que estava vivo? - perguntei-lhe bravo.
- Watson, você não conseguia se decidir entre ter uma vida tranquila ao lado de Mary ou uma vida arriscada ao meu lado, e eu tomei a decisão por você. Enquanto eu pensava no que ia fazer da vida, já que estava morto, decidi que precisava me infiltrar no crime organizado e conhecer tudo sobre ele, e principalmente, impedir que tentassem qualquer vingança contra vocês. - explicou-me.
- Você não confiou em mim Holmes? - indaguei-lhe.
- Pensei na sua atitude em usar um disfarce ridículo para me seguir no trem, na sua promessa não cumprida de voltar para Londres, na sua imprudência em estar em um local onde poderia ser assassinado e em todas as vezes que correu risco de morte para me seguir. Se eu lhe contasse que eu viveria disfarçado no meio do crime organizado, o que você não iria aprontar Doutor? – justificou-se.
- Você não confiou em mim Holmes? - indaguei-lhe.
- Pensei na sua atitude em usar um disfarce ridículo para me seguir no trem, na sua promessa não cumprida de voltar para Londres, na sua imprudência em estar em um local onde poderia ser assassinado e em todas as vezes que correu risco de morte para me seguir. Se eu lhe contasse que eu viveria disfarçado no meio do crime organizado, o que você não iria aprontar Doutor? – justificou-se.
- Você faz ideia do que eu passei? - ainda estava indignado com ele.
- Não pense que foi fácil para mim Watson! Você estava sofrendo, mas estava seguro com Mary. – retrucou-me.
- Como saiu do desfiladeiro Holmes? – perguntou Gregson.
- Recolhi todos os equipamentos da escalada e levei ao barco, o qual usei para sair de lá. Consegui entrar escondido na pousada onde estava hospedado, vesti um disfarce e deixe minha mala ali, para que fosse entregue a Watson. Fui para a estação e tomei o mesmo trem em que você retornou a Londres. - confessou, me olhando.
- Você não contou para ninguém que estava vivo? - perguntou Lestrade.
- Quando cheguei a Londres, tive que procurar Mycroft. Eu estava morto e ele era meu herdeiro natural, então precisaria dele para ter acesso as minhas contas bancarias. – contou-nos.
- Então, quando fui a casa dele, ele já sabia e fingiu! - falei magoado.
- Não o culpe Watson, eu sou o único culpado! Você sabe melhor que ninguém que Mycroft sempre atendeu a todos os meus caprichos e que ele simplesmente não consegue me negar nada. Quando tudo se acalmou, fui morar na periferia de Londres muito bem disfarçado e me tornei um bandido. Em pouco tempo consegui entrar para a organização e tive que fazer coisas horríveis, mas conquistei a confiança de seus líderes. – relatou-nos.
- E agora que você apareceu, como ficará sua situação na organização? - indagou Gregson.
- Todos os líderes e os principais bandidos já foram presos. Os que sobraram não me são uma ameaça e eu sei tudo sobre eles. Era eu quem enviava os telegramas misteriosos lhes contando todos os detalhes de onde iam acontecer os crimes e quem seriam os criminosos. - esclareceu Holmes a Lestrade e a Gregson.
- Sabíamos que algum maluco de dentro da organização estava entregando tudo, mas nunca passou pela nossa cabeça que poderia ser você. Tínhamos certeza de que estava morto! - surpreendeu-se Lestrade.
- Não precisam me agradecer! Fizeram pose de super policiais para os jornais enquanto eu lhes dava tudo de bandeja. – ironizou Holmes.
- Vamos corrigir isso agora mesmo, Holmes. Faço questão de descer e contar aos jornalistas que estão à sua porta, que a sua morte foi um plano nosso, para que você pudesse se infiltrar no crime organizado disfarçado e acabar com a quadrilha. Sairá desta história como um herói e não como um louco egocêntrico que brincou com a própria morte. - replicou Lestrade, também ironia.
Os dois policiais fizeram um cumprimento com a cabeça e se retiraram.
- Por que voltou Holmes? - continuei.
- Eu passava algumas vezes em frente ao seu consultório e perguntava de você para os pacientes que saiam. Queria saber se estava tudo bem. Quando soube que você havia contratado um médico para ficar em seu lugar, pedi a Mycroft que fosse a sua casa descobrir o motivo. – contou-me.
- Ele me ajudou muito. – disse, já perdoando o irmão de Holmes por também ter me enganado.
- Eu acompanhei tudo de longe. Eu estava no hospital e o médico alemão, logo após falar com você, veio falar comigo e me contou que todos os recursos já haviam se esgotado e que era uma questão de horas... - Holmes suspirou profundamente, como se não quisesse falar sobre o assunto.
Não tinha como não perdoá-lo, apesar de toda mágoa que sentia ao me lembrar de todo sofrimento que passei.
Holmes prosseguiu com sua explicação.
- Decidi no hospital que eu não poderia lhe deixar passar por este momento sozinho. Eu precisava estar ao seu lado e também não queria que Mary partisse sem saber a verdade, sem saber que eu estava aqui. Não sei se foi certo ou errado o que fiz com vocês, Watson, mas foi o melhor que pude fazer.
- A Senhora Evelyn e a Senhora Hudson me pareceram não estarem surpresas por você estar vivo? – tomei-lhe satisfações.
- Quando decidi voltar, Mycroft e eu nos preocupamos em não matá-las de susto, por isso as procuramos antes. Meu irmão as explicou com cuidado que eu estava vivo. Quando entenderam e aceitaram, eu entrei e lhes pedi desculpas. E para não deixar mais nenhum fato sem ser esclarecido, algumas semanas depois da notícia da minha morte, eu procurei Emanuela e também lhe revelei meu segredo; eu precisava dos serviços dela e continuei a frequentar a casa da Senhora Lacey durante todo este tempo disfarçado. - contou-me.
Ouvimos gritos da Senhora Evelyn na escada.
- Você não pode subir senhora! Preciso lhe anunciar antes. - esbravejou a criada.
- Eu estava viajando e voltei correndo quando soube da Senhora Watson, e acabo de saber lá rua que Sherlock esta vivo! Deixe-me entrar, preciso vê-lo. - brigou Lana.
Holmes me olhou assustado.
- Eu tinha me esquecido dessa maluca! Watson, por todos os anos que estivemos juntos, me perdoe por ter lhe enganado e, por favor, diga a Lana que foi só o meu fantasma que apareceu, mas que já voltou para o inferno. - pediu ele, saindo correndo pelos fundos.
Mal saiu e Lana entrou correndo pelo apartamento, se jogando em meus braços.
- Doutor, sinto muito por Mary! – disse-me.
Senhora Evelyn entrou logo atrás, me fazendo um gesto com cabeça de que não havia conseguido impedir Lana de subir. Também lhe fiz um gesto para que ficasse tranquila.
- Obrigado Lana. – respondi-lhe, levando-a a se sentar.
- É verdade o que estão dizendo lá embaixo Doutor? Sherlock está vivo? - perguntou-me com os olhos brilhando.
- Sim, sua morte foi uma mentira. Eu também só soube disso agora, Lana. Ele criou a farsa de sua morte para nos proteger. Não fique brava com ele querida, foi realmente preciso. – contei-lhe, já querendo justificar a maldade de meu amigo.
Lana não conseguiu disfarçar sua felicidade, mesmo sabendo a situação difícil em que eu estava.
- Não estou brava Doutor; este três anos me foram um pesadelo. Tudo o que importa é que ele está vivo. Onde ele está?
- Fugiu. - acabei dizendo sem querer.
Diante de sua expressão ansiosa, corrigi-me mentindo.
- Fugiu dos jornalistas que estão lá fora nos incomodando; hoje nós realmente precisamos do silêncio. Holmes também adorava Mary.
Diante de sua expressão ansiosa, corrigi-me mentindo.
- Fugiu dos jornalistas que estão lá fora nos incomodando; hoje nós realmente precisamos do silêncio. Holmes também adorava Mary.
- Entendo, mas por favor, diga-lhe que eu o espero em minha casa com urgência e que preciso muito abraçá-lo. Vou levar o Mingau comigo, para que ele possa ir buscá-lo.
Despediu-se de mim, beijando-me o rosto e levando o gato, que até então dormia no tapete da sala.
Os dias se passaram e Holmes me convenceu a perdoá-lo e a voltar a morar no apartamento da Baker Street.
Minha casa, onde havia vivido com Mary, passou a ser o meu refugio dos finais de tarde, onde eu ia para me recordar dos momentos felizes com minha esposa.
Passado algumas semanas, deixei a barba crescer e fiquei desleixado com minha aparência, devido à tristeza que ainda sentia.
- Watson, você está horrível! - reclamou Holmes, quando me viu entrando na sala.
- Não tenho vontade de viver. – justifiquei-me.
- Se não pode se cuidar por você, faça isso por Mary. Não aja como se ela não existisse mais. – disse-me bravo.
Respirei fundo e fui para o banho, agradecendo a Deus por Holmes ter voltado. Eu só estava conseguindo sobreviver a perda de Mary, graças a presença do meu melhor amigo.
Quando retornei a sala, como o velho Watson de sempre, Holmes estava tocando maravilhosamente seu violino.
- Muito melhor! - elogiou-me.
- Quando vai buscar Mingau? – brinquei com meu amigo.
- Nunca. – respondeu friamente.
Lana me visitava todos os dias a procura Holmes, mas ele sempre conseguia escapar.
Senhora Evelyn entrou na sala nos avisando que Lestrade queria nos falar. Ele entrou em seguida muito animado.
- Bom dia, cavalheiros. Ontem a noite foi encontrado um corpo em plena rua Oxfort Street. - contou-nos.
- E o que nós temos haver com isso? - perguntou Holmes.
- Estava sem a cabeça. - informou Lestrade.
- Pessoas perdem a cabeça quando não fazem bom uso dela. - ironizou Holmes.
- Não há nenhuma pista! - instigou Lestrade.
- O que acha Watson? - interessou-se Holmes.
- Vamos dar uma olhada, Holmes.
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