Algo na rua chamou a
atenção de meu amigo, que olhava pela janela do coche.
- Pare, por favor! –
gritou ele.
Holmes saltou do coche e
saiu correndo pela rua. Eu o segui e logo avistei o que estávamos
perseguindo; novamente era mulher do espelho.
Agora mais próximos a ela, pude vê-la como uma mulher real, trajando um vestido simples
azul claro. Sua expressão estava serena e triste e ela apenas
caminhava, mesmo observando que corríamos ao encontro dela. Ela
virou a esquina e, em segundos, também viramos, mas ela desapareceu.
- Como pode? Aonde ela
poderia ter se escondido tão rápido? – surpreendi-me.
Olhei para as casas de luxo no
início da rua e acredito que não daria tempo da mulher ter entrado
em nenhuma delas sem que a tivéssemos visto.
- Ela parece ser tão
real! – disse Holmes, como se estivesse pensando alto.
Estávamos evitando
falar a respeito dela, uma vez que a estranha aparição no espelho e
o seu desaparecimento dentro da casa assombrada parecia ser algo
sobrenatural e incompreensível.
- Holmes, estou
começando a aceitar a ideia de que se trata de um fantasma. –
confessei.
Meu amigo, com a mão
na cintura, olhava fixamente para o chão, como se estivesse com os
pensamentos longe dali.
- Meu irmão! – disse
ele.
- Seu irmão? –
estranhei.
- Preciso ver Mycroft.
– respondeu ele com um olhar estranho.
- Não entendi. –
fiquei surpreso.
Holmes pediu ao
cocheiro que nos levasse ao clube frequentado por Mycroft. Ele me
pareceu tão estranho que achei melhor não fazer perguntas.
Nas proximidades do
clube, ouvimos gritos e Holmes pediu para que o cocheiro fosse mais
rápido. Logo, homens assustados passaram correndo pela rua. Algo grave estava ocorrendo ali.
Meu amigo pulou do
coche em movimento e correu para dentro do clube; só tive tempo de
pedir ao cocheiro que nos esperasse e fiz o mesmo.
O salão estava destruído, com mesas e cadeiras caídas, muitas garrafas e copos
quebrados e bebida alcoólica derramada por todo o chão.
Próximo à parede
lateral, Mycroft usava uma cadeira para tentar se defender de algo
que não consegui identificar. Parecia um corpo humano muito alto e
esguio, todo coberto por pêlos curtos, com pernas e braços muito finos,
unhas gigantescas e face magra de um lobo. A criatura estranha lembrava um
urso atacando, indo para cima de Mycroft.
Havia um senhor caído
no chão, próximo a eles, com o pescoço e braço todo retalhado e
ensanguentado; parecia estar morto.
A criatura fez a
cadeira usada por Mycroft voar longe, o acertando em seguida no
pescoço com as garras.
Mycroft foi arremessado
à parede com violência e o bicho foi para cima dele para mata-lo. Holmes pulou nas costas da criatura, tentado enforcá-la com
o braço.
O rosnado do bicho era
apavorante. Parecia ser um animal, mas o corpo tinha forma humana.
Pude ver os pés e mãos finas e longas, bem parecidos com as de um
homem, no entanto, com garras de urso.
A criatura conseguiu
agarrar Holmes pelo seu casaco, jogando-o longe.
Apontei minha
arma para a “coisa” e dei três tiros em suas costas.
Ela se virou assustadoramente e pude ver seus olhos vermelhos de fera, vindo ameaçadoramente em minha direção. Atirei mais três
vezes contra ela e paralisei de medo quando percebi que as balas,
apesar de perfurarem o seu corpo, não lhe causaram nenhum dano.
Quando o bicho estava
se aproximando para me atacar, Holmes usou seu isqueiro para atear fogo em uma grande toalha que encontrou no bar. Rapidamente, correu até a criatura, lhe cobrindo com o pano em chamas.
Com a intenção de queimá-lo, meu amigo passou a jogar no bicho, toda bebida alcoólica que encontrou em copos e garrafas que estavam ao seu redor. A criatura rosnava tentando se livrar do fogo.
Com a intenção de queimá-lo, meu amigo passou a jogar no bicho, toda bebida alcoólica que encontrou em copos e garrafas que estavam ao seu redor. A criatura rosnava tentando se livrar do fogo.
Em segundos, o incêndio se alastrou pelo salão, afugentando o bicho
que se atirou pela janela de vidro para escapar do local.
Holmes correu ao
socorro do irmão, enquanto gritou para que eu cuidasse do outro
senhor caído; arrastamos os dois para fora do salão em chamas. Na
rua, constatei que o senhor já estava morto.
Holmes sentou-se no
chão, acolhendo a cabeça toda ensanguentada de seu irmão em seu colo. O seu olhar desesperado
para mim era o mesmo da noite quando Elizabeth morreu em seus braços.
- Você quase nunca
aparece aqui. – disse o irmão, com muita dificuldade a Holmes.
- Fique quieto, vou
cuidar de você. – respondeu Holmes.
Examinei o ferimento de Mycroft; estava apavorado com a
possibilidade da criatura ter lhe cortado a veia jugular, mas, para meu alivio, a veia
estava intacta e nitidamente saltada na pele. Ele estava muito gelado devido a
perda de sangue.
- Ele vai ficar bem. –
tranquilizei meu amigo.
Holmes tirou seu casaco
e cobriu o irmão.
Tentei localizar o
coche que havia nos trazido, mas ele havia fugido. A criatura não
estava mais naquela rua e pessoas começaram a aparecer de todas as
direções.
Não demorou a chegar
uma carruagem da policia, para a qual pedi ajuda para socorrer
Mycroft.
No hospital, pedi ao meu colega
médico para que permitisse minha entrada na sala
onde Mycroft receberia atendimento. Minha presença junto ao irmão
tranquilizou Holmes, que foi obrigado a permanecer no corredor.
Limpamos os ferimentos,
que pareciam grandes e profundos arranhões, estancamos o sangue e usamos uma
solução para evitar infecção. Meu colega médico pensava estar
tratando de um caso de ataque de urso.
Deixei Mycroft
descansando e fui ao corredor. Holmes estava sentando no chão, com
os braços ao redor dos joelhos e o queixo apoiado neles.
- A temperatura dele já
se normalizou. Os arranhões foram feios, mas em breve serão apenas
cicatrizes. – confortei-o.
- Posso vê-lo? –
pediu-me.
- Sim, mas é melhor
que ele não fale muito. O movimento dos músculos na região do pescoço
vai lhe causar dor. – avisei.
Entramos no quarto e o
irmão tentou sorrir com muito esforço.
- É tão raro você ir
ao clube, como foi aparecer lá esta noite? – perguntou Mycroft.
- Não se esforce para
falar, você precisa descansar. O importante é que você está bem.
– limitou-se a dizer meu amigo.
Holmes estava abatido
demais e não tive coragem de questioná-lo, mas a verdade é que ele
teve uma premonição em relação ao irmão, depois de termos
encontrado novamente a estranha mulher.
- Já posso ir, Doutor?
– pediu Mycroft.
- Sim, já está
liberado. - autorizou meu colega médico.
Holmes acompanhou o
irmão até seu apartamento e eu voltei para o nosso, passando antes pelo
apartamento da Senhora Hudson para buscar a menina.
O dia amanheceu e logo recebi os jornais que
noticiaram um ataque de lobo em um clube muito reservado da cidade.
Eu vi a criatura e, apesar da cabeça ter a aparência de um lobo, o corpo era algo intrigante. Além do mais, animais andam em quatro patas, e aquela coisa estava em pé.
Eu vi a criatura e, apesar da cabeça ter a aparência de um lobo, o corpo era algo intrigante. Além do mais, animais andam em quatro patas, e aquela coisa estava em pé.
Holmes chegou algumas
horas depois, tomou um banho rápido e já estava novamente saindo quando eu o alcancei.
- Aonde vai com tanta
pressa? Mycroft ficou sozinho? – indaguei-lhe.
- Não, o deixei sendo
cuidado por um enfermeiro que contratei. Também coloquei alguns garotos
de prontidão lá para me avisarem de qualquer coisa. Vou ao clube
procurar pistas e encontrar alguém que possa me contar o que
aconteceu ontem. Não deixei que Mycroft me contasse para evitar dor
a ele, mas preciso saber o que era aquilo que enfrentamos e como foi
parar lá. – respondeu-me.
- Vou com você. –
ofereci-me depressa.
- Melhor que fique aqui
cuidando da sua “pequena cobra”. Ela está com cara de quem está
planejando fugir. – disse Holmes, se referindo a criança.
- A Senhora Evelyn pode
ficar com ela e não acredito que queira fugir. – retruquei.
- Pois lhe digo que só
não se aproveitou para fugir ontem à noite porque lhe dei chá com
sonífero. – confessou-me.
- Holmes, como pode
fazer isso com uma criança? Ela me prometeu que não vai fugir e eu
acredito nela. Você precisa aprender a confiar mais nas pessoas! –
o repreendi.
Ele me fez sua
tradicional cara de quem tem que ter muita paciência comigo.
- Eu vou avisar a
Senhora Evelyn para que tome conta de Ivy e vou com você ao clube. Por favor, me
espere lá embaixo. – pedi a ele, usando um tom bravo.
Apesar de minha grosseria, ele me esperou no coche.
A rua do clube estava
repleta de policiais, jornalistas e curiosos, que ficaram mais
alvoroçados com a presença de Holmes.
Meu amigo caminhou tão
rápido por entre eles que conseguiu se esquivar de todos sem a
menor dificuldade. Não tive a mesma habilidade e precisei ser
indelicado com os jornalistas, respondendo apenas “agora não”
para todas as perguntas que me fizeram.
Quando consegui entrar
no clube, Holmes já estava com sua lupa analisando uma jaula grande
de um metro de altura partida ao meio. Na correria da noite, eu não
a tínha visto.
O fogo já havia sido
apagado, mas o cheiro de queimado era insuportável. Se à noite, quando
chegamos ao local, já estava tudo revirado, depois do
incêndio então, parecia que havia passado um furacão lá
dentro.
Holmes se dirigiu à janela por onde a criatura havia fugido para analisá-la;
o vidro estava todo quebrado.
- Não há sangue. -
observou ele, com sua lupa.
Um velho conhecido e
frequentador assíduo do clube se aproximou de nós.
- Senhor Holmes, como
está o seu irmão? Que trágica foi a morte do Senhor Bell. – comentou
o Senhor.
- Mycroft está bem Senhor
Donat, obrigado. Que bom encontrá-lo; preciso saber o que aconteceu aqui
ontem à noite. – pediu meu amigo.
- Foi horrível. Era
quase meia-noite quando o Senhor Bell chegou trazendo consigo aquela jaula coberta por um pano. Disse-nos que
tinha passado toda à tarde caçando raposas quando, ao anoitecer, se
deparou com um lobo atacando um homem cinza de olhos vermelhos. –
contou-nos.
- Um homem cinza de
olhos vermelhos? – não pude deixar de estranhar.
- Sim, e sua surpresa foi
idêntica a de todos os que estavam aqui presentes. Nós rimos. Ele então se gabou de ter
matado o lobo e de ter capturado o homem cinza. Após fazer suspense, disse que iria nos provar que estava falando a
verdade e que iria nos mostrar o ser, que estava dentro daquela jaula. Ele nos disse que
estávamos prestes a ver algo fantástico. – revelou o Senhor.
- Isso explica a jaula.
- meu amigo voltou a olhar para gaiola grande quebrada.
- Já era meia-noite, então lhe pedimos que nos mostrasse
logo o tal homem. Nisso, ouvimos um som assustador, como se um animal
estivesse urrando de dor. A jaula começou a se movimentar com "a coisa" se
debatendo dentro e, em segundos, se partiu revelando o animal estranho que os senhores viram. O
Senhor Bell estava muito próximo e não teve tempo
para nada; o bicho avançou sobre ele enquanto nós saímos correndo. Eu já estava na rua quando vi os senhores chegando. - finalizou Senhor Donat.
- Se conheço meu
irmão, ele ficou para tentar salvar o Senhor Bell. - suspirou
Holmes.
- Com certeza. -
concordou o Senhor.
- O bicho era
realmente muito forte; nem um urso conseguiria partir aquela jaula. -
comentei.
- Eu sei! Ele me atirou ao teto como se eu fosse uma pena. - completou meu amigo.
- Mas se a criatura
tinha força para partir a jaula, porquê esperou chegar ao clube?
Por que não quebrou a jaula antes? - estranhei.
- A jaula estava sobre
rodas quando ele entrou e estava tudo tão quieto que parecia não
ter nada dentro. - contou Senhor Donat.
- Talvez o Senhor Bell tenha trazido o bicho desacordado e ele despertou aqui. - opinou Holmes
– Estava lá fora quando a criatura fugiu?
- Sim, enquanto uns
foram chamar a policia, eu fiquei aqui próximo com outros,
observando o que acontecia. Vimos quando o bicho quebrou a janela
e saiu correndo como um lobo em direção à floresta. Nunca vi algo
correr tão rápido. Os homens que costumam caçar na floresta
convocaram uma reunião para hoje à tarde; querem
organizar uma expedição para caçar o que eles chamam de nova
espécie de lobo. – relatou Senhor Donat.
- Eu atirei contra a criatura e vi os tiros lhe perfurarem a pele. Ela pareceu
que sentiu apenas um incomodo, mas os tiros não lhe causaram nenhum
dano. – informei ao Senhor.
- Vou contar isso na
reunião, Doutor. Melhoras à Mycroft, Senhor Holmes. Se precisar de
qualquer coisa, sabe onde me encontrar. - ofereceu gentilmente o senhor.
- Agradeço Senhor
Donat. - despediu-se meu amigo.
- Queimou muita coisa,
vai ser difícil encontrarmos pistas. - desanimei.
- Preciso recolher os
vidros dessa janela. Vamos quebrar em cacos as partes que tiveram
contato com aquela “coisa”. Quero analisar em meu laboratório. -
disse-me Holmes.
Eu e Holmes usamos
nossos lenços sobre a mão como cuidado para não estragarmos a pista e, com a
ponta de nossas armas, batemos no vidro para quebrar os cacos, que foram colocados em uma bandeja que encontramos.
Os policiais que ali se encontravam nos observavam sem saber o que fazer em meio aquela bagunça.
Enquanto coletávamos o material, ouvimos uma voz feminina bem conhecida atrás de nós.
Os policiais que ali se encontravam nos observavam sem saber o que fazer em meio aquela bagunça.
Enquanto coletávamos o material, ouvimos uma voz feminina bem conhecida atrás de nós.
- Sherlock!
Assustei-me com a presença da Senhora Reece naquele local.
- Lana, como vai
querida! - cumprimentei-a com carinho.
- Melhor agora Doutor.
- respondeu-me com o sorriso encantador.
- Eu não acredito. Eu coloquei groselha no vinho da santa ceia para merecer isso! O que faz aqui
senhora? - perguntou Holmes de forma rude.
- É mais fácil
encontrar você em uma cena de crime do que no seu apartamento. -
esclareceu ela.
Ao ouvirmos as risadas
dos policiais, olhamos bravos para eles, que disfarçaram olhando
para o teto ou fingindo procurar algo no chão.
- Posso
ajudar? - disse ela, sem se importar com a indelicadeza de meu amigo.
- Claro que pode! Pegue
uma vassoura e comece a faxina. - ordenou ele.
- Holmes, não se trata
uma senhora assim! - repreendi meu amigo.
- Não estamos nem na
metade do dia e o você já brigou comigo por duas vezes hoje, Watson. Será
que a idade está lhe fazendo perder a noção do perigo? -
enfrentou-me.
Paramos e nos encaramos
seriamente. Para a minha sorte, Lestrade chegou e interrompeu nossa
briga; raras foram as vezes que ganhei uma discussão de Holmes.
- Noite agitada! Acabei
de saber de seu irmão, Holmes. Como ele está? - perguntou o
inspetor.
- Está bem. -
respondeu meu amigo ainda bravo.
- Senhora Reece, é um
prazer revê-la, mas este lugar não é para senhoras. - reparou
Lestrade.
- Pois se acostume
comigo, inspetor. Pretendo frequentar todos os locais onde
acontecerem crimes daqui para frente. - respondeu ela, encarando
Holmes.
- Cuidado senhora, você
realmente poderá estar no local do próximo crime, mas como vitima e
não como uma intrometida! - ameaçou meu amigo.
- Como conseguiu entrar
aqui? - perguntou o inspetor a Lana.
- Simples, disse lá
fora que eu era namorada de Sherlock. – respondeu sorrindo.
- Como se atreve? Isso
é mentira! - gritou ele, indignado.
- Mas pode ser verdade quando você quiser! - sorriu ela.
Até eu quase perdi a
paciência com Lana, suspirando profundamente. Era nítido no olhar
de Holmes o quanto ele estava se segurando para não atirá-la pela
janela já quebrada.
Lestrade, segurando o riso, tentou
consertar a situação antes que o pior acontecesse.
- Holmes, creio que vai
investigar o caso já que envolveu seu irmão. Quer que eu faça
alguma coisa? – ofereceu o inspetor.
Holmes respirou
profundamente.
- Preciso de três
coisas Lestrade. A primeira que mande entregar aquela jaula na casa
onde tenho meu laboratório. A segunda é que desminta o que esta
senhora disse aos policiais lá fora e a proíba de entrar em locais interditados, e a terceira, mande internar esta doida em um manicômio. - disse meu amigo saindo com a bandeja
repleta dos cacos de vidros.
- Lana, por favor, não
insista mais! - pedi a ela pela milésima vez.
- Jamais vou desistir de conquistá-lo, Doutor. - respondeu-me tão linda.
Despedi-me rapidamente
dela e do inspetor e corri para o coche.
- O que vamos fazer
agora? - perguntei a meu amigo.
- Vou para o meu
laboratório analisar o vidro e aguardar a jaula. - disse mais
tranquilo, observando os cacos.
- Quer que eu faça
alguma coisa? - ofereci-me.
- Sim, quero que vá à
casa do Senhor Bell com a desculpa de dar condolências e veja se
consegue descobrir mais alguma coisa. Se descobrir onde está o tal
lobo morto que mordeu a criatura, traga-o para mim. - pediu-me.
Holmes desceu do coche
em frente a sua mansão e eu segui para a casa do senhor assassinado
naquela noite.
Como eu esperava, já
havia muitos parentes e amigos no local, consolando a família. Após
confortar a esposa do Senhor Bell por alguns minutos, fui até o
terraço interno da casa, onde havia um garoto de aproximadamente
dezoito anos. Pela sua tristeza, só podia ser o filho dele.
- Seja forte! Sua
mãe e suas irmãs vão precisar muito de você. - disse-lhe.
Ele apenas suspirou
profundamente; parecia não querer conversa alguma.
- Eu sou médico. Se eu
puder ser útil em alguma coisa, estou à sua disposição. –
ofereci-me.
- Obrigado. –
finalmente falou comigo.
- Você chegou a ver a
tal criatura que seu pai havia caçado? – perguntei, com receio de
estar sendo inconveniente.
- Eu estava caçando
com ele. Matamos algumas raposas e armamos algumas armadilhas. Já
estava anoitecendo quando ouvimos grunhidos de um lobo. Quando
chegamos perto, vimos que o lobo estava mordendo a perna de um ser
muito estranho. O corpo parecia de um homem, sem roupas; a pele parecia de um lagarto. Era muito magro e alto, com braços e pernas finas. A cabeça
era enorme, o nariz esquisito, com a boca pequena e olhos grandes e
vermelhos.
- Seria um animal com
formas humanas? – estranhei.
A descrição do menino
era um pouco diferente da criatura que vi no clube, a qual tinha
pêlos e cara de lobo.
- Não sei o que era,
eu nunca tinha visto nada parecido. Meu pai matou o lobo com um tiro
e a coisa tentou fugir, mas estava com uma das pernas muito machucada
e caiu. Meu pai segurou a criatura até que eu lhe trouxesse a jaula. Ajudei a
prender a coisa e parecia que ela estava com muito medo. Voltamos
para casa e meu pai estava muito ansioso para mostrar a coisa para
toda a cidade. Já era tarde quando conseguiu arrumar a carruagem,
amarrando a jaula na parte traseira, e foi para o clube.
- O que fizeram com o
lobo morto? – indaguei.
- Está lá nos fundos,
junto com as raposas mortas. Meu pai pretendia tirar a pele hoje. Vou
precisar enterrar os bichos, antes que o cheiro fique insuportável.
– contou-me.
- Deixe-me resolver
este problema para você. – propus ao garoto.
Era a minha chance de
pegar o lobo para Holmes. Fui até a sala e interrompi a conversa em
uma roda de cavalheiros, amigos do falecido, pedindo ajuda a eles
para dar um destino às raposas.
Os homens, também
caçadores, concordaram ir até os fundos da mansão fazer o trabalho
necessário. Disseram-me que tirariam as peles, para não perder a
caça, e enterrariam os restos.
Acompanhei-os até o
local e identifiquei o lobo entre os animais que já estavam
cheirando mal.
Informei aos
cavalheiros que o lobo, por ter tido contato com a criatura,
precisaria ser levado para perícia. Eles me entregaram o animal sem
nenhuma objeção.
Por causa do mau cheiro
do bicho, eu não conseguiria alugar um coche, então um dos senhores
me ofereceu um cavalo. Enrolamos o lobo em um pano e o coloquei em
meu colo para cavalgar.
Por onde passei pela
cidade, as pessoas me olhavam indignadas, torcendo o nariz. Passei
muita vergonha, e justo eu, que havia adquirido com Holmes o hábito
de me banhar todos os dias, quando muitas pessoas na cidade ainda
tinham o costume de se banhar no máximo duas vezes por ano.
A criada da mansão de
meu amigo atendeu a porta fazendo cara feia.
- Doutor, o que é
isso?
- Sinto muito, trouxe
um animal morto. Ordens do Holmes. Onde ele está? – perguntei-lhe.
- No laboratório. -
respondeu ela correndo para cozinha, com a mão fechando o nariz.
Levei o bicho para o
laboratório e coloquei-o sobre uma das mesas. Estranhamente, os
cacos de vidro estavam do lado do microscópio, a jaula estava no
chão ao lado de sua cadeira, mas Holmes não estava ali.
Subi para o segundo
andar para procurá-lo quando ouvi o barulho de cama batendo forte na
parede e gemidos de mulher vindo do quarto dele.
“Não acredito!”,
pensei chateado.
Fui para o cômodo do
banho e enchi a enorme tina de água quente. Foi um alívio me livrar
de minhas e roupas e mergulhar na água.
Após mais de uma hora,
Holmes apareceu só de calça e camisa semiaberta, fumando o seu
cachimbo.
- Pelo cheiro, me
trouxe o lobo morto. Bom trabalho Watson. - agradeceu-me.
- Obrigado Holmes. Enquanto eu carregava um bicho morto e morria de vergonha pela cidade
por sua causa, você estava aqui se divertindo. - permiti-me invadir
a intimidade dele.
- Lana está no quarto.
- confessou-me meio chateado consigo mesmo.
- Ah, Holmes! Você
briga com ela e depois a leva para a cama. - novamente o repreendi
pela terceira vez no dia.
- Foi maldade de
Lestrade. Mandou me entregarem a jaula e Lana juntos. - contou-me.
- Sei! - achei graça
do seu argumento.
- É complicado ficar
sozinho com uma mulher. - justificou-se.
- Eu entendo! - precisei concordar.
E que homem não
concordaria, ainda mais se tratando de uma mulher linda como a Senhora Reece.
Passei a lhe contar
tudo o que aconteceu na casa do Senhor Bell e da vergonha que passei
carregando o bicho.
- Minhas roupas terão
que serem queimadas. Um médico não pode se vestir com roupas que
tiveram contato com um animal morto. - disse a ele.
- Eu queimarei. Vou lhe
buscar umas roupas minhas para se vestir.
Holmes voltou minutos
depois com roupas limpas e um lençol, no qual enrolou minhas roupas,
levando-as para queimar.
As roupas que me
trouxe, como era de se esperar, ficaram grandes em mim. Por mais
finas e elegantes que fossem, ficou engraçado em meu corpo já que
tive que dobrar a barra das calças, da camisa e do casaco.
Desci para a sala onde
o encontrei novamente, voltando do quintal da mansão.
- A criada vai lhe
servir o almoço. Não deve ter comido nada até agora. - ofereceu-me
ele.
- Não, obrigado. O mau
cheiro do bicho me fez perder a vontade de comer. Melhor analisa-lo
logo e enterrá-lo.
- Vou usá-lo para
espantar a Lana daqui, quando ela acordar. - contou-me.
Só pude rir. Que outro homem
no mundo usaria um bicho morto para se livrar de uma mulher, além de
Holmes?
- Vou voltar para o
apartamento. Ivy deve estar me esperando para suas aulas. Nos
veremos amanhã. - despedi-me dele.
Passei o resto do dia
em companhia da criança. Agora que Holmes estava entretido também
com o mistério do lobo, talvez o caso do assassino dos “sem
cabeças” demorasse mais para ser resolvido. Isto significava que Ivy ficaria mais tempo conosco.
Capitulo 16 - O encontro
Capitulo 16 - O encontro

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