Filme: Young Sherlock Holmes
Ano: 1985
Roteiro: Chris Columbus e Arthur Conan Doyle (personagens)
Direção: Barry Levinson
Produção: Steven Spielberg, Marck Johnson e Henry Winkler


domingo, 7 de abril de 2013

Capítulo 5 - A armadilha

         
Quando o coche parou em frente ao nosso apartamento, antes que pudéssemos descer, Lestrade entrou afobado gritando para que o cocheiro seguisse para a White House.


- Onde estava Holmes? Estou há uma hora lhe esperando desesperado. - disse bravo.

- Qual é a urgência, Lestrade? - perguntou meu amigo cansado.

- Um dos seus garotos veio lhe procurar e como não o encontrou, foi até a sede da policia me perguntar se eu sabia onde você estava. Disse-me que era urgente, que você tinha que ir correndo para mansão da Senhora Lacey. – contou o inspetor.

- Muito bem Lestrade, então vamos pegar um assassino. - suspirou Holmes.

- Eu sabia que você tinha armado alguma coisa. Quem é o assassino, Holmes? - Lestrade esfregou as mãos, animado.

- Você verá! - respondeu sem a menor vontade.

- Mas vocês demoraram muito, talvez já seja tarde, talvez ele já tenha ido embora, ou pior, já até tenha assassinado outra garota. – o inspetor se mostrou muito ansioso.

- Não se preocupe, eu coloquei alguns garotos de rua para vigiar o psicopata e informar os passos dele. Também orientei uma das senhoritas do bordel a entretê-lo até a minha chegada, caso ele retornasse ao local. - revelou Holmes.

Essa foi demais! Holmes não me contou quem era o assassino, mas contou para uma cúmplice e para os garotos de rua.

- E ia me deixar fora da festa? - perguntou Lestrade rindo.

- Não chamaria o assassinato de Caitlim de festa. – respondeu meu amigo irritado.

Chegando à rua do bordel, dois garotos vieram correndo até nós.

- Chefe, ele está lá dentro, alguma ordem? - perguntou um garoto muito cabeludo; mal dava para ver os olhos dele.

- Bom trabalho, meninos. Amanhã passem em meu apartamento para receberem suas recompensas e podem ir agora. – respondeu Holmes.

Depois de pagar e dispensar o cocheiro, Holmes me olhou aparentemente calmo.

- Watson, não preciso lhe avisar de que amanhã sairá nossos nomes nos jornais. É melhor você não entrar; não quero que tenha problemas com Mary por estar nesta casa a esta hora da noite.

- Somos um time, Holmes. - respondi irônico.

- Você quem sabe. - respondeu-me sério - Vamos entrar pelos fundos, o assassino não vai agir se nos vir aqui.

Seguimos pelo jardim até a porta nos fundos da casa, onde batemos.

- O que querem aqui? - atendeu grosseiramente um dos garçons, que logo mudou o tom quando viu Holmes – Desculpe-me Senhor Holmes, nós não atendemos pela porta dos fundos.

- Por favor, me chame a Senhora Lacey. - pediu meu amigo educadamente.

- Sim Senhor, podem esperar aqui dentro. - ofereceu o garçom, saindo correndo para o salão.

Entramos na cozinha da casa, onde esperamos alguns minutos pela proprietária.

- Holmes, o que houve? - chegou ela aflita.

- Senhora Lacey, onde está Emanuela? - perguntou calmamente.

- Atendendo em uma das mesas. - respondeu sem entender.

- Pois bem, dê-lhe um sinal positivo com a cabeça e ela saberá que é hora de ir para o quarto; nós estaremos lá, escondidos.

- Holmes, o que está acontecendo? - estranhou a senhora.

- Confie em mim, por favor. - pediu ele.

A senhora suspirou tensa e seguiu para o salão para dar o sinal.

Subimos por uma escada que ia da cozinha para o segundo andar e entramos em um quarto luxuoso. A enorme cama com mosqueteiro vermelho estava coberta por uma colcha também vermelha, dando uma aparência de sensualidade ao quarto, contrastando com móveis em cor clara e as grandes cortinas brancas que cobriam toda uma parede.

- Escondam-se e não saiam até a minha ordem. - disse Holmes abrindo a porta do armário de roupas e se enfiando lá dentro.

Eu e Lestrade entramos embaixo da cama.

“A segunda cama em que me escondo esta noite”, pensei.

A porta se abriu e alguém entrou no quarto. De onde eu estava, só pude ver a barra de um vestido preto que cobria delicados pezinhos.

- Holmes, vocês está aqui? - sussurrou a latina.

- Onde ele está Emanuela? - perguntou meu amigo em voz baixo, dentro do armário.

- Mandou-me esperá-lo em meu quarto. - disse ela cochichando.

- É óbvio, não quer ser visto subindo com você e provavelmente vai dar um jeito de vir até aqui escondido. - conclui Holmes.

- Vai me proteger, não vai? - perguntou ela com doçura.

- Não se preocupe. Prometo que nada de mal vai lhe acontecer. - respondeu Holmes friamente, ainda em voz baixa.

- E vou ganhar o eu quero por este serviço? - insistiu a latina.

- Será muito bem paga. - garantiu meu amigo.

- Não estou falando em dinheiro, Holmes.

- Tem um policial e um médico embaixo de sua cama, faça o que combinamos e será recompensada. – avisou Holmes, disfarçando o constrangimento.

Lestrade me olhou segurando a risada, mas eu estava exausto demais para achar graça na situação embaraçosa.

Batidas leves foram dadas na porta, no que a latina foi abrir.

Debaixo da cama, não dava para ver mais do que os sapatos pretos do criminoso.

- Deseja que eu faça alguma coisa em especial? - disse a jovem, com a voz de fazer qualquer um enlouquecer.

- Quero apenas que você seja uma boa menina. - ouvimos a voz masculina.

Aquela voz! Eu e Lestrade nos olhamos surpresos.

- O que é isso? - perguntou ela com doçura.

- Minha maleta de trabalho e meu bloco de anotações. Sou escritor. - respondeu o homem com delicadeza.

O vestido preto caiu ao chão; a latina estava se despindo quando o homem caminhou até ela.

O som que ouvimos foi de um gemido sufocado; os pés da garota se debateram, tentando se desvencilhar das garras do assassino. Senti um cheiro alcoólico adocicado e entendi que ele estava sufocando o nariz e a boca da prostituta com algum produto para fazê-la desmaiar.

Lestrade fez um movimento com a intenção de sair do esconderijo, mas eu o segurei fazendo sinal de silêncio. Holmes foi claro quando nos avisou para sairmos somente depois do sinal dele e eu já o conhecia o suficiente para saber que ele tinha tudo sob controle.

Vimos pelos pés da senhorita que a mesma havia desmaiado. O criminoso a carregou, colocando-a na cama.

- Um belo corpo! Jovem e saudável, exatamente o que eu preciso. - comentou o assassino.

Seus movimentos indicavam que ele estava terminando de despi-la.

- Vamos começar as anotações. São uma hora e vinte e sete minutos; a cobaia aparenta ter um pouco mais de vinte anos, estrangeira, pele branca, estatura média e magra. Tem uma boa higiene e aparenta boa saúde.

O homem parou bem ao lado da cama e eu poderia agarrá-lo pelos pés de tão próximo que estava.

- Cobaia? Então é esse o motivo de seus assassinatos? - finalmente Holmes resolveu aparecer, saindo do seu esconderijo.

- Você! Como entrou aqui? - tomou um grande susto o assassino, chegando a cair sobre a cama.

- Achou mesmo que tinha me enganado, senhor Thomaz Harris? – gabou-se meu amigo.
Eu e Lestrade permanecemos quietos em nosso esconderijo; entendemos que Holmes nos queria como testemunhas.

- Parece que eu o subestimei Senhor Holmes! Como foi que suspeitou de mim? - disse o psicopata, com a voz trêmula ainda pelo susto.

- Os cortes feitos no corpo da vitima indicavam muita experiência no manuseio de bisturi; também senti o cheiro de metanol na face da garota. As pistas ligavam o assassino à profissão de médico, mas quando eu abri a porta do quarto e dei cara com um legista, lembrei-me de imediato que o metanol é componente do formol, muito usado em sua profissão e que legistas também fazem cortes precisos em autopsias. 

- Não sou o único legista desta cidade e eu estava apenas acompanhando a policia. Como me descobriu? - perguntou Senhor Harris, parecendo estar mais calmo.

- Simples, foram as suas mentiras. Quando eu o convidei a entrar no quarto, eu apenas queria informações que me confirmassem que o assassino poderia ser um legista, mas o senhor passou a me dar intencionalmente pistas falsas, o que o tornou um suspeito. - esclareceu meu amigo.

- Eu o conhecia pela sua fama Senhor Holmes, mas como sou um profissional muito respeitado, acreditei que nunca levantaria suspeitas.

- O Senhor entrou no quarto já insinuando que o crime se tratava de uma vingança e mentiu sobre o horário da morte. Cadáveres só começam a enrijecer depois de quatro horas da morte, e o corpo da vítima não estava rígido, portanto ela não poderia ter morrido no horário que o senhor informou. No horário em que estávamos examinando o corpo, era óbvio que a morte havia ocorrido depois das cinco horas da madrugada. - confrontou Holmes.


- Policiais e detetives não costumam duvidar das informações de um legista. - defendeu-se o criminoso.


- Também mentiu sobre a arma do crime. Faca de açougue! Como um legista tão experiente erraria tão feio? - riu meu amigo.

- Está certo! Foi uma grande estupidez minha retornar a local do crime e querer enganá-lo. - reconheceu o assassino.

- Um legista que está apenas exercendo sua profissão não negaria uma informação importante para esclarecer um crime. O senhor estava muito próximo ao cadáver e sentiu o cheiro do metanol, no entanto, quando eu lhe perguntei se havia mais alguma coisa que pudesse me revelar, o senhor se omitiu. - prosseguiu Holmes.

- Se o Senhor sabia que eu estava mentindo, por que não me desmascarou naquele dia? - indagou o homem.

- Até aquele momento, o senhor era apenas um suspeito, e muito suspeito. O senhor pisou no sangue da vítima e deixou manchas de suas pegadas pelo quarto. 

- Eu sei. Foi um pequeno deslize, mas foram apenas manchas. Jamais me incriminariam. - argumentou o legista.

- Está enganado. Pelo espaçamento das manchas de sangue, eu pude calcular a altura aproximada do assassino, e olhe só, o senhor se encaixava na altura. No dia seguinte, eu fui ao necrotério e quando soube que o senhor não estava lá, aproveitei para investigá-lo numa conversa informal com o seu chefe. Ele me contou que o senhor é um dos melhores legistas que ele já conheceu, muito dedicado e estudioso. O Senhor costuma passar muitas horas além de seu trabalho no necrotério, estudando cadáveres.

- Ele me disse que um repórter esteve lá fazendo perguntas. - lembrou-se Senhor Harris.

- Foi o meu disfarce. Eu descobri o seu endereço, fui até a sua casa e a invadi na sua ausência. Sabe senhor Harris, eu inventei um composto que pode revelar sangue, mesmo em materiais que foram minuciosamente limpos. Eu usei o meu composto em seus sapatos e encontrei na sola de um deles uma mancha de sangue, idêntica à mancha no chão do quarto da Caitlim.

- Invadiu a minha casa! - surpreendeu-se o criminoso.

- Sim, e a mancha de sangue na sola do seu sapato, mesmo já limpo, confirmou todas as minhas suspeitas. O senhor era o assassino. Também encontrei o bisturi que usou no crime. Só me faltava entender o motivo do crime, ou dos crimes; o senhor também matou as prostitutas de rua que desapareceram nestes últimos meses, não estou correto? - indagou Holmes.

- Em parte. Eu realmente as usei como cobaias, assim como fiz com a prostituta deste bordel, mas não sou um criminoso, sou um cientista e os meus estudos precisam de cobaias humanas. - confessou o legista.

- E o que o Senhor estuda? - perguntou meu amigo, com a intenção de esclarecer o caso.

- Transplante de órgãos. - revelou.

- Como assim? - não entendeu Holmes.

- Sabe quantas pessoas importantes da nossa sociedade morrem por terem órgãos comprometidos por doenças, Senhor Holmes? Imagine quantas vidas podem ser salvas se esses órgãos pudessem ser trocados por novos. 

- Seja mais claro Senhor Harris. - pediu meu amigo, que parecia estar confuso.

- Há muito anos atrás, depois de muitas autópsias e analisar diversas doenças que provocaram as mortes, pensei o quanto seria fantástico se fosse possível trocar os órgãos doentes por órgãos saudáveis e salvar vidas. Comecei minhas experiências com animais, cães, gatos, coelhos. Eu retirava os órgãos de uns e implantava em outros. No começo, todos morriam de imediato, mas com o passar dos anos, alguns sobreviviam por dias com o órgão implantado.

- Típico! Pessoas que possuem a frieza para matar animais são potencialmente assassinos psicopatas. Mas prossiga, matando animais, tomou gosto por matar e resolveu assassinar mulheres. - deduziu Holmes.

- Não foram assassinatos, foram sacrifícios em nome de um grande avanço para a ciência. Nos últimos meses, senti a necessidade de evoluir em meus estudos, e para isso, eu precisava de cobaias humanas. As ruas estão abarrotadas de pobres e prostitutas que não passam de um peso para a nossa sociedade; por que não usá-los como doadores? - argumentou o legista.

Eu e Lestrade nos olhamos horrorizados.

- As prostitutas que doaram os órgãos não sofreram, Senhor Holmes. Veja só esta estrangeira; eu cobri-lhe o rosto com um lenço embebecido por metanol. Está completamente desacordada. Fiz isso com todas as mulheres enquanto lhes retirava o órgão que preciso. Foram mortes tranquilas, um alivio para a vida miserável que viviam. - continuou o psicopata.

- E as que recebiam os órgãos? - questionou meu amigo.

- Bem, não posso negar que estas sofreram.

- O senhor levou as mulheres para a sua casa, não foi? Foi lá que praticou os seus crimes. 

- Eu as contratava para uma noite em minha casa, onde as prendia e fazia meus experimentos. As receptoras dos órgãos que sobreviveram à cirurgia, foram mantidas presas em meu quarto, até que morreram. Mas veja, assim que eu solucionar todos os problemas e ter sucesso no implante, serei o maior gênio deste século. - alegou Senhor Harris.

Holmes suspirou profundamente, parecia também estar chocado.

- Eu encontrei na sua casa a mesa metálica e os materiais usados por médicos, junto com o bisturi que o senhor usou nos assassinatos, mas nem em minhas mais loucas especulações, poderia imaginar a monstruosidade em que eles foram usados. Pena que não havia nenhuma prostituta presa em sua casa no dia em que estive lá. O que fez com o coração de Caitlim?

- Implantei em uma prostituta de rua que já estava muito doente; mas a infeliz morreu durante o transplante.

- Por que a mutilou, além de lhe abrir o tórax? - indagou Holmes.

- Para que parecesse um crime passional. - respondeu o legista.
 
- Corrija-me se eu estiver errado, Senhor Harris. O Senhor estava sacrificando prostitutas de rua para suas pesquisas, mas diante da dificuldade em encontrar mulheres saudáveis entre elas, resolveu usar as prostitutas deste bordel de luxo. Lugares como este sempre têm seus médicos particulares, que cuidam das mulheres para evitar a transmissão de doenças. - conclui meu amigo.

- Está correto Senhor Holmes. Eu não estava conseguindo encontrar órgãos saudáveis nas mulheres de rua e de nada adianta fazer todo o procedimento com órgãos doentes. Por isso procurei mulheres saudáveis em lugares como aqui e passei a usar as prostitutas de rua somente como receptadoras. Quando eu conseguir ter sucesso nos transplantes, pobres e prostitutas poderão ser usados como doadores, mas terão que passar por tratamentos antes.

 - E o Senhor retornou ao mesmo local para cometer outro assassinato, uma vez que a polícia suspeita que o assassino seja um garçom indígena e ele está solto.  A suspeita novamente cairia sobre ele. - comentou Holmes.

- E o senhor estava esperando que eu retornasse, não é? Como soube que eu estaria esta noite aqui? Como conseguiu me encontrar neste quarto? - questionou Harris.

- Sou Sherlock Holmes, meu caro. E aquela sua maleta em cima da mesa deve ser o recipiente usado para transportar o órgão. - prosseguiu Holmes.

- Sim, é um recipiente com gelo. Sabia que os órgãos podem permanecer vivos por horas no gelo? E graças às nossas congelantes noites de inverno, posso transportar gelo sem grandes problemas. - esclareceu o legista.

- Isso explica a água na mesa; era o gelo derretendo. Se o senhor veio buscar outro coração, e o órgão é mantido vivo por horas no gelo, isso significa que agora há uma prostituta presa em sua casa, aguardando para ser sua próxima cobaia. - deduziu meu amigo.

- Ela está completamente bêbada, amarrada em minha cama. - confirmou Senhor Harris.

 - Na noite do assassinato de Caitlim, o senhor era um dos quatro cavalheiros que bebiam com ela no salão. Quem eram os outros três? - perguntou Holmes.

- Eram três cavalheiros que já tinham bebido demais e discutiam bobagens. Aproveitei-me e me juntei a eles. Como estavam muito embriagados, nem perceberam quando perguntei a prostituta qual era o seu quarto e a mandei me esperar nele. - esclareceu. 

- O que fez com os corpos das prostitutas de rua? 

- Esquartejei e os queimei no necrotério, por isso as horas a mais em que ficava sozinho por lá. Cinzas são mais fáceis de se jogar fora. Já a prostituta deste lugar, não tive como levar o corpo.

- E esse seu bloco de anotações deve conter o relato de todos os seus crimes, com detalhes de cada mulher que o senhor assassinou.

- Não é um relato de crimes, é o registro de todo o desenvolvimento das minhas pesquisas.

 - O senhor poderia ser um visionário Senhor Harris, se não fosse um monstro. - concluiu meu amigo.

- São os sacrifícios pela ciência Senhor Holmes. O que pretende fazer? Vai impedir que um avanço tão grande para a humanidade seja interrompido por causa de algumas mulheres que não valem nada? - indagou o criminoso.

- Vou entregá-lo a polícia. - respondeu meu amigo.

- Isso não vai acontecer. - retrucou o legista.

- Watson! - gritou Holmes.

Era o sinal que eu espera para sair do esconderijo. Levantei-me correndo e vi o legista atacando meu amigo com um bisturi. Os dois rolaram pelo chão do quarto em luta. 

Senhor Harris, que era apenas alguns anos mais velho que Holmes, tinha quase a mesma altura que ele e era bem mais encorpado.

Usando seu talento de boxeador, Holmes acertou-lhe um forte golpe na face. O legista desmaiou.

Retirei o lenço molhado de metanol do rosto de Emanuela e cobri-lhe o corpo nu. Fiz todo esforço para olhar a latina como um médico, mas não pude deixar de notar sua beleza.

- Cuide dela, Watson, vai precisar de um médico. - me pediu Holmes, sentado no chão, se recuperando da briga.

Eu abri a janela do quarto para aumentar a circulação de ar para Emanuela respirar. Depois corri para o salão pedir a Senhora Lacey, que estava aflita, para trazer-me toalhas e água. Precisava lavar o rosto da latina para livrar-lhe do cheiro do produto. Também pedi que providenciasse um remédio para náuseas e dor de cabeça; a pobre iria precisar quanto acordasse.

Holmes perguntou por Irving à Senhora Lacey, que lhe contou que o garçom não aparecia para trabalhar desde o dia do crime. Apesar da policia tê-lo como suspeito, ela havia dito ao jovem índio que acreditava em sua inocência. Mesmo assim, ele desapareceu.

Lestrade pode algemar o assassino, quando o mesmo acordou atordoado. 

- Vou até a casa dele libertar a prostituta presa. Muito bem, Holmes, pegamos mais um! - sorriu o inspetor, se retirando para levar o criminoso para a sede da polícia.

- Pegamos mais um! Entreguei o assassino de bandeja para ele, e ele acha que fez alguma coisa! - reclamou meu amigo.

Holmes e eu esperamos Emanuela despertar. Como eu havia previsto, a coitada acordou passando muito mal e sofrendo com os efeitos da alta concentração da droga que foi obrigada a respirar.

- Como pode ter aceitado participar desse plano maluco? Você arriscou sua vida! - critiquei-a, quando Holmes não estava por perto.

- Ora Doutor, quantas vezes o senhor já confiou sua vida a ele? - me retrucou a latina muito abatida, depois de vomitar por quase dez minutos. – Agora ele tem uma dívida comigo.

- E que dívida é esta? - perguntei não me aguentando de curiosidade.

- A partir de hoje, serei sua preferida e vou atendê-lo todas as vezes que vier aqui. - me disse tossindo e sorrindo.

Pobre garota apaixonada, nunca seria mais do que uma diversão para o meu amigo. E bem feito para Holmes! Agora estava preso a ela; quem mandou usá-la como isca para assassino.

- Como ela está? - perguntou-me Senhora Lacey, que se aproximou acompanhada por Holmes.

- Vai precisar de alguns dias em repouso e logo estará bem. - respondi cansado.

- Fiz tudo certo, Holmes? - perguntou Emanuela quase sem voz.

- Bom trabalho! - respondeu ele friamente - Vamos Watson, uma carruagem está a nossa espera.

- Obrigada Doutor, vou cuidar muito bem desta menina corajosa. - disse a Senhora Lacey com carinho.

Já estava amanhecendo quando entramos na carruagem e seguimos para o nosso apartamento. Estávamos tão cansados que não houve qualquer conversa.

Meu amigo olhava as ruas pela janela, enquanto eu fechei meus olhos recordando os “elogios” que eu havia recebido durante a noite, na casa do fantasma.

Holmes entrou no apartamento e foi direto para o seu longo banho.

Eu dormi por algumas horas e acordei na hora do almoço. Tomei um banho rápido e me arrumei para ver Mary; precisava lhe explicar sobre a minha presença no bordel.

Apesar de já estar descansado, eu não estava nada bem. Sentia-me pequeno, como se não tivesse personalidade.

Holmes estava na sala e eu não queria falar com ele. Tentei sair rapidamente para evitá-lo, mas não consegui.

- Aonde vai, Watson? - me perguntou calmamente.

- Eu lhe devo satisfações, Holmes? Terei que lhe pedir permissão para sair? - respondi grosseiramente.

Holmes abaixou o jornal que estava lendo, surpreso com minha atitude.

- Watson, nosso encontro com Dudley esta noite deixou bem claro que sua vida está em perigo. A organização deu ordens para que você fosse morto. - repreendeu-me.

Holmes sempre me falava que a maioria dos crimes em Londres eram praticados por uma organização. Latrocínios, assassinatos, corrupções e toda sorte de atos ilícitos eram planejados pelo crime organizado, onde um líder dizia o que podia e o que não podia ser feito.

- Você tem inimigos perigosos e está sempre sob ameaça de morte, nem por isso deixa de sair ou de viver sua vida normalmente. - respondi-lhe bravo.

- Preciso lhe mostrar algo. Quando entrei naquele corredor ontem a noite, vi o velho, que havia nos aberto o portão, entregando uma mensagem para Dudley. Depois de lida, a mensagem foi deixada em cima da mesa da sala onde estavam. Dudley matou um rapaz que parecia ser indiano e quando ouviu a porta ranger...

- Você quer dizer, quando ouviu o doutor patético e inútil fazer a porta ranger... - resmunguei.

- O que há de errado com você? - Holmes estranhou meu mau humor – Quando a porta rangeu, Dudley saiu correndo da sala e o velho o seguiu. Eu estava escondido atrás de algumas caixas e aproveitei para entrar na sala e pegar a mensagem. O velho acabou retornando e, no escuro, sem saber que era eu, atiramos um no outro e eu o matei. Aqui está a mensagem.

Peguei o papel de sua mão e li em silêncio: “Dudley, não mande amadores fazer o seu trabalho. Mate pessoalmente o Doutor Watson. Não permito falhas, elimine o imigrante que fracassou na missão. P.M.”.

- Obrigado Holmes, agora que sei que Dudley foi o incumbido do meu assassinato, estou muito mais tranquilo. - devolvi a mensagem a ele, falando com ironia.

- Não brinque Watson. Veja a letra, é a mesma caligrafia do bilhete que você recebeu no dia do atentado, só que aqui está com garranchos, parece que foi escrito dentro de uma carruagem em movimento. - disse-me bravo.

- Estou farto! Eu sou um homem e sei me defender. Nunca fui patético, idiota ou inútil como pensam. Não sou uma mera sombra sua. – disse-lhe agressivamente, batendo a porta enquanto saia.

Chegando a rua, levei um susto ao ser puxado pelo braço ainda enfaixado.

- Doutor Watson, como vai? Estava indo ao seu apartamento para acertarmos o seu trabalho.

Era o editor de um jornal, para o qual eu já havia vendido matérias sobre Holmes.

- Que trabalho, Senhor Esmond? - perguntei recuperando-me do susto.

- Ora Doutor, a cidade toda já sabe que Senhor Holmes resolveu o crime da prostituta de luxo nesta madrugada. E é claro que o senhor estava junto e nos escreverá todos os detalhes. Os leitores querem saber como o seu amigo desvendou mais esteve mistério. É verdade que ele descobriu o assassino minutos depois que chegou ao local do crime naquele dia? É verdade que ontem ele armou uma armadilha para prender o assassino?

- Mais ou menos, Senhor Esmond. Sinto em não poder lhe atender agora, mas um dos meus pacientes precisa de meus serviços. - menti para me livrar do homem.

- Mas quando vai me entregar a matéria? - insistiu o editor.

- Não vou escrevê-la, Senhor Esmond. Ando muito ocupado como médico. Por que não entrevista o próprio Holmes e pergunta os detalhes a ele? - disse-lhe, já sem paciência.

- Doutor Watson, o senhor o conhece melhor que ninguém e sabe que ele jamais aceitou dar entrevista. - estranhou-me.

- Como disse, sinto muito, mas realmente ando muito ocupado. - despedi-me grosseiramente do editor.

- Doutor, lhe pago o que o senhor quiser, pago o dobro de qualquer outra oferta que tenha de outros jornais. Eu quero esta matéria. - implorou-me.

- Se eu mudar de ideia, prometo lhe procurar Senhor Esmond. Até logo. 

Sai correndo dando sinal para um cocheiro parar.

Antes de entrar no coche, olhei para a janela do meu apartamento e vi Holmes por trás da cortina com uma arma apontada para o Senhor Esmond. Pobre editor, não fazia ideia do risco que correu ao me puxar pelo braço.

Para nossa sorte, Holmes tinha o hábito de observar até ter certeza para agir, por isso não atirou antes de averiguar se o Senhor Esmond era ou não um perigo para mim.

“Ele realmente acha que sou um tolo e não sei me cuidar”, pensei enquanto o coche se dirigia a casa onde Mary trabalhava.

Capitulo 6 - O anel

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