Filme: Young Sherlock Holmes
Ano: 1985
Roteiro: Chris Columbus e Arthur Conan Doyle (personagens)
Direção: Barry Levinson
Produção: Steven Spielberg, Marck Johnson e Henry Winkler


domingo, 7 de abril de 2013

Capitulo 18 - O ataque

No nosso apartamento, encontramos Ivy sentada na sala folheando um livro. Ela havia novamente convencido a Senhora Hudson de que se comportaria sozinha.
A menina colocou a língua para fora, com cara de nojo, assim que entramos.
- Tem um gambá aí? – perguntou atrevida.
Holmes a olhou desconfiado enquanto lhe entregou o gato. Os olhos da menina brilharam quando viram Mingau.
Tomei um banho rápido antes de Holmes, já que ele demoraria horas.
A menina já estava dormindo quando nos encontramos na sala.
- A “cereja do bolo” está aprontando Watson. Ela está tentando conquistar a confiança de todos para conseguir fugir. Já está conseguindo convencer a Senhora Hudson a deixá-la sozinha. – observou ele.
- Você tem que concordar que ela está se comportando direito; acho que ela merece um voto de confiança. – defendi Ivy.
- Muito bem. Então tranque a porta do quarto dela e se apronte que vamos sair. – convidou-me.
- Aonde vamos? Já são quase meia-noite. – estranhei.
- Você verá. – foi só o que me respondeu.
Ele me esperou sentando no sofá, fumando seu cachimbo, enquanto fui me vestir adequadamente.
Ao retornar à sala para sairmos, ouvimos o ruído de tiros disparados na rua.
A janela do nosso apartamento se estilhaçou e os cacos voaram por toda parte, quando a criatura do clube entrou por ela.
Holmes foi rápido e conseguiu chegar até o pequeno bar que tínhamos no canto da sala, de onde pegou uma garrafa de uísque, quebrou o seu fundo e usou o casco para se defender.
Enquanto o lobo gigante avançava feroz sobre Holmes, corri para a escrivaninha e peguei a arma que estava na gaveta. Eu sabia que não adiantaria nada, mas foi força do hábito.
Dei um tiro nas costas da criatura que se virou ameaçadora em minha direção. Continuei a atirar e as balas pareciam que se prendiam em seu couro.
Holmes pulou sobre o bicho, tentando o enforcar com o braço e a criatura rolou com ele pelo chão, bagunçando toda a sala.
Ivy apareceu para ver o que era aquele barulho e eu gritei para que ela corresse para dentro.
A criatura conseguiu atirar Holmes sobre o bar e meu amigo ficou acuado no chão. Quando o bicho avançou em cima para matá-lo, Mingau, que estava com Ivy, surgiu correndo e pulou sobre a criatura, enfiando-lhe as unhas e os dentes.
O gato parecia um cão feroz defendendo o dono e miando bravo.
A criatura pareceu não sentir dor com as arranhadas, mas ficou furiosa com o gato, tentando arrancá-lo de sua cabeça.
Mingau pulou pela janela quebrada, escalando parede abaixo, levando a criatura a segui-lo. O homem lobo, em um só pulo, chegou à rua e disparou atrás do gato.
Holmes também pulou pela janela, mesmo estando no segundo andar, rolando no chão da rua.
Eu corri para escada, onde encontrei Senhora Hudson assustada com o barulho. Pedi para que ela tomasse conta da menina quando passei rapidamente por ela.
Corri o mais rápido que pude, mas o gato, a criatura e Holmes estavam em uma velocidade absurda.
De muito longe, consegui ver meu amigo correndo em direção ao cemitério.
Quando consegui entrar no local, quase morrendo sem ar, encontrei Holmes parado com as mãos na cintura, olhando para o chão, como se estivesse tentando ouvir alguma coisa. Havia um estranho silêncio ali, quebrado pela minha respiração ofegante.
- Vi a criatura entrando aqui, mas não consegui achá-la quando cheguei. – disse-me meu amigo.
Eu não consegui dizer nada, mal conseguia respirar.
Ouvimos um rugido ameaçador vindo do escuro; não demorou em surgir novamente o lobo, vindo engatinhando em direção a Holmes, com os olhos vermelhos assustadoramente raivosos e a boca toda ensanguentada.
Aquele sangue escorrendo por entre os dentes só poderia significar que a criatura havia comido o gato.
Não adiantaria correr; meu amigo se preparou para o bote, como se fosse lutar boxe com o bicho. 
Quando a criatura pulou, uma névoa branca em forma de mulher surgiu à frente de Holmes. No primeiro momento, o bicho recuou de susto, depois atacou a névoa.
No mesmo instante, Holmes gritou para que eu corresse e saímos em disparada para lados opostos.
Com o desaparecimento da névoa, a criatura seguiu em direção de meu amigo.
Retornei a segui-los e, enquanto corria entre os túmulos, procurava algo que pudesse usar como arma.
- Senhor, aqui!
Ouvi uma voz na escuridão e, sem parar de correr, olhei ao redor, mas não vi ninguém.
- Aqui em cima!
Era a voz de um homem, mas eu procurava ao redor e não havia nada ali. A voz parecia um pouco distante.
- Olhe para cima, Senhor!
Olhei para o céu escuro e havia bem lá no alto, quase na direção de minha cabeça, uma enorme lona flutuando com um cesto pendurado nela, de onde um jovem gritava para mim. Eu já havia visto aquilo em uma pintura de um jornal.
A lona estava descendo próxima a mim.
- Venha! – gritou-me o homem.
No impulso, fui em direção ao estranho e entrei em seu cesto. A lona voltou a subir.
- Preciso salvar meu amigo. – disse-lhe, olhando desesperado para baixo a procura de Holmes.
A lona subiu a uma boa distância que me proporcionou um grande campo de visão. O estranho mexia em um aparelho que não consegui identificar o que era, mas no qual havia fogo, enquanto a lona flutuava lentamente.
Consegui avistar Holmes, que já havia ultrapassado os limites do cemitério e seguia para o alto do morro localizado atrás. Ele corria por entre as árvores com uma lança de grade de túmulo na mão, enquanto o lobo estava em seu encalço.
Percebi que ele estava levando a criatura para o alto, onde havia um penhasco e pressenti sua intenção; ele pretendia se jogar com a criatura lá de cima.
Eu não estava disposto a ver aquela cena novamente.
- Por favor Senhor, preciso salvar meu amigo. – implorei a ajuda do estranho.
- O balão é controlado pelo vento. Não tenho como levá-lo até ele. – esclareceu-me, também nervoso sem saber o que fazer.
A noite tinha um leve vento gelado, que fazia o balão flutuar vagarosamente.
Meu desejo de ir ao encontro de meu amigo era tanto que o balão parecia estar flutuando mais rápido, sobrevoando acima dele.
O estranho fez novamente a lona descer no pico do morro, ao lado do desfiladeiro, para onde meu amigo estava correndo. Ele ainda não havia chego e o balão foi se afastando do chão firme, flutuando no ar a uma certa distância do pico.
- Você tem que voltar! – gritei para o estranho.
- Não consigo, o vento está nos levando. – apavorou-se ele.
Meu amigo surgiu no pico e muito rapidamente, se jogou no chão de costas. A criatura pulou sobre Holmes que usou o seu corpo e a lança para fazer uma alavanca, empurrando o lobo com os pés. A criatura voou e caiu no desfiladeiro, rolando pela elevação. 
Com as garras, o bicho conseguiu se prender nas pedras, e voltou a subir o morro, escalando-o.
O balão já havia se afastado alguns metros ao lado do pico e o estranho jogou uma corda para fora do cesto.
- Você vai ter que pular. – gritou para Holmes.
Meu amigo viu que a criatura já estava quase no topo. Para tomar impulso, voltou para trás tomando distância, correu rapidamente e saltou. Fechei meus olhos e meu coração parou.
Senti um balanço forte no cesto e só então abri os olhos para ver Holmes agarrado à corda.
O estranho fez novamente o balão subir quando a criatura chegou ao pico, de onde uivou para a lua cheia.
Holmes subiu pela corda e eu e o estranho o ajudamos a entrar no cesto.
- Salvou minha vida! – agradeceu meu amigo ao jovem.
- Foi um prazer ajudar. – estendeu a mão o estranho.
- Meu nome é Holmes. – cumprimentou meu amigo, apertando sua mão.
- Podem me chamar por Alberto. – apresentou-se o estranho.
- É um prazer conhecê-lo Senhor Alberto, eu sou Watson. Nem sei como lhe agradecer! – também apertei a mão do homem que nos ajudou.
Só então reparei no jovem pequeno e franzino, que aparentava ter seus vinte anos, usando um chapéu desabado.
- O que é aquilo? – perguntou-nos apontando para a criatura que uivava abaixo de nós.
- Ainda não sabemos ao certo. E isso é um balão? Já tinha ouvido falar, mas é a primeira vez que vejo um. – disse meu amigo, observando a gigantesca lona que nos levava a voar.
- É um balão. Conheci há pouco tempo e se tornou uma paixão em minha vida. Desde então, estou sempre voando. Aqui em Londres é primeira vez que voo. Eu moro em Paris e estou aqui em visita – contou-nos Alberto.
- Mora em Paris, mas não é francês. Digo isso pelo seu sotaque diferente. De onde veio? – perguntou meu amigo.
- Sou brasileiro. – esclareceu.
- Foi muita sorte encontrá-lo. Não sei o que nos teria acontecido se não fosse a sua ajuda. – agradeci-lhe de novo.
- Foi muita coragem de vocês enfrentarem aquilo. – continuou observando o bicho lá embaixo.
O balão fez um contorno no desfiladeiro e estava novamente flutuando bem devagar sobre o morro. De onde estávamos, foi possível vigiar tranquilamente a criatura, que parecia não perceber nossa presença no alto.
- As coisas são belas quando vistas de cima. – suspirou o jovem.
Realmente era uma vista deslumbrante.
- Agora a pouco aconteceu algo que me surpreendeu neste voo. Balões não são máquinas mecânicas passíveis de serem controladas, mas o vento parecia estar colaborando para o resgate de vocês! Primeiro nos levou para o leste e agora, subitamente mudou para o oeste. Sem falar que, quando vimos o senhor ser perseguido por aquele animal, o balão voou mais rápido e nem havia vento para isso. – refletiu o brasileiro.
- Não me surpreende. Estávamos em um cemitério fugindo de uma criatura que não sabemos o que é e até apareceu um fantasma! Ser salvo por um jovem em seu balão que contrariou até a velocidade e a direção do vento, me parece ser aceitável. Sem falar no meu gato, que também me salvou a vida. – pensou alto meu amigo.
O jovem fez cara de quem não entendeu algumas partes.
- Aquele sangue na boca da criatura quando nos atacou no cemitério... pobre Mingau! – suspirei com pena do gato.
Após alguns minutos em silêncio e demonstrei meu encantamento pelo balão.
- É uma engenhoca incrível esta.
- O balão parece estar parado no ar enquanto a terra voa lá embaixo. Imaginem se fosse possível controlar uma máquina voadora mecanicamente! – disse o jovem com o olhar brilhando.
Eu e Holmes nos olhamos e sorrimos, lembrando-nos da nossa época de escola, onde voamos em uma máquina.
- Acham isso impossível! – observou Alberto, pensando que o nosso sorriso fosse de incredulidade.
- Pelo contrário, meu caro, é perfeitamente possível. Meu mentor tinha este sonho, de criar uma máquina voadora. Passou boa parte de sua vida tentando construir uma. – contou Holmes.
- Este é o meu sonho também. E o que aconteceu? – interessou-se o jovem.
- Ele foi assassinato antes que conseguisse concluir o invento. – informou meu amigo.
- E a máquina que ele estava construindo? O que foi feito dela? – perguntou-nos.
Resolvi contar-lhe parte da história.
- O professor tentou voar várias vezes, mas sempre caia. Depois de sua morte, Holmes descobriu o motivo e resolveu o problema. Nós voamos na máquina e aterrissamos sobre um lago congelado. O gelo se partiu e a máquina afundou. Boa parte de sua estrutura foi danificada e o material que a revestia foi todo perdido. – contei-lhe.
- Incrível! Você não quis construir outra máquina? – indagou a Holmes.
- Não conseguiria. Foi o meu mentor quem a construiu e eu não sei como. Apenas fiz uns ajustes nela pronta. – explicou meu amigo.
- Mas vocês voaram! Desde criança eu digo que o homem há de voar! Como a máquina de vocês alçou voo? – continuou interessado.
- Foi lançada. – esclareceu meu amigo.
- Lançada. Eu já havia pensado nisso, mas tenho por mim que a máquina, para ser totalmente controlável, deve alçar voo por si mesma, sem o auxilio de nada externo. – comentou.
- Voar sem ser lançada? – surpreendeu-me a ideia.
- E por que não? Eu acredito que inventar é imaginar o que ninguém pensou, é acreditar no que ninguém jurou, é arriscar o que ninguém ousou, é realizar o que ninguém tentou. Inventar é transcender. – disse-me o jovem, com o olhar de um visionário.
- E você tem o que é preciso para conseguir! Eu vejo em você a inteligência, a coragem e a vontade necessária para construir a máquina e fazê-la voar, na frente de muitas pessoas que nem sonham com esta possibilidade. Porque não segue em frente? – incentivou Holmes.
- Eu tenho muito mais que vontade. As invenções são, sobretudo, o resultado de um trabalho teimoso! E teimosia é o que não me falta. Um dia vocês ainda vão ouvir que um brasileiro conseguiu navegar pelo ar. – sorriu ele.
- Tenho certeza que sim! – concordou meu amigo.
Olhei para o jovem com admiração; ele realmente tinha algo de especial. Pela paixão que demonstrava quando falava em voar, ele tinha nascido para as alturas.
Os raios de sol surgiram muito tímidos na escuridão, mas foi o suficiente para observamos algo de estranho acontecendo com a criatura.
A cabeça de lobo foi se modificando e dando lugar a uma grande cabeça cinza, com grande olhos vermelhos, que lembraram-me os olhos que vi pela janela do apartamento.
Os pêlos e as garras também desapareceram, surgindo um corpo muito magro e esguio, de pele grosseira; realmente parecia um homem réptil. A criatura, que já havia voltado para o cemitério, desapareceu ao lado de uma sepultura.
Alberto desceu o balão para que pudéssemos olhar de perto, a pedido de Holmes.
- Obrigado por tudo. – disse-lhe meu amigo.
- Foi um prazer conhecê-los. Tem certeza de que não estão correndo perigo? E se aquela coisa resolver voltar? – indagou o jovem temeroso.
- Pelo o que nos foi dito, aquela criatura só sai à noite. Vamos confiar nisso. – sorriu Holmes.
- Espero encontra-lo novamente Alberto. – despedi-me do jovem.
- Tenho certeza de que ainda vamos nos ver Doutor. – respondeu-me gentil.
O balão voltou a subir levando para as alturas o brasileiro.
- É preciso muito coragem para estar lá em cima. Se acontecer algo ao balão, a queda é morte na certa. – observei enquanto o balão se afastava.
- Também é preciso coragem para salvar dois desconhecidos de uma criatura estranha. Apesar de pequeno, é um grande homem o nosso novo amigo. – concordou Holmes.
Fomos até a sepultura, onde a criatura desapareceu e, analisando o local, descobrimos uma entrada ali, coberta por um arbusto. Estava muito escuro dentro, mas tudo indicava ser um corredor subterrâneo.
Meu amigo entrou por alguns minutos, mas logo voltou.
- Está completamente escuro lá dentro, preciso voltar com uma lanterna. – contou-me.
Ao caminharmos em direção ao portão do cemitério, ouvimos um miado conhecido. Mingau vinha logo atrás de nós.
- Não acredito! – admirei.
- Mas que gato danado você é! – sorriu Holmes.
Carreguei Mingau no colo e não havia ferimento algum nele.
- Se aquele sangue na boca da criatura não era do Mingau... – meu amigo estava refletindo.
Holmes saiu correndo pelo cemitério na direção da onde a criatura havia aparecido à noite e, mais um pouco a frente, sua suspeita foi confirmada. Encontramos o corpo do coveiro, todo destruído pela fera.
Voltamos para Baker Street, onde dezenas de policiais estavam reunidos em frente ao nosso prédio.
- Senhor Holmes! Eu atirei no bicho assim que eu o vi, mas ele entrou pela janela. Sai correndo para buscar reforços e quando retornei, os senhores já não estavam mais aqui. – disse-nos o policial que fazia a vigia em frente ao nosso apartamento durante a noite.
- Onde vocês estavam? Procuramos vocês por toda a cidade! – chegou Lestrade.
- Estávamos no cemitério e a propósito, a criatura matou o coveiro. É preciso que mande alguém recolher o corpo, ou o que sobrou dele. – avisou meu amigo.
- E o que aconteceu? – perguntou o inspetor assustado.
- Ela fugiu. – limitou-se a contar Holmes.
- Os homens que foram caçá-la na floresta não acharam nada. Para onde ela fugiu? – perguntou-nos.
- Para a floresta. – mentiu meu amigo.
Eu entendi que ele não queria informar a policia sobre a passagem subterrânea que havíamos encontrado porque iria investigá-la antes.
Subi para o apartamento da Senhora Hudson e encontrei Ivy lá. A senhora estava muito assustada, mas a menina parecia não ter se importado com o ataque que sofremos à noite, e ficou contente quando me viu trazendo o gato de volta.
Holmes já havia conseguido dispensar os policiais e estava arrumando a sala do nosso apartamento.
- Vou até a vidraçaria solicitar que venham consertar a janela. – avisou-me saindo.
Não gostei do jeito dele, muito pensativo e sério. Eu já o conhecida o suficiente para saber que ele não estava se importando com a janela quebrada; ele estava planejando alguma coisa.
Senhora Evelyn chegou logo após a saída de meu amigo e eu a ajudei a arrumar a bagunça enquanto a menina lhe contava a estranha história ocorrida à noite.
Passou-se uma hora e eu já estava desconfiado de que Holmes havia voltado sozinho a cemitério, quando sua carruagem parou em frente ao nosso prédio. Meu amigo subiu ao apartamento acompanhado pelo Professor Finney e pude ouvir a conversa dos dois quando entraram.
- Por que precisamos de novelos de lã? – indagou meu amigo.
- Você não disse que encontrou um labirinto? - disse o pequeno homem.
- Quando entrei no túmulo, mesmo estando muito escuro, andei alguns metros e encontrei duas passagens que levam a caminhos diferentes. Tenho o pressentimento de haver diversas passagens lá embaixo. - esclareceu Holmes.
 - Por isso vamos precisar de lã, como na história de Teseu no labirinto do Minotauro. – explicou senhor Finney.
- Mas na mitologia, Teseu sabia como matar o Minotauro, e nós ainda não sabemos como matar aquela coisa. – intrometi-me na conversa nos dois.
- Como vai Doutor? O Senhor Holmes me contou sobre a noite que tiveram. Até onde sei, seres intra terrenos morrem como qualquer ser humano. – comparou Senhor Finney.
- Mas eu atirei na criatura na primeira vez que a encontramos e também ontem à noite, e nada lhe aconteceu. – confrontei.
- O Senhor atirou em uma mutação. O Senhor Holmes me contou que vocês viram a fera se transformar ao amanhecer. Parece-me que a mutação genética a tornou imortal, mas quando volta a ser um ser da escuridão, é bem provável que também volte a ser vulnerável. – especulou o pequeno.
Holmes estava muito reflexivo.
- Aquela coisa não é um lobo ou outro animal. Ela pensa! Lembra-se Watson, quando vimos uma coisa estranha passar correndo por nós? E os olhos vermelhos na esquina? Ele nos marcou para se vingar, nos seguiu e encontrou onde morávamos. – comentou.
- Seres intra terrenos são seres humanos que vivem no interior da terra. É natural que pensem e tenham sentimentos humanos primitivos, como o de vingança. – insistiu Senhor Finney.
- Seja lá o que for, foi à última vez que veio a superfície. Aquele túnel subterrâneo terá que ser explodido para fechar a passagem. – decidiu meu amigo.
- Mas Holmes, é um ser que precisa ser estudado! – não concordei.
Professor Finney suspirou desanimado.
- Doutor, pode acreditar quando falo que se passarão séculos e o nosso mundo não estará preparado para conhecer e estudar esses seres. Na minha procura por criaturas desconhecidas, me deparei com a ganância humana que não se importa com nenhum risco ou perigo para transformar estudos sérios em dinheiro e poder. – justificou-se.
- E você explodirá a passagem Watson! – revelou-me Holmes.
- Eu? – assustei-me.
Meu amigo me entregou um mochila com dinamites dentro.
- Sim. Eu o professor estamos indo agora para o cemitério. Nós vamos entrar para investigar o túnel. Você irá para lá à tarde, um pouco antes de escurecer e, mesmo que não tenhamos voltado, terá explodir a passagem para fechá-la. Estas dinamites são pequenas, o suficiente para desabar um pequeno espaço; não pretendemos destruir o cemitério inteiro. – ordenou-me.
- Mas eu quero ir com vocês! – reclamei.
- Não pode. – disse-me calmamente Holmes.
- Por quê? – fiquei bravo.
- Porque não sabemos o que vamos encontrar lá dentro. Segundo o Senhor Finney, pode ser que haja uma civilização daquelas criaturas cinzas lá embaixo e, se nos pegarem, talvez não haja volta. Apenas um de nós de dois pode entrar naquele túmulo, porque se os dois entrarem, não ficará ninguém para desmascarar a falsa Senhorita Riley e para contar a policia sobre nossas suspeitas em relação aos sócios. – esclareceu meu amigo.
- Então você fica e eu vou! Você é muito mais importante para desvendar esses casos. – contestei.
- Ivy não ficará segura comigo, meu caro, já lhe dei prova disso. – sorriu ele.
E mais uma vez ele conseguiu arrumar um argumento contra o qual eu não poderia fazer nada; tive que me calar contrariado.
- E tem mais, Doutor. É óbvio que você vai pensar em não explodir a passagem enquanto eu não retornar. Espero que quando chegar a hora, você pense melhor na sua responsabilidade. A criatura matou um homem e feriu meu irmão na primeira vez que apareceu. Ontem ela matou o coveiro e só não nos matou porque tivemos ajuda do céu. Se a passagem não for fechada, outras pessoas irão morrer. – disse-me Holmes, muito sério.
Fiquei sem saber o que lhe responder. Entendi a minha responsabilidade em evitar outros ataques e mortes, mas fechar o túnel sem saber o que aconteceu com meu melhor amigo lá dentro era uma decisão que eu não poderia tomar.
- Como pode me pedir uma coisa dessas? – fiquei indignado.
- Não pense Doutor, apenas faça o que tem que ser feito. – aconselhou-me Professor Finney.
Holmes pareceu entender o quanto aquilo me custaria.
- Sinto muito Watson. – foi só o que conseguiu me responder.
Em outra mochila, Holmes colocou velas e duas lanternas. Pegou duas armas de sua estante e deu outras duas, de menor tamanho, ao pequeno senhor.
- Vamos, cada segundo é precioso. E ainda teremos que passar em uma loja de senhoras para comprarmos novelos de lã. – apressou Senhor Finney.
- Não espere anoitecer para explodir o túnel. – recomendou-me Holmes saindo.
Sentei-me desconsolado por não poder acompanhá-lo em mais uma de suas aventuras perigosas, por temer que ele não voltasse e por ter que explodir a passagem que impediria sua volta, caso ele só precisasse de mais tempo. Eu teria um dia difícil pela frente.
Havia horas que eu criava coragem e decidia que ia fazer a explosão. Daí a pouco eu dizia a mim mesmo que seria impossível deixar Holmes preso naquele túnel.
Convidei Ivy para conhecer meu consultório, já que havia um bom tempo em que eu não ia lá. Tentei ocupar a minha cabeça para evitar a tensão.
Durante todo dia, olhei milhares de vezes para o meu relógio de bolso, imaginando o que estaria acontecendo a Holmes na sua expedição intra terrena.
Chegada a hora de ir ao cemitério, tomei a decisão de não explodir o túnel enquanto meu amigo não aparecesse e fui até a cozinha, onde peguei uma enorme faca de desossar carne. Também pequei um florete que Holmes tinha em seu quarto.
Eu passaria a noite ao lado daquela passagem e se alguma criatura cinza, com ou sem cara de lobo, ousasse a sair, eu usaria as armas brancas contra ela. Também coloquei meu revolver carregado em meu casaco, por hábito.
Deixei Ivy com a Senhora Hudson e segui em um coche de aluguel para a minha missão, levando comigo a mochila com as dinamites e uma lanterna a vela.
Chegando ao local, vi a carruagem de Holmes parada quase que na porta do cemitério. Os cavalos, que não estavam atrelados a carruagem, descansavam amarrados a longas cordas. Entre eles, um grande balde de água e fardos de feno.
Anoiteceu e nada do Senhor Finney e de Holmes aparecerem. Sentei-me sozinho ao lado do túmulo, e nem com a companhia do coveiro eu poderia contar, já que o pobre havia sido assassinato na noite anterior.
Passaram horas; vi em meu relógio de bolso que já era quase meia noite. Acendi a lanterna e observei o arbusto que cobria a passagem; havia um fio de lã amarrado em um dos galhos. 
A curiosidade em ver o tal túnel foi muito forte e eu não resisti. Apanhei o florete e a lanterna e entrei. Estava muito escuro. 
Fui seguindo a linha do novelo, na esperança de encontrar meu amigo vivo na outra ponta. 
Mesmo na penumbra, pude notar que os túneis eram muito bem elaborados, não eram simples cavernas corroídas pela natureza. Haveria vida inteligente ali?

Já havia andando muitos metros quando ouvi soluços e passinhos leves e rápidos se aproximando. Escondi-me para observar.
O Professor Finney passou ligeirinho, deslizando a linha de lã pelas mãos.
- Professor! - chamei-o, correndo atrás dele.
- Doutor, o que faz aqui? - parou, ofegante e assustado.
- Onde está Holmes?
- Estávamos retornando, quando fomos encontrados por um reptiliano. Seu amigo entrou em luta com ele e mandou que eu corresse. - contou-me, abaixando-se para respirar.
Um uivo horroroso ecoou pelo túnel.
- É meia-noite! A criatura está se transformando. - apavorou-se o professor.
Corri túnel adentro, seguindo a linha de lã. Precisava encontrar Holmes.
Do nada, os olhos vermelhos gigantesco que eu já sabia o que era, surgiram em minha frente, me fazendo ir ao chão de susto.
Empunhei o florete contra a criatura, quando a mesma parou a pouco menos de dois metros, esguia e agachada nas quatro patas. Parecia um animal espreitando a caça.
Enquanto rosnava assustadoramente, o bicho foi me mostrando seu dentes imensos, vindo vagarosamente em minha direção. Só pude pensar na morte.
 Disparos de tiros vieram da escuridão, em direção a criatura. Pude ver Holmes, quando o mesmo ficou próximo à lanterna de vela que eu havia deixado cair.
Ele havia tirado o seu longo casaco e o enrolado em seu braço.
O homem lobo foi para cima dele, com um pulo, mordendo-lhe o braço enfaixado. 
Com a arma, meu amigo passou a desferir golpes na cabeça do bicho, que finalmente caiu ao chão, parecendo estar atordoado.
Levantei-me depressa e me pus a correr ao lado de Holmes. O bicho se recuperou e nos seguiu em uma velocidade de assustar, rosnando.
Na correria, eu e meu amigo perdemos a pista do fio de lã. Fomos entrando pelas galerias do labirinto, tentando nos esconder da criatura.
Holmes desenrolou o casaco todo rasgado de seu braço, e retirou dele a outra arma que havia levado. Puder ver que meu amigo não havia sido machucado pelo ataque da criatura.
O homem lobo nos alcançou, e Holmes se jogou à minha frente, atirando na criatura que foi para cima dele.
Cai atordoado, não tinha mais forças para fugir.
Um silêncio estranho se fez no labirinto.
Holmes jogou para o lado, a criatura que estava em cima de seu corpo, e se sentou.
Também me sentei, não acreditando no que via. O bicho estava morto.
Olhei para Holmes sem entender o que havia acontecido, enquanto ele parecia observar calmamente a criatura, em seu detalhes.
- Como você o matou? - quebrei o silêncio.
- Eu apenas atirei nele. - respondeu-me.
- Mas nós já havíamos atirado tantas vezes, e ele parecia nem sentir. - disse-lhe perplexo.
Meu amigo observou o revólver que estava em sua mão.
- Esta arma não é como as outras, foi um presente da rainha. Ela é banhada a ouro e suas balas são de prata.
Fiquei alguns minutos em silêncio, ainda atordoado.
- Santo Deus, Holmes, você tem muita sorte. - suspirei enfim, não acreditando ainda estarmos vivos.
- Vamos Watson, precisamos encontrar a saída. - disse ele, parecendo já estar recuperado.
Levantei-me e olhei pela última vez para a criatura. Parecia aterrorizante, mesma morta. Recolhi o casaco que Holmes havia jogado no chão; não me pareceu certo deixá-lo ali.
Segui meu amigo em silêncio. Mesmo sem a lã para nos guiar, eu confiava na astúcia dele para encontrarmos o caminho.
Holmes, mesmo no escuro, observou o chão de terra atentamente. Nossas pegadas eram as suas pistas. 
Não demorou para que meu amigo localizasse a minha lanterna ainda acessa, na galeria onde a fera havia me derrubado. Ali foi fácil encontrarmos o fio de lã que me levou até lá.
Nos aproximamos silenciosamente, quando avistamos o professor Finney tentando subir, sem sucesso, pela passagem que levava ao cemitério.
Holmes, de surpresa, rosnou imitando a criatura. O pobre professor, gritou e pulou como uma senhorita em pânico.
Diante da cena, eu e meu amigo caímos na gargalhada.
- Isso não teve graça. - criticou o pequeno, se recompondo ao nos ver.
- É claro que teve. - retrucou meu amigo.
- Eu estava crente que vocês dois já estavam mortos... - começou a desabar o professor.
Não houve tempo para que o Senhor Finney falasse muito. 
- Lá vai um cripto! - gritou Holmes, pegando o pequeno senhor e o atirando para fora da passagem, como se fosse um boneco de brinquedo.  
Eu ri como um menino. Nem parecia que eu havia acabado de passar pelo terror de quase ser morto por uma criatura monstruosa.
- Você é inacreditável, Holmes. - elogiei meu amigo, enquanto sai para fora do labirinto.
- Ganhei a aposta! – disse ele, logo atrás.
- Que decepção, Doutor. Confiei e apostei que o senhor explodiria o túnel. – reclamou Senhor Finney.
- E se eu tivesse explodido, por onde os cavalheiros estariam saindo agora? – ralhei com os dois.
- Por qualquer uma das outras passagens que existem lá embaixo. Há dezenas delas. – contou-me Holmes.
- Mas nas outras, teríamos que andar muito e talvez até saíssemos em outro país. Quem bom que nos esperou! – sorriu grato o pequeno senhor.
- Vamos cuidar para que, por esta passagem, não saia mais nada. Trouxe as dinamites? – pediu-me Holmes.
Entreguei-lhe a mochila. 
- E o homem lobo? O que aconteceu? - perguntou o professor.
- Está morto. - respondeu meu amigo, enquanto acendia duas dinamites.
Senhor Finney e eu corremos para trás de outro túmulo. Meu amigo atirou as dinamites pelo buraco e também correu.
A explosão provocou um pequeno desabamento no local e alguns túmulos foram destruídos.
- Morto? Vocês conseguiram matar o homem lobo? Como? - continuou o professor, intrigado.
- Holmes o matou com balas de prata. - respondi com simplicidade, como se o fato fosse a coisa mais natural do mundo, e não um golpe extraordinário de sorte.
Voltamos para a carruagem, onde Holmes atrelou os cavalos e assumiu como condutor. Eu e o Senhor Finney nos sentamos na cabine, para conversarmos.
- Então, o que viram lá embaixo? – perguntei curioso.
- Havia uma civilização gigantesca Doutor! Uma cidade imensa com apartamentos e veículos que não precisam de animais. E havia luz, diferente da nossa, mas havia. Vimos milhares de reptilianos. Ficamos todo tempo escondidos, os observando, e percebemos que eles se comunicam de uma forma mental. – contou-me empolgado Senhor Finney.
Também contei ao professor como Holmes conseguiu matar a criatura, usando seu revólver com balas de prata.
Quando o deixamos em sua casa, Senhor Finney não sabia como agradecer a aventura.
- Senhor Holmes, o que vivi neste dia valeu por toda minha vida. Foi inacreditável e fascinante. Não tenho como lhe agradecer por ter me proporcionado esta experiência magnifica! – reconheceu o pequeno.
- Foi um prazer ter a sua companhia, Senhor Finney. – respondeu-lhe gentilmente meu amigo.
Após nos despedirmos, subi para frente da carruagem onde estava Holmes e seguimos para o nosso apartamento.
- Que loucura vivemos esta noite! – comecei a conversa.
- Senhor Finney tem razão quando diz que nem nos próximos séculos, a humanidade estará preparada para descobrir o que há no subterrâneo do planeta. – comentou.
- E ele lhe ficou tão grato, que até se esqueceu do susto que você lhe deu e ter sido arremessado de um túmulo! – brinquei.
Rimos novamente, nos lembrando da cena.
Ao virarmos a rua do nosso prédio, Lestrade veio correndo ao nosso encontro.
- Quem bom encontrá-los aqui. Já estava subindo para o apartamento de vocês. Sigam para a casa do Juiz Ashcroft. – ordenou o inspetor.
- É madrugada. O que aconteceu? – indaguei.
- Ele acaba de ser assassinado! Um empregado foi me chamar. – contou-nos Lestrade.
- Problema dele! - não se importou meu amigo.
- Qual é Holmes? O assassino ainda pode estar lá e a vitima era um juiz! Esse caso precisa ser resolvido como a máxima urgência. – implorou.
- Está bem, suba. – consentiu Holmes.
- Vão vocês na frente. Vou à sede da policia chamar outros policiais. – avisou-nos.
- Ainda nem pegamos o assassino dos "sem cabeças" e já vamos nos meter em outro crime? – desanimei.
Meu amigo apenas suspirou concordando e chateado.
Holmes não estava devidamente trajado, usando apenas um colete por cima da camisa. Seu casaco todo rasgado estava na cabine da carruagem. Não era do seu feitio se apresentar assim, mas não houve tempo para fosse ao apartamento se vestir.
A casa do juiz, que era um conhecido nosso, ficava próxima à praça Trafalgar Square.
Fomos recebidos pelo mordomo, ao qual nos apresentamos.
- Entrem, fui eu quem chamou o inspetor.
- Como descobriu o crime? – perguntou meu amigo.
- A Senhora Ashcroft o encontrou morto e saiu gritando pela casa. – relatou-nos.
- A que horas foi isso? – continuou Holmes.
- Há quase uma hora. Fui imediatamente a casa do inspetor e ele me mandou retornar e esperar aqui. – contou-nos.
Passamos pela sala de visitas, onde uma senhora chorava muito. Percebi que meu amigo a observou atentamente.
O mordomo nos levou ao segundo andar da casa, onde ficava o quarto do juiz. A vítima estava em trajes de dormir, deitado do lado direito da cama todo ensanguentado, com uma faca cravada no centro do peito.
- A esposa dele viu quem fez isto? – indagou meu amigo.
- A senhora se levantou e foi ao meu quarto me pedir que eu providenciasse mais água para seu jarro. Quanto retornou, já encontrou o Senhor assim e saiu gritando. Corri para cá e vi que a janela estava aberta; quem fez isso fugiu por ali. Graças a Deus, a Senhora não estava aqui, senão ela também estaria morta. – disse-nos.
- Quanta sorte! – observou Holmes com certa ironia.
Meu amigo foi até a janela e a analisou atentamente.
- Você disse que o assassino fugiu pela janela, mas por onde ele entrou? Descer por aqui é fácil, mas não tem como subir. – constatou.
- Pela porta da cozinha, eu a encontrei aberta depois do crime. – respondeu o rapaz trêmulo.
- Vamos ver essa porta. - pediu Holmes.
Seguimos o mordomo até os fundos da casa.
- Esta porta estava aberta. - mostrou-nos.
Meu amigo nem precisou de sua lupa para analisar a porta.
- Não há sinal algum de arrombamento. Ou o assassino tem a chave, ou ele nem precisou abrir esta porta. Quem mora nesta casa?
O mordomo pareceu-me muito nervoso. Olhamos pare ele desconfiados.
- Somente o Senhor Juiz e a sua senhora, e eu, que durmo no quarto de criado. O Senhor está me acusando? - assustou-se o rapaz.
Holmes saiu correndo em direção à sala, sendo seguido por mim e pelo mordomo.
      A esposa parecia estar amedrontada.
Holmes se aproximou dela e segurou sua mão, como se fosse beijá-la, mas em um impulso muito rápido, puxou a mão e rasgou-lhe a manga do vestido.
O braço dela estava todo ferido, com marcas que pareciam grandes arranhões.
- Vocês dois são muito amadores. A senhora usou muito pó para esconder seu olho roxo, com certeza de um soco que levou. Reparei também que havia uma pequena marca avermelhada no seu pulso, e agora posso ver do que se trata. A senhora foi espancada com uma cinta! Seu marido lhe bateu, por isso foi morto. Mas qual de vocês dois o matou? – olhou Holmes para a Senhora e para o mordomo.
Os dois se olharam sem saber o que fazer.
- Ele me batia muito Senhor! – chorou a viúva.
- Seu mordomo nos contou que a senhora estava dormindo, se levantou e quando voltou já encontrou seu marido morto, o que é uma grande mentira. Seu lado na cama está arrumado, portanto a senhora não esteve deitada ali. Se ele mentiu, ou está lhe protegendo ou foi ele o assassino. – prosseguiu Holmes.
- Fui eu senhor. – confessou o mordomo.
Holmes nem se importou com a confissão e continuou pensando, andando de um lado para outro.
- O juiz lhe batia, então, para por fim às agressões, vocês esperaram que ele dormisse e um dos dois enfiou-lhe a faca no peito, com muita raiva por sinal, afinal entrou metade da lâmina.
- Já lhe disse que fui senhor. – confessou novamente o homem.
- Se foi você, então me mostre à roupa que estava usando quando o matou. – pediu meu amigo.
- Eu estava usando esta mesma roupa. – respondeu sem entender.
- Há respingos de sangue por toda a cama, portanto, também tem que haver respingos de sangue na roupa de quem o matou. Aonde uma mulher tola esconderia um vestido sujo de sangue? – disse Holmes com os olhos brilhando para a viúva.
Meu amigo novamente saiu correndo em direção ao quarto, sendo seguido por mim, pelo mordomo e pela senhora.
Holmes abriu a porta do armário e jogou para fora tudo o foi encontrando, até que achou o que procurava. Um vestido com manchas de sangue.
- Senhor, por favor, ele era muito violento com a minha Senhora. Ela perdeu a cabeça! Permita que eu assuma este crime. Se ela for presa, poderá ser condenada a morte por matar um juiz. – implorou o mordomo.
A mulher apenas chorava com as mãos no rosto.
- Tola! A polícia encontraria facilmente este vestido. E vocês dois estavam achando que enganariam a quem? Dizer que alguém entrou pela porta sem arrombá-la! – ralhou meu amigo.
- Foi à única coisa que consegui pensar. Preciso proteger a senhora. – disse o mordomo com a voz muito trêmula.
Fiquei com pena da mulher e do empregado. O juiz era conhecido por ser autoritário e arrogante. Resolvi intervir para ajudá-los.
- Holmes, não são dois criminosos. A senhora perdeu a cabeça após levar uma surra e este pobre coitado só quer defendê-la de ir para a prisão.
- Não são dois criminosos, mas cometeram um crime Watson. Ela matou o marido e ele está sendo cúmplice tentando esconder a verdade. – contestou meu amigo.
- Se um homem batesse em Mary, eu não sei do que seria capaz. É muito covardia bater em mulher. – argumentei.
Ouvimos carruagens parando em frente a casa.
- A policia chegou. – olhei para Holmes, esperando o que ele iria fazer.
Holmes baixou seu olhar para o chão por alguns segundos para pensar e enfim, com um suspiro, tomou sua decisão.
- Muito bem Doutor, vamos proteger a Senhora. Eu não gostava mesmo dele. – concluiu olhando com desprezo para o juiz morto.
Eu sorri para meu amigo lhe agradecendo.
- Muito obrigada senhor! – disse a viúva.
- Vocês dois vão para a sala e distraiam a policia. Mantenham a mentira de que a senhora estava na cozinha lhe pedindo algo e que você ouviu um barulho estranho no quarto e, quando veio ver se o juiz queria alguma coisa, encontrou um ladrão revirando tudo. Você saiu gritando e ele fugiu pela janela. Entendeu? – ordenou Holmes ao mordomo.
- Sim senhor! – obedeceu o homem, saindo para a sala levando a senhora.
- Pois bem Watson, me ajude a revirar este quarto. – pediu-me.
Holmes desarrumou a cama por completo, enquanto eu remexi nos armários e gavetas.
- Precisamos sumir com este vestido, Watson. Terá que pular a janela e levá-lo daqui. Se a policia o encontrar, não haverá mentira que livre a senhora da autoria do crime. – esclareceu meu amigo.
Enrolei o vestido em um lençol e fui para a janela.
- Tudo bem. Traga todos os policiais para dentro da casa para que eu possa fugir até a sua carruagem. Vou levar o vestido até sua mansão e queimá-lo no quintal. – concordei.
- Vou para a cozinha arrombar aquela porta. Tire os sapatos Watson, para não deixar...
Holmes tentou me advertir para tomar cuidado em não deixar minhas pegadas na parede, ao descer pela janela, mas não deu tempo. Antes que terminasse de falar, eu já tido pulado.
Olhei para cima e vi as marcas deixadas pelos meus sapatos na parede, enquanto Holmes olhou pela janela.
- Parabéns Watson. Agora o assassino a ser procurado pela policia usa sapatos iguais ao seu e do mesmo tamanho. – brincou meu amigo, voltando para dentro do quarto rindo.
Fiquei escondido no quintal da casa até que percebi não haver mais ninguém na frente da casa. Sai rapidamente pelo portão e subi na carruagem, saindo devagar para não fazer barulho.
Após queimar a principal prova que incriminava a viúva, deixei a carruagem na mansão de Holmes para que o cocheiro cuidasse dos cavalos e voltei de coche de aluguel para o nosso apartamento.
Cheguei com o dia amanhecendo e, mesmo muito cansado, não consegui dormir.
Holmes chegou um pouco depois, muito pensativo.
- Tudo certo na casa do juiz? – perguntei.
- Sim, a polícia acreditou facilmente na história de roubo e já estão procurando o ladrão que inventamos. O mordomo mentiu que joias foram roubadas. – respondeu-me disperso.
- E o que está lhe afligindo? – notei sua preocupação.
- Preciso pegar o assassino dos "sem cabeças". O tempo está passando e não podemos nos esquecer de que se trata de um psicopata. Ele já deve estar pensando em alguma outra forma de assassinar suas vítimas, sem tirar a culpa do cocheiro nos casos anteriores. – abateu-se.
- E nenhum assassino antes conseguiu ficar tanto tempo sem ser descoberto por Sherlock Holmes. – comentei sem pensar.
Eu sabia que a angustia de Holmes diante da possibilidade do assassino fazer novas vítimas era verdadeira, mas também sabia que passar tanto tempo sem desvendar um mistério feria o seu ego.
Ele não gostou nem um pouco do meu comentário, mas preferiu não discutir comigo. Apenas me olhou com indiferença.
Arrependi-me de ter lhe dito algo tão desnecessário. Descontei nele meu mau humor pelas noites mal dormidas.
Na mesa do café, ele continuou me contando sobre o caso.
- Eu e Lestrade conversamos e decidimos soltar o cocheiro da prisão. Pelo seu comportamento lá dentro, ele realmente é inocente. Dei-lhe um bom dinheiro e ele concordou em sair escondido da cidade por uns tempos, até pegarmos o assassino. Neste tempo, a polícia e nós continuaremos dizendo que ele está preso. Vou visitar Mycroft; preciso lhe contar o que descobrimos sobre a criatura.
Ivy também estava em uma tristeza de dar dó. Alimentou-se pouco e foi se sentar na sala. Eu havia lhe dado bonecas para entretê-la, mas nada fazia a menina se alegrar.
Fiquei conversando com a Senhora Evelyn sobre Ivy até a hora do almoço. Eu não tinha experiência alguma com crianças e sentia que estava falhando com a menina.
Meu amigo retornou de sua visita à casa de seu irmão e se trancou no quarto.
Eu e a criada ainda conversávamos tranquilamente na cozinha quando ouvimos um grito de medo vindo da sala; era Ivy. 
Levantei-me e fui correndo para lá com medo de que o assassino tivesse conseguido invadir o apartamento.
Um homem de cabelos grisalhos, muito distinto com vestes indianas, estava na sala observando a menina assustada e encolhida no sofá.
- Sou eu, Watson. – disse Holmes, muito calmo, disfarçado de indiano.
- Holmes, quase nos matou de susto! – reclamei com ele.
- Sinto muito, precisava saber se o meu disfarce estava bom. – justificou meu amigo, saindo tranquilamente para a rua.
Disfarçado daquele jeito, com certeza foi investigar os sócios.
Senhora Evelyn, que havia corrido comigo até a sala, me olhou rindo. Por mais tempo que estivesse trabalhando para Holmes, ainda se surpreendia com os seus disfarces.
Expliquei para Ivy que meu amigo era um grande detetive, o melhor do mundo, e que conseguia se tornar irreconhecível quando precisava enganar as pessoas para investigar.
Ela manteve o olhar bravo o tempo todo em que eu explicava, demonstrando que não gostou nem um pouco de ser enganada por ele.
Para animá-la, levei-a para passear durante toda à tarde, mas foi em vão. Eu sentia que havia uma angustia em seu olhar.
- Por que está tão triste, pequena? O que eu posso fazer para alegrar você? – disse carinhosamente.
- Não quero mais continuar presa com vocês. Posso ir embora? – pediu-me.
- Quer voltar para o seu pai? Está com saudade de sua família? – acreditei que, com o passar do tempo, ela havia perdoado as surras.
- Nunca! Eu nunca vou voltar para aquela casa! – respondeu brava.
- Vou conversar com o seu pai. Não vou permitir que ele a machuque novamente. – prometi a ela, mas sem saber como cumprir.
- Eu preciso ir! Preciso fazer uma coisa muito importante. Posso ir embora? – suplicou ela.
- Que coisa importante? – quis entender.
- Não é da sua conta! – retrucou mal criada.
Eu tinha que concordar com Holmes. Ivy era muito petulante para tão pouca idade. Mas ao invés de ficar bravo com ela, tive pena.
Sua revolta era compreensível; a mãe lhe fazia muita falta. Eu precisaria ter paciência para conquistar-lhe a confiança.
- Se não quer me revelar, eu respeito. Mas saiba que pode contar comigo sempre. - tentei acalmá-la
Voltamos à tarde para o apartamento e, até a noite, ensinei-lhe a escrever novas palavras. Ela me surpreendia com sua facilidade em aprender.
Holmes chegou à noite tão pensativo que passou por nós sem nos ver.
Tomou um longo e banho e deitou-se. Quando fui para o quarto, parecia já estar dormindo.

Capitulo 19 - A sessão
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