Na manhã de domingo, levantei-me cedo, pensando em levar Mary a um passeio.
Ouvi o barulho de correria subindo pelas escadas e abri a porta para os garotos de rua que trabalhavam para Holmes.
Entrei no quarto de meu amigo para chamá-lo e me deparei com ele, de pijama, deitado completamente desajeitado em sua enorme cama, com a cabeça e os braços caídos para fora. Ao seu lado, um pequeno pacote aberto com um pó que eu sabia muito bem o que era.
- O que quer Watson? - perguntou-me, sem me ver e sem se mexer.
- O que está fazendo?
- Vou lhe dar três opções para adivinhar: estou fumando orégano, pimenta ou cocaína? - respondeu-me com uma voz quase em transe.
- Quantas vezes preciso lhe advertir do quanto isso é perigoso, Holmes? - reclamei muito bravo.
- Que medo de você, Watson! Se me mandar limpar um chaminé, capaz de eu ir. - brincou comigo.
- Levante-se! Há três garotos na sala que querem falar com você. - disse-lhe, em um tom aborrecido.
Há mais de cinco anos, eu implorava a ele para que parasse de usar drogas.
- Só vou conseguir morrer em paz quando você não estiver por perto, meu caro. - suspirou ele, sentando-se na cama com o olhos vesgos e completamente atordoado.
Preferi sair do quarto antes de começar uma briga. Levei os garotos para a cozinha e servi-lhes o café da manhã, enquanto Holmes tentava sair do estado alucinógeno no banho.
Vinte minutos depois e ele surgiu, bem vestido, mas com o cabelo molhado.
- Encontrou o fantasma que procuro Wiggins? - perguntou ele ansioso para o líder dos três garotos.
- Ainda não chefe, mas a Senhora Lacey mandou entregar este recado urgente para o senhor. - respondeu-lhe o garoto, que aparentava ter doze anos de idade, entregando a Holmes um delicado papel de carta dobrado.
Meu amigo leu a mensagem em voz alta.
- "Caro Holmes, venha urgente! Houve um bárbaro assassinato em minha casa nesta madrugada."
Depois de um profundo suspiro, Holmes jogou moedas de prata para os meninos.
– Obrigado e, por favor, me chamem uma carruagem. - pediu às crianças que estavam saindo.
- Quem é Senhora Lacey, Holmes? - perguntei-lhe.
- É a proprietária da White House. – respondeu-me saindo para o quarto buscar seu casaco.
Mesmo nunca tendo frequentado casas de prostituição, é claro que eu já tinha ouvido falar no famoso bordel de luxo na Soho Square. Minha curiosidade em conhecer o local me entusiasmou a acompanhar Holmes, então fui a sala apanhar meu bloco de anotações na estante.
- Pretende se arriscar, Doutor? Não quero a futura senhora Watson magoada comigo por levá-lo a um local inadequado. - brincou Holmes, entrando na sala.
- Ela não ficará sabendo se você não contar. - respondi-lhe cantando.
- Não sei qual dos dois é pior, eu como padrinho ou você como noivo. – riu ele.
Em pouco tempo chegamos ao local que já estava cercado pela policia e por curiosos; os policiais olharam para Holmes com admiração e nos deram passagem, cumprimentando-nos com a cabeça.
A casa não parecia um bordel. O amplo salão com bar tinha o piso de madeira brilhando e nas paredes brancas haviam cortinas de estampas floridas. No teto, lustres de cristais, e as mesas e cadeiras em estilo vitoriano davam ar de requinte ao salão. Em um canto dele, jovens bonitas e muito bem vestidas choravam; em nada lembravam a imagem de prostitutas com os rostos cheios de pó e as vestes sujas.
Holmes observou atentamente as mulheres enquanto uma senhora, aparentando mais de setenta anos, se aproximou.
- Caitlim! - disse ele à senhora que estava com olhos inchados de chorar.
Senhora Lacey balançou a cabeça confirmando.
- Não permiti que ninguém entrasse no quarto até sua chegada, Holmes. Não confio na polícia, quero que você descubra quem fez essa crueldade. - disse ela ao meu amigo.
- Como descobriu o crime? - perguntou ele.
- Passei de quarto em quarto para dar uma olhada em minhas garotas, como faço todas as manhãs. A porta do quarto de Caitlim estava trancada por dentro; pensei que o cavalheiro que a havia contratado à noite tinha dormido demais e esquecido a hora de ir embora. Bati na porta, mas ninguém respondeu. Tenho cópia de todas as chaves dos quartos e quando abri... foi a coisa mais horrível que já vi em minha vida. - gemeu a senhora.
- Para ter me chamado, suponho que não viu quem a contratou ontem? - estranhou Holmes.
- A casa estava cheia e havia cavalheiros que eu nem conhecia. Vi Caitlim conversar com vários, mas não a vi quando subiu para o quarto. - explicou a proprietária.
- E, obviamente, nenhuma das outras garotas também não viram nada? - insistiu Holmes.
- Elas estavam todas ocupadas em conquistar seus clientes. Nossa casa é de luxo e o serviço é caro, somente cavalheiros da alta sociedade a frequentam. Quem imaginaria que um assassinato poderia acontecer aqui? - justificou a senhora.
Nesse instante, fomos interrompidos por um velho conhecido nosso, o inspetor Lestrade.
Holmes e eu o conhecemos quando ainda éramos adolescentes e ele era apenas um policial preguiçoso. Lestrade foi promovido a inspetor porque roubou os méritos de meu amigo, quando ele desvendou seu primeiro mistério.
Anos mais tarde, foi obrigado a implorar pela ajuda de Holmes para solucionar um caso que estava arruinando sua carreira. Meu amigo desvendou facilmente o mistério, mas não sem antes cobrar-lhe muito caro. “A vingança é mais doce quando servida fria”, sempre dizia Holmes.
- Como vai Holmes? Vamos arrombar a porta do quarto onde ocorreu o crime porque a Madame não está permitindo a entrada da polícia. Depois que fizermos o nosso trabalho, você poderá dar uma olhada. - avisou ele, com a preguiça costumeira.
- Bom dia para você, Lestrade. A Senhora Lacey me contratou para investigar o crime e não será necessário nenhum arrombamento, pois a mesma me dará a chave. Eu entrarei primeiro para “dar uma olhada”, como você disse, e quando eu terminar, você poderá entrar para fazer o seu trabalho. – respondeu-lhe Holmes.
- Não posso concordar com isso. - retrucou o inspetor.
Meu amigo lhe lançou um olhar tão gelado que até eu tive calafrios. Em segundos, Lestrade acabou concordando, depois de um longo suspiro.
- Não demore. – disse o inspetor muito a contragosto.
Pareceu-me que Lestrade finalmente havia compreendido que ele nada seria se não fosse por Holmes. Sua carreira construída à custa do talento do meu melhor amigo poderia ser facilmente destruída quando Holmes quisesse.
Meu amigo recuperou o seu ar naturalmente educado e respondeu um calmo “obrigado”.
Recebemos a chave da Senhora Lacey e subimos pela escada até o segundo andar, onde havia um extenso corredor com muitos dormitórios.
Na frente de um deles, dois policiais aguardavam ordens; só poderia ser o quarto trancado. Holmes passou tranquilamente por eles, que apenas acenaram com a cabeça nos cumprimentando.
Ao abrir a porta, mesmo acostumado com cenas de crime, me assustei. Fiquei paralisado na porta, enquanto Holmes deu um passo para trás, respirando fundo.
O corpo nu estava sobre a cama. As orelhas, que haviam sido cortadas, estavam no chão. Os pulsos e rosto tinham cortes profundos e o tórax estava aberto, com um corte que se iniciava entre os seios e ia até o ventre. Havia sangue por toda a parte.
Holmes puxou-me para dentro quarto, fechando a porta.
- Entre Watson! Vamos, você é um médico, me diga como supõe ter ocorrido a morte, e tome cuidado para não pisar no sangue; não queremos confundir as pegadas. Ninguém ouviu gritos; se ela não gritou quanto foi atacada, só poderia estar desacordada.
- Meu Deus, Holmes, quanta crueldade! Pobre garota. – aproximei-me do corpo para observar os órgãos internos expostos no corte.
Holmes foi até a janela aberta, com sua lupa na mão, pisando na ponta dos pés para se esquivar do sangue no chão.
- O coração foi retirado. Que aberração! - exclamei.
- A janela está limpa. O assassino deve ter colocado uma proteção para não deixar marcas, uma peça de roupa talvez. Mas há uma marca que me parece ser de sangue na parede pelo lado de fora. Achou o coração, Watson?
- Ele deixou as orelhas no chão, mas o coração não está nesse quarto. Deve ter levado com ele. - respondi-lhe.
- O coração não é algo que se coloque em um bolso. Porque o assassino levaria o coração?
Holmes foi até a mesa no canto do quarto, que estava toda molhada. Após cheirar o líquido, molhou o dedo e colocou na boca.
- E só água. - contou-me.
- Estranho. - comentei.
- Essas pequenas manchas de sangue no chão, vão da cama até mesa e da mesa para a janela. - abaixou-se ele para averiguar.
- Não me parecem pegadas. - observei.
- Mas são, ou pelo menos fazem parte dela. Ele pisou nos respingos de sangue no chão e sujou apenas uma parte da sola do sapato. Veja, as manchas são quase idênticas e possuem listras. Tudo indica que ele sujou apenas o sapato do pé direito, e o sapato tem listras na sola.
- Ele não poderia ser ela, Holmes? Porque supõe que seja um homem e não uma mulher? Uma esposa ciumenta, talvez? - especulei.
Holmes achou graça.
- Não seja tolo, Watson! As únicas mulheres que frequentam esta casa são as que moram aqui, afinal este lugar é para homens!
- E se a assassina for uma das outras prostitutas? - continuei.
- E que pista você encontrou para esta suposição? - confrontou-me.
- Apenas estou pensando no motivo deste crime. Por que um homem mataria uma prostituta? Já uma mulher poderia ser por inveja ou vingança e, com exceção das manchas de sangue, não há outras pistas. - esclareci.
- Depois de tantos anos investigando casos juntos, você parece ter dormido o tempo todo. - comentou meu amigo, com uma naturalidade que me chocou.
- Não precisa ser rude! - reclamei.
- Observe o corpo e os respingos de sangue. Na posição em que o corpo se encontra, parece que ela foi morta dormindo. Não há sinais na cama de luta corporal e não há sinal de estrangulamento. Os cortes no tórax, nos pulsos e nas orelhas são finos e precisos. – mostrou-me Holmes.
- Sim, parecem terem sido feitos por um bisturi. Seria um médico nosso psicopata? – sugeri novamente.
- Verifique se a relação foi consumada. - pediu-me ele.
- Santo Deus, Holmes, eu não posso! Sou um cirurgião; intimidade de mulheres não é minha especialidade. - acanhei-me.
- Watson, esta jovem foi morta cruelmente. Por favor, mesmo não sendo sua especialidade, verifique e me dê sua opinião.
Sempre achei irritante a maneira como ele me convencia a atender seus pedidos.
Mesmo estando com um dos braços enfaixados, eu conseguia mover a mão, então afastei as pernas da dama e a analisei com a lupa de Holmes. Usei meu lenço cobrindo meu dedo para verificar se havia secreções na parte interna.
- Não há vestígio de sêmen nem de dilatação, é o que posso lhe dizer. – finalizei o exame.
Holmes analisava a face deformada da moça.
- Há um cheiro alcoólico, levemente adocicado no rosto dela. - observou ele.
- Então o assassino a fez desmaiar com o algum produto químico antes de cometer esta barbárie? Isto explicaria o fato dela não ter gritado. - especulei mais uma vez.
- Eu sei que cheiro é este, é metanol. - respondeu-me pensativo.
Holmes estava com o olhar muito concentrado quando foi interrompido por batidas na porta. Levantou-se bravo, tomando o cuidado de não pisar no sangue, para atender Lestrade.
- Já demorou demais, Holmes, preciso entrar. - reclamou o inspetor.
- Ainda não terminei Lestrade. Preste atenção, quem fez isso é um psicopata, e psicopatas geralmente voltam à cena do crime para verificarem o efeito que causaram. Diga aos seus policiais que circulem entre os curiosos lá fora e procurem suspeitos.
- Como assim, suspeitos...
Holmes bateu a porta na cara do inspetor. Ao se virar para mim, parou com o olhar perdido por alguns instantes e voltou-se para a porta, abrindo-a de novo brutalmente.
Lestrade, que ainda estava ali, levou um grande susto, pulando para trás.
- Por Deus, Holmes, quer me matar! - gritou ele.
Meu amigo parecia não escutar o inspetor, fitando um senhor que estava ao lado de Lestrade.
- O senhor é legista, suponho. - disse Holmes ao homem vestido de preto com uma maleta na mão.
- Sim, senhor. - respondeu o cavalheiro.
- Por favor, entre. Preciso de sua ajuda. – pediu meu amigo.
Holmes permitiu a passagem do senhor de aparência de uns cinquenta anos e fechou a porta suavemente.
O homem olhou para a cena sem nenhuma surpresa. Parecia estar acostumado a ver corpos em estado tão chocante.
- Gostaria de ouvir a opinião de um profissional, senhor... – Holmes perguntou o nome do cavalheiro.
- Harris, Thomaz Harris. É um prazer conhecê-lo. - apresentou-se.
- Holmes, Sherlock Holmes, e este é o meu amigo Watson. Já tinha visto algo tão bárbaro, Senhor Harris?
- Infelizmente, nestes meus trinta anos como legista, já vi de tudo. Corpos em decomposição, esquartejados, corpos de todas as idades. - contou-nos o senhor.
- E o que pode me dizer em relação a este? - pergunta-lhe Holmes.
O legista caminhou cuidadosamente até a cama e analisou com atenção o corpo mutilado.
- Esta senhorita deve ter feito algo muito grave para tamanha vingança. Onde está o coração? - procurou ele.
- Parece ter sido roubado. – respondeu meu amigo.
- Conhecem o conto da madrasta que mandou um lenhador matar sua enteada e lhe trazer o coração como prova? - comparou o legista.
- Nunca ouvi falar. – respondeu Holmes com naturalidade.
Senhor Harris olhou meu amigo com estranheza. A mim era perfeitamente normal que Holmes não conhecesse, afinal, ele não se permitia registrar em sua brilhante mente coisas inúteis como contos.
- Eu não disse que isso parece ser vingança de mulher? - provoquei-lhe.
O legista abriu sua maleta sobre a mesa no canto do quarto, de onde retirou uma luva, a qual vestiu em sua mão esquerda. Com esta mão, abriu o corte ainda mais na região do abdômen, e com mão direita tocou no fígado da vítima.
- Pela temperatura e pela rigidez da pele, foi morta entre as duas ou três horas da madrugada. - informou.
Meu amigo também tocou o fígado da vítima.
- Conseguiria identificar a arma do crime? - perguntou Holmes.
- É o corte típico de facas usadas em açougues. - respondeu-lhe o legista.
- Tem mais alguma coisa que possa me informar? - pediu meu amigo.
- Sinto muito; não há mais nada.
- Obrigado Senhor Harris. Gostaria de sua permissão para visitá-lo, caso me surjam outras dúvidas. - solicitou Holmes.
- Estou a sua disposição Senhor Holmes, é só me procurar no necrotério. - concordou o legista.
Saímos do quarto e encontramos Lestrade andando de um lado para o outro no corredor.
- Já não era sem tempo. - esbravejou ele.
- Volte para o sarcófago, Lestrade! - retrucou meu amigo.
- Aja paciência! - reclamou o inspetor.
Descemos a escada e encontramos Gregson interrogando as senhoritas do estabelecimento.
- Muito bem, vamos fazer uma lista com os nomes de todos os homens que estiveram aqui ontem à noite. - inquiriu ele.
- Senhor Moore esteve comigo praticamente a noite toda – disse uma delas.
- Então este senhor deve ficar fora de sua lista de suspeitos, Gregson, já que possui um álibi. – interrompeu meu amigo.
- Como vai, Holmes? Há quanto tempo. - cumprimentou Gregson - Soube que estava investigando a cena do crime. Encontrou algo?
- Algumas manchas de sangue no chão do quarto indicam pegadas de um sapato do pé direito, com solado de listras. Pelo espaçamento entre as pisadas, o assassino tem mais de um metro e oitenta de altura. Também há uma mancha de sangue pelo lado de fora da janela do quarto, bem no relevo que separa os dois andares, onde o assassino pisou para projetar o pulo. - contou Holmes.
- Eu já olhei no gramado abaixo da janela e como choveu muito ao amanhecer, não há mais pistas na grama molhada, só lama. A lista de cavalheiros que estiveram aqui ontem a noite será enorme. - desanimou Gregson.
Neste momento aproximou-se de nós uma senhorita de beleza fascinante, aparentando uns vinte anos de idade, estatura média, pele muito branca com algumas sardas, olhos negros como os cabelos compridos e ondulados. Os lábios grossos me fizeram trair Mary em pensamentos. Estava trajando um vestido vermelho que, embora cobrisse todo o seu corpo de cintura fina, mais parecida uma camisola que contornava suas formosas curvas. Era visível se tratar de uma latina.
- Holmes, preciso lhe falar! – interrompeu-nos com uma voz tão suave que tirou o meu ar.
Estranhei ela o chamar com tanta intimidade.
- Sinto muito por sua amiga. – respondeu-lhe educadamente em um tom formal.
- Irving Jamie, um dos garçons que servem no bar da casa, era perdidamente apaixonado por Caitlim. Ela o humilhou na minha frente, por se tratar de um rapaz pobre. Disse-lhe que ele não tinha dinheiro nem para pagar uma noite em seu quarto, quanto mais para lhe dar a vida de princesa que ela merecia. - contou a moça.
- Senhorita, porque não informou isto a polícia antes? - esbravejou Gregson.
- Quem precisa da policia quando se tem Sherlock Holmes? - retrucou a latina.
- Mas que atrevida! - reclamou o policial.
Não sei se foi impressão minha, mas a linda mulher parecia olhar apaixonada para meu amigo.
- Gregson controle-se! Mais alguma coisa senhorita? - solicitou Holmes friamente; o olhar da moça em nada o inquietou.
- Irving ficou muito magoado; dava para ver o quanto ele sofria ao vê-la atender os clientes no salão. Caitlim também era a preferida do Senhor Ebert Dustin, um rico farmacêutico que sempre frequenta a casa nas sextas-feiras. Mas nesta semana, ele não veio na sexta, ele esteve aqui ontem, no sábado. - prosseguiu a linda jovem.
- Então foi ele quem esteve com ela ontem? - perguntou Gregson.
- Não sei, só o vi entrar no salão. Eu realmente não vi quem acompanhou Caitlim até o quarto. Espero ter ajudado.
A jovem se retirou após olhar diretamente nos olhos de meu amigo, como se fosse intima dele.
- Vamos conversar com Irving. - propôs Holmes, indiferente ao olhar da latina.
- Sabe quem é ele Holmes? - perguntei, tentando disfarçar minha curiosidade.
- Provavelmente o rapaz debruçado no balcão do bar, Watson. – respondeu-me sem paciência.
O rapaz de fisionomia indígena não aparentava ter mais de vinte anos.
- Senhor Irving Jamie, quer nos contar alguma coisa? – perguntou Gregson em tom de acusação.
O jovem levantou a cabeça muito abatido e pelo inchaço nos olhos, já havia chorado muito.
- Já descobriram quem fez isso? Eu vou matar o miserável. - ameaçou ele.
- Irving, sabemos que você observava Caitlim no salão. Você viu quem esteve com ela ontem? - perguntou-lhe Holmes educadamente.
- A última vez que a vi, ela estava sentada junto a quatro homens naquele mesa. - apontou-nos a mesa próxima a escada.
- Sabe quem é o senhor Dustin? - indagou Gregson bravo.
- Claro que sei! O sujeito tinha um acordo com Caitlim; ela deveria o esperar toda sexta-feira e somente atender a ele neste dia. - respondeu o garçom.
- E ele estava nesta mesa? Sabemos que ontem ele esteve aqui. - continuou Gregson.
- Ele chegou por volta da meia noite e sentou-se no bar. Acho que Caitlim não o viu porque não foi atendê-lo, e ele parecia muito bravo quando a viu atendendo outros homens. Eu sai por alguns instantes e quando retornei não vi mais Caitlim, nem o farmacêutico.
- Saiu por alguns instantes? Onde foi? - insistiu Gregson.
- Até a cozinha. - contou o rapaz.
- Irving, se você voltasse a ver um dos quatro homens que estavam com Caitlim, conseguiria reconhecê-los? - indagou Holmes.
- Não, Senhor Holmes, eu não reparei neles. Mas quando eu voltei da cozinha, somente três homens continuavam na mesa, e não demorou muito foram embora, sem contratar nenhuma das garotas. Foi o Senhor Dustin quem matou Caitilim? – perguntou o jovem.
A tristeza do indígena me fez recordar uma noite de inverno há muito anos atrás, quando presenciei um jovem chorando por sua amada morta em seus braços. Vi aquele jovem chorar somente por duas vezes em toda sua vida.
- Eu vou desmascarar o assassino, lhe prometo. Não faça nenhuma besteira por enquanto, por favor. - pediu-lhe Holmes.
- Senhor Jamie, deixe-me me ver a sola de seu sapato. - ordenou Gregson.
O jovem, sem entender o pedido, saiu do bar e levantou seu sapato; a sola era de listras.
- Holmes, eu preciso falar com vossa celebridade. – Gregson arrastou Holmes pelo braço para um canto.
Mesmo sem ser convidado, não me fiz de arrogado e fui atrás.
- Encontrei o assassino. Quero só ver a cara do Lestrade! - Gregson esfregou as mãos comemorando.
Holmes me olhou como se estivesse contando carneiros para se acalmar.
- Solado com listras são comuns Gregson; não pode acusá-lo por isso. - disse meu amigo.
- Você não vai investigar o farmacêutico? - perguntei ao inspetor.
- E os quatro homens que estavam na mesa com a senhorita? Precisamos encontrá-los. - aconselhou Holmes.
- Os homens só vieram beber e eles nem subiram para os quartos das prostitutas. Vou levar o índio para a sede da policia; não vai demorar muito para ele confessar o crime. - retrucou Gregson saindo.
- Eu coloquei cocaína na farinha do pão da santa da ceia para merecer Gregson e Lestrade! - Holmes suspirou, acenando a cabeça negativamente.
- Senhor Irving Jamie, terá que me acompanhar para prestar esclarecimentos. - ordenou Gregson.
O rapaz nos olhou assustado, mas seguiu Gregson sem objeções.
Holmes apenas observou em silêncio.
Despedimos da Senhora Lacey, que estava sendo atendida pelo médico particular da casa, o qual eu tive o prazer de conhecer ali.
Todos os bordeis de luxo tinham um médico contratado para cuidar da saúde das garotas, que eram examinadas todas as semanas com o propósito de diminuir os riscos de transmissão de doenças.
Na frente da casa havia muitos jornalistas e pessoas curiosas. A muito custo, conseguimos uma carruagem para voltar a Baker Street.
Holmes permaneceu o caminho em total silêncio, muito pensativo enquanto eu não me aguentava mais de curiosidade.
Ao entrarmos em nosso apartamento, ele foi direto a estante de onde pegou um livro de química, acendeu seu cachimbo e sentou-se em sua escrivaninha revirando as páginas.
Sentei-me a sua frente com o intenção de esclarecer minhas suspeitas.
- Pesquisando sobre o cheiro alcoólico na vitima? - iniciei a conversa fazendo rodeios.
- Elementar, meu caro.
- Holmes, não pude deixar de notar algumas coisas... - entrei no assunto.
- O que foi meu amigo? - atendeu-me sem tirar os olhos do livro.
- No recado que você recebeu da Senhora Lacey, estava escrito Caro Holmes, e não Caro Senhor Holmes. Isso me faz pensar que vocês são bons amigos. – disse-lhe.
- Dedução brilhante Watson. – elogiou-me.
- Você retornou na sexta-feira de sua viagem. Como a Senhora Lacey sabia que o encontraria aqui? - continuei.
- Os garotos de rua me viram chegar e contaram à ela. A Senhora Lacey costuma dar-lhes roupas e alimentos. - contou-me.
- E quando nós entramos na casa da Senhora Lacey, você observou as senhoritas que trabalhavam lá e acertou o nome da jovem assassinada. – prossegui com minhas observações.
- Correto novamente! Somente Caitlim não estava entre elas. - confirmou.
- Então você já conhecia todas aquelas mulheres! Em todos esses anos, eu nunca suspeitei que você frequentasse aquele local. - revelei minha curiosidade.
Holmes finalmente levantou os olhos do livro, me fitando sem entender.
- O que há de errado com você? Sexo é apenas uma necessidade física que pode ser perfeitamente satisfeita pagando. - confessou-me com a maior naturalidade.
- Pagar por sexo, e caro! - retruquei-lhe.
- Casamento é mais caro e coitado de você se reclamar de alguma coisa. - disse-me voltando a ler seu livro tranquilamente.
Não pude deixar de achar graça. Quem diria que a aversão de meu melhor amigo pelas mulheres não era tão radical quanto eu suponha.
O meu riso transpareceu e ele percebeu, levantando a cabeça e me encarando bravo. Voltei a ficar o mais sério que pude e graças a Deus, ele retornou ao livro.
Mesmo sendo seu melhor amigo, Holmes era reservado demais e nunca falava sobre sua intimidade. Mas eu ainda queria saber mais e arrisquei continuar o assunto.
- Mas Holmes, como seu amigo e médico, bem... você sabe sobre as doenças, e estas garotas e seus chás também não estão livres de uma gravidez.
Ele novamente me fitou como se estivesse olhando para um alienado.
- Isto é facilmente resolvido usando “luva de Vênus”, correto meu caro Doutor?
Os preservativos de borracha já eram comercializados desde o ano de 1870, produzidos pela fábrica de um escocês, e eram muito caros. “Luva de Vênus” era denominação poética dada por Shakespeare.
- Francamente Watson, você não usa proteção com sua futura esposa? - foi a vez de Holmes questionar a minha intimidade.
Senti-me corado de imediato. Depois de alguns anos de noivado, Mary acabou se entregando; uma ousadia para uma mulher solteira.
- Como sabe Holmes? - perguntei-lhe constrangido.
- Não seja tolo, agora me deixe trabalhar. – respondeu-me sem paciência.
Sai para me encontrar com minha noiva e o deixei em sua pesquisa.
Os anos se passaram e eu ainda desconhecia fatos sobre a vida do meu melhor amigo, mas toda a minha vida era conhecida por ele, até mesmo intimidades que nunca me atrevi a lhe contar.
Capitulo 3 - Os dois suspeitos

O trabalho Fanfic Young Sherlock Holmes - O Reinicio de Morcega Luana foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário