Já na casa da Senhora Cecil, a qual me ajudou a cuidar de Mary, pude confortar minha noiva para compensar-lhe a noite terrível. Fiquei ao seu lado acariciando-lhe os cabelos enquanto descansava.
Também contei a ela sobre Holmes e a Senhora Reece e rimos muito juntos.
À noite, quando voltei para o apartamento, soube pela Senhora Evelyn que Holmes havia dormido o dia todo com a porta do quarto trancada e que havia saído logo após o jantar.
"Aposto que foi se encontrar com a latina." - pensei.
O medo e agitação da noite anterior me fizeram ter um sono pesado; na madrugada, tive um pesadelo horrível, aonde eu chegava à janela do casarão e via lá embaixo, deitados no gramado, Holmes e Mary se beijando apaixonadamente. Acordei assustado e transpirando muito.
Quando consegui me acalmar, fiquei envergonhado por sentir ciúmes de Holmes fazendo respiração em Mary para lhe salvar a vida.
Na manhã do dia seguinte, estava sentado em nossa sala lendo o jornal, quando meu amigo chegou com um filhote em seus braços.
- É um gato! - fiquei surpreso.
- Dedução brilhante Watson! - brincou ele.
Holmes sentou-se em sua escrivaninha colocando o bicho na mesa. O gato, ainda pequeno, era feio, todo preto. Os olhos amarelos pareciam vesgos e os dentes laterais muito grandes, faziam-no parecer um morcego.
- O que pretende fazer com este animal? - indaguei-lhe.
- Você logo vai se casar e se mudará daqui; preciso arrumar outra companhia. - respondeu ele.
- Ora, minha companhia foi substituída pela a de um gato! Estou lisonjeado pela sua consideração comigo. - fiquei indignado.
- Está com ciúmes Watson? - surpreendeu-se ele.
- Ciúmes é uma palavra que não existe em meu vocabulário. - respondi-lhe com desaforo.
- E a culpa disso é minha. Fui eu quem lhe ensinou a excluir palavras do vocabulário. - continuou ele brincando.
- Pensei que preferisse cachorros e espero que o cão que lhe mordeu não o tenha deixado com traumas. - comentei.
- Continuo gostando de cães. São ótimos farejadores, mas muito dependentes. Gatos são mais limpos, independentes, não se importam quando o dono desaparece por dias e ainda têm sete vidas; vai precisar de todas convivendo comigo. - disse Holmes olhando sério para o felino.
- Onde arrumou esse? - estranhei a feiura do bicho.
- Foi encontrado abandonado por Wiggins, que me ofereceu. - respondeu meu amigo.
- Gatos são geralmente animais bonitos e elegantes, mas perdoe-me a sinceridade, este é feio e esquisito. - confessei-lhe.
- Achei-o simpático. - argumentou meu amigo.
Olhei para Holmes com cara de quem sabia que ele estava mentindo.
- Muito bem, ele realmente é feio, mas é um macho e isso é o que importa. - concluiu Holmes.
- O que você tem contra as fêmeas? - provoquei.
- Tenho uma coleção de armas e alguns tipos de veneno, mas prometo usar só em último caso. Como está Mary? - perguntou-me.
- Ainda um pouco assustada e com dor de garganta devido a fumaça, mas está bem. - respondi-lhe.
- Não desistiu do casamento? Não percebeu que ser sua noiva é um perigo? - brincou comigo.
- Ainda vamos nos casar, Holmes. Como está seu braço e suas costas? - perguntei-lhe.
- Muito bem. Sabe Watson, estive pensando... Dudley está preso, mas o tal professor, o que encomendou a sua morte, ainda está livre. Acho melhor você e Mary se casarem o mais rápido possível e irem para longe daqui. Eu e Mycroft podemos estabelecer vocês em qualquer lugar que queiram. - ofereceu meu amigo.
- Eu sabia que você diria isto, Holmes, mas já conversei com Mary e decidimos ficar. Aqui é o nosso lar, é aqui que temos nossos amigos e não vamos fugir por causa de um bandido. - disse-lhe decidido.
A criada entrou na sala com uma carta muito perfumada, entregando-a a Holmes.
- Obrigado Senhora Evelyn. - disse meu amigo gentilmente.
- O mensageiro continua lá porta e disse que precisa esperar a resposta. Que gato horroroso Senhor Holmes! - comentou Senhora Evelyn.
- Que bom que gostou dele, Senhora Evelyn! - ironizou meu amigo.
A criada saiu rindo. Meu amigo olhou para carta, amassou-a e jogou no canto da mesa.
- O que foi Holmes? Não vai ler? - estranhei sua atitude.
- A letra é de mulher e a carta está absurdamente perfumada; só pode ser encrenca, melhor deixar pra lá. - explicou ele.
A aversão de meu amigo a mulheres me era compreensível, afinal acompanhei de perto todo o seu sofrimento pela morte de Elizabeth. Perder a mulher que amava foi um duro golpe e ainda mais vê-la morrendo em seus braços por causa de um tiro que era pare ele.
Nesta época, se viciou em drogas para aliviar a dor, só não morrendo de tristeza graças às aventuras que apareceram e desafiaram sua coragem e sua mente genial. Mas, até hoje, ele tem momentos de recaída, nos quais se isola e se droga muito.
Holmes não se achava nem um pouco bonito ou atraente e sua vaidade era totalmente intelectual, mas o fato é que exercia um fascínio sobre as mulheres. Nestes anos todos, muitas senhoritas fizeram loucuras para conquistá-lo e ele teve muito trabalho para se livrar do assédio. Não era à toa que evitava as mulheres.
- Ora, dê-me isso! - fui até a mesa e peguei a carta.
- Watson, acredite em mim, é muito perigoso. - avisou-me.
- “Caro Senhor Holmes. Espero não ter lhe causado má impressão. Aceite minhas sinceras desculpas e meu pedido para vir jantar comigo esta noite. Será uma grande alegria recebê-lo. Aguardo-lhe ansiosa, sua Lana.” - li em voz alta.
- E essa agora! - comentou Holmes olhando para o teto.
- Então, você vai jantar com a “sua Lana”? - perguntei-lhe rindo.
- Obviamente que não. E a culpa de eu ter encontrado essa doida é sua, Watson. - acusou-me.
- Posso lhe garantir que a Senhora Reece é uma criatura encantadora. - discordei dele.
- Não foi você que foi molestado por ela! - falou sussurrando, como se estivesse me contando um segredo.
- Não estou ouvindo nada Holmes, fale mais alto! - provoquei-lhe.
- Vou falar bem alto, Watson, já contou para Mary que na sua adolescência, você foi abusado por doces em um cemitério? - respondeu ele à minha provocação.
- Holmes, seu maluco, o que a senhora Evelyn vai pensar? Não sabe como me arrependo de ter lhe contado sobre a minha alucinação. - fiquei bravo com ele.
- Sua festa com os doces no cemitério lhe fez bem, você emagreceu depois do ataque. - riu ele.
- Você também foi atingido por um espinho naquela noite Holmes, mas nunca me contou sobre a sua alucinação. - perguntei-lhe pela centésima vez.
- Desista Watson, eu nunca vou contar.
Ele pegou um bloco de cartas na gaveta, destacou uma folha e escreveu: “Senhora Reece, impossível jantar com vossa pessoa. Sinto náuseas só em pensar em encontrá-la novamente. Senhor Holmes”.
- Isso foi muito grosseiro! - reclamei.
- Venha, vamos entregar a resposta ao mensageiro e almoçar fora. - convidou-me.
- Hoje não posso, preciso sair e procurar outra casa para alugar; a que eu e Mary havíamos escolhido não deu certo. - contei-lhe.
- Eu vou acompanhá-lo na sua procura. – ofereceu-me.
- Sei! Você quer mesmo é fazer minha segurança pessoal. Não confia mais nem nos policiais. - desconfiei dele.
Acabei aceitando sua companhia e entramos em uma carruagem, após meu amigo entregar sua resposta mal educada para o mensageiro.
Holmes deu um endereço para o cocheiro, provavelmente de algum restaurante.
No caminho contei-lhe que pela manhã, antes dele chegar, um policial veio nos informar que foram encontrados quinze corpos de bandidos no casarão, e o corpo que estava no lago, infelizmente era do Senhor Helge, dono da mansão.
Para a minha surpresa, a carruagem parou em frente à casa que Mary e eu havíamos escolhido, mas que não deu certo alugarmos. Holmes desceu e eu o segui.
- Por que paramos aqui? - achei estranho.
- Vamos entrar, o corretor está a nossa espera. - avisou Holmes.
- Como soube desta casa, Holmes? - perguntei-lhe.
- Os policiais que fizeram a sua escolta no dia em que você esteve aqui com Mary me contaram. - esclareceu.
Um rapaz franzino veio nos receber.
- Senhor Holmes, bom dia, trouxe os documentos que me pediu e eles já foram assinados pelo ex-proprietário, só falta a assinatura do novo dono. - disse o jovem.
- Bom dia Jimy, e obrigado por ter nos trazido os documentos. Este é o Doutor Watson e ele é novo proprietário desta casa. Watson, assine os papéis. - disse-me meu amigo.
- Como assim? - fique surpreso.
- É o meu presente de casamento. Soube o quanto Mary gostou desta casa e já faz tempo que preciso me redimir com ela. Quantas vezes lhe arrastei para minhas aventuras e a deixei lhe esperando como uma tola. - respondeu-me.
- Mary sempre teve muito paciência com nós dois, mas eu não posso aceitar. - fiquei sem palavras.
- Sou seu padrinho, você não pode recusar. Assine logo e vamos almoçar. - pediu-me ele saindo.
Depois de respirar fundo diante da surpresa, assinei e entreguei os documentos para Jimy, que tomaria todas as demais providências. Holmes e eu voltamos para a carruagem.
- Watson, acabei de me lembrar de uma coisa que fiz e acho que você não vai gostar. - disse meu amigo.
- O que aprontou desta vez? - perguntei, já esperando má notícia.
- Mandei um convite de seu casamento para alguém. - confessou-me.
- Ora, pode convidar quem você quiser. - respondi aliviado.
- Mandei o convite para o professor Moriarty. - prosseguiu ele.
Não consegui disfarçar meu olhar assustado.
- Eu sabia que você não ia gostar. - concluiu meu amigo.
- O que pretende Holmes? - perguntei-lhe.
- Tenho certeza de que ele não irá comparecer; só quero testá-lo. O que você faria se recebesse um convite de casamento de uma pessoa que você não conhece? - instigou-me.
- Acharia que foi um engano e iria ignorar. - respondi-lhe.
- Exato Watson. Agora, se esse professor for um conhecido nosso, vai saber que já estou atrás dele e vai entender a minha provocação. - explicou-me.
- Esse assunto me dá calafrios. Eu sinto que isso não vai acabar bem. - confidenciei-lhe.
- Ele é muito respeitado no meio acadêmico, mas não permite nem uma foto, nem um retrato, e frequenta apenas festas reservadas. Não seria incrível Watson? Enquanto todos pensam que o chefe do crime organizado é um bandido que se esconde na periferia de Londres, na realidade ele é a pessoa mais insuspeita e improvável da nossa sociedade. - refletiu Holmes.
- Não pode ser Rathe, Holmes! É impossível que ele tenha saído vivo daquele lago congelado. Na certa, os seus restos foram encontrados muito tempo depois e o anel roubado e vendido. - especulei.
- Tomara. - respondeu-me, sem acreditar.
Depois do almoço, meu amigo voltou para o nosso apartamento e fui a casa de minha noiva; quando contei-lhe sobre o presente, sua alegria a fez parecer uma menina.
Os dias se passaram rapidamente e eu e Mary tivemos sossego para cuidar dos últimos detalhes do nosso casamento, sem tiros, sem sequestros e sem bandidos. Os policiais continuavam fazendo nossa segurança.
Holmes quase não parou em casa, saindo constantemente para investigar o tal professor que, estranhamente, me enviou flores e uma mensagem de desculpas por não poder comparecer em meu casamento e desejando felicidades ao casal.
Meu amigo identificou a letra como sendo feminina, portanto, não escrita pelo próprio professor. A desconfiança de Holmes aumentou, e agora ele sabia que o professor estava na cidade.
Na véspera do casamento, resolvi dormir cedo para acordar bem disposto e ir buscar meus pais na estação de trem na manhã seguinte.
Holmes havia passado o dia fora, o que me deu uma certa angustia. “Só faltava ele arrumar alguma encrenca no dia do meu casamento.”
Mal entrei em meu quarto, ouvi batidas desesperadas na porta de entrada. Atendi Lestrade e Gregson afobados.
- Onde está Holmes? – perguntaram-me.
- Não sei, passou o dia fora hoje.
- Meu Deus, será que ele caiu na armadilha? – disse apreensivo Gregson.
- Que armadilha? – também me assustei.
- Houve outro assassinato na White House, mas descobrimos que é uma armadilha para Holmes. Quando ele for investigar, será morto. – contou-me Lestrade.
- Enquanto estamos aqui, ele pode já ter ido para lá. – disse Gregson, saindo correndo.
Desesperei-me a correr até a escrivaninha de onde peguei uma arma e também desci para a rua. Os inspetores me esperaram na carruagem e saímos em disparada para o bordel.
Tentei pedir-lhes mais explicações, mas ambos estavam mais preocupados em gritar com o cocheiro para que fosse mais rápido.
Chegando à casa da Senhora Lacey, notei que a mesma parecia estar vazia em plena sexta-feira.
- As pessoas devem ter fugido do assassino. – especulou Gregson.
Mal o coche parou, pulei e entrei correndo na White House, sem esperar os inspetores.
Realmente estava vazia; não havia ninguém no salão. Subi sem pensar pela escada, com a arma em minha mão.
- Socorro! – gritou uma voz feminina de dentro de um dos quartos.
Fui para lá e abri a porta vagarosamente, apontando a arma. Vi a latina amarrada na cama.
- Ajude-me por favor! – pediu-me ela.
Parecia que no quarto estava somente ela.
- Onde está Holmes? – perguntei-lhe assustado enquanto a desamarrava.
Outras senhoritas da casa entraram correndo pelo quarto e trancaram a porta.
- Doutor, está noite será inesquecível. – disse uma delas, enquanto todas as outras começaram a rir.
Nem sei quantas eram, mas vieram todas para cima de mim, fazendo-me cair na cama.
- Senhoritas, não! Pelo amor de Deus, me deixem sair. – implorei.
Eu mal conseguia respirar; me dei conta de que a tal armadilha não era para Holmes, mas para mim.
Enquanto umas garotas me agarravam, me davam beijos e me faziam cócegas, outras estavam tirando minhas calças.
- Socorro, me deixem sair! Não façam isso! Larguem as minhas calças. – gritei bravo.
A porta do quarto estava trancada, mas a janela estava aberta. Era a minha única chance de fugir. Elas já haviam me tirado as calças e agora tentavam despir o resto.
- Senhoritas, vou me casar amanhã, por favor, parem com isso. Socorro! – implorei novamente.
Juntei todas as minhas forças, levantei-me da cama e sai das garras delas. Corri para a janela e pulei para o lado de fora, me apoiando na moldura da parede para saltar do segundo andar para o gramado.
Ao cair no chão, ouvi risos e aplausos. Holmes, Lestrade, Gregson e Mycroft estavam ali, sentados na grama, rolando de rir.
Haviam placas nas mãos deles, nas quais estavam escrevendo algo. Lestrade me ergueu sua placa com o número três, Gregson mostrou-me o número oito. Pareciam que estavam me dando notas. Holmes e Mycroft ergueram suas placas com o número dez.
- Isso foi muita maldade de vocês! – reclamei indignado.
- Maldade? Os inspetores juraram que todo homem casado sonha em ser agarrado por um bando de malucas. – brincou Holmes.
- Ainda não sou casado. – esbravejei.
- E deveria continuar assim! – observou Holmes.
Olhei para a janela, onde estavam algumas das moças rindo.
- Senhoritas, por favor, poderiam devolver minhas calças? – pedi constrangido.
As moças me fizeram sinal negativo com os dedos. Olhei para Holmes muito bravo, o qual se levantou e veio em meu socorro.
- Essas danadas! Eu fui bem claro quando mandei se comportarem com o meu amigo. Devolvam-lhe as calças. – disse ele, fingindo indignação.
As senhoritas jogaram me as calças, as quais me apressei em vestir.
- Em pensar que vim aqui disposto a lhe salvar a vida, Holmes! A vingança é mais doce quando servida fria; eu já deveria imaginar que você logo se vingaria da brincadeira que lhe fiz com a Senhora Reece. – reclamei, enquanto me vestia.
- Isso não foi uma vingança Watson, é a apenas sua festa de último dia de solteiro. O padrinho tem o direito de fazer uma brincadeira neste dia. – explicou ele.
- Vamos entrar e comemorar! – chamou-nos Mycroft.
Holmes havia fechado a White House para festejar a minha despedida de solteiro. A raiva que senti pela brincadeira passou em minutos.
Logo após entramos, começaram a chegar os convidados. As senhoritas da casa dançavam, enquanto os garçons serviam os policiais e colegas médicos. Boa parte deles eram casados e pareciam muito contentes pela oportunidade de conhecerem o famoso bordel, frequentado somente pela alta classe. Não posso nem imaginar as mentiras que inventaram para as esposas para estarem ali.
- Doutor, o senhor seria um excelente amante. Do jeito que pulou a janela, jamais seria pego por um marido. – debochou Gregson.
- Foi um pulo perfeito. Não entendi sua nota três, Lestrade? – comentou Holmes.
- Não vi nada demais no pulo. – esnobou o inspetor.
- Na sua idade é natural não ver nada. Lestrade tem três óculos, um para enxergar de longe, outro para enxergar de perto e outro para procurar os dois primeiros. – brincou meu amigo.
- Não sei qual de vocês dois tem mais medo de mulher! – provocou Lestrade, olhando para Holmes e eu.
- E você não tem medo de nada, inspetor, nem de dragão. Por isso se casou com um! – retrucou Holmes.
Lestrade afogou-se com a bebida.
- Foi um belíssimo pulo, Doutor. Nem Sherlock pularia com tanta elegância! – cumprimentou-me Mycroft.
- Meu caro, eu jamais pularia a janela. – rebateu Holmes.
- E o que você faria Holmes? – indaguei.
- Eu jogaria elas pela janela! – respondeu-me.
Rimos muito porque sabíamos que era verdade; meu amigo realmente jogaria uma a uma das mulheres pela janela, sem a menor delicadeza.
Passamos a noite conversando, rindo e bebendo muito. Voltei para o apartamento me apoiando em Holmes; mal conseguia parar em pé de tão bêbado.
Senhora Evelyn teve trabalho em me acordar pela manhã, para que eu fosse buscar meus pais na estação. Quando retornei com eles, Holmes já havia saído.
Chegou a hora de irmos para igreja e nada de Holmes aparecer. Esperei o máximo que pude e meus pais me alertaram o quanto seria inapropriado chegar depois da noiva.
“Onde ele foi?”, pensei entrando na igreja, que já estava toda ocupada pelos meus amigos médicos, enfermeiros, pacientes e policiais.
Cumprimentei as senhoras Evelyn e Reece que estavam logo à frente do altar e Mycroft sentado no fundo da igreja.
Mary escolheu como padrinhos a Senhora Cecil e seu colega de trabalho de muitos anos, o Senhor Weston.
Meu padrinho era Holmes e minha madrinha a Senhora Hudson, a qual, em todos esses anos, sempre tratou a mim e ao meu amigo como filhos.
Fui para trás do altar, fora da visão dos convidados, onde comecei a andar de um lado para outro.
- Não fique tão nervoso, filho. - disse o padre sorridente.
- Ele não chega padre! - explodi de impaciência.
- “Ele”? Você quis dizer "ela", a sua noiva, não é? - assustou-se o padre.
Corei de vergonha. Como explicar ao padre que eu tinha certeza da presença de Mary, mas estava preocupado com atraso do meu melhor amigo, a quem eu tinha como irmão.
- "Ela", claro que é “ela”, padre, o que o senhor entendeu? - menti para o padre dentro da igreja.
Ele me olhou meio desconfiado, mas por fim voltou a sorrir, me chamando para tomar meu lugar no altar para receber Mary.
Passei pela Senhora Hudson sozinha, mas sorridente, e pelos meus pais. A música tocou e Mary entrou linda, parecendo um anjo.
“Holmes, como pode não estar aqui agora!”, pensei enquanto olhava para imagem mais encantadora que eu já havia visto em minha vida.
Beijei as mãos de Mary e me virei para o altar, onde me deparei com Holmes, muito elegante e calmo, ao lado da Senhora Hudson. Olhei muito bravo para ele, enquanto me fez uma cara de não estar entendendo.
Enquanto o padre lia as palavras de praxe, aproveitei para tomar satisfações com meu amigo.
- Onde estava? - sussurrei.
Quem me respondeu foi Mary, também sussurrando.
- Foi me buscar.
Esqueci completamente que havíamos combinado que ele traria Mary para a igreja. Nós dois nos olhamos com vontade de rir, mas conseguimos nos conter. Holmes percebeu que eu ainda estava sob os efeitos da minha bebedeira da noite passada.
Terminado a cerimônia, seguimos em carruagens para a recepção em um salão alugado.
Havia muitos convidados para dar atenção e, por um bom tempo, só consegui ver Holmes de longe, sentado na mesa mais discreta no canto do salão, conversando animadamente com Mycroft e Lestrade. Em outra mesa próxima, Lana Reece o observava.
Quando finalmente arrumei um tempo para ir até ele, me permiti uma pequena vingança contra meu amigo; passei na mesa da Senhora Reece e a convidei para vir comigo.
- Cavalheiros, esta é a Senhora Lana Reece. Este é o inspetor Lestrade, este é Senhor Mycroft Holmes e este... - olhei para Holmes rindo - a senhora já conheceu no hospital.
Holmes me olhou bravo, entendendo a minha vingança.
Os senhores, com exceção de meu amigo, se levantaram para cumprimentar a minha convidada.
- Senhora Reece, como vai? Nós nos conhecemos no funeral de seu marido. - lembrou-se Lestrade.
- É um prazer revê-lo, inspetor, e é um prazer conhecê-lo Senhor Holmes. - dirigiu-se a Senhora para o irmão de meu amigo.
- Por favor, me chame por Mycroft. Meu irmão famoso é mais conhecido como Senhor Holmes. - explicou ele.
Lana sentou-se e, muito amável, se voltou para Holmes.
- Senhor Holmes, fiquei muito triste por não ter aceito meu convite para jantar.
- Que crueldade Holmes, como pode causar tristeza a esta encantadora flor? - provocou Lestrade, percebendo o interesse da Senhora Reece.
- Por que a Senhora Lestrade está sentada do outro lado do salão? - perguntei curioso ao inspetor.
- Porque ela não gosta de Holmes. - respondeu Lestrade.
- Também não morro de amores pela cascavel. - emendou meu amigo.
- Você sempre foi muito abusado desde criança, Holmes. Os anos se passaram e você só piorou. - disse Lestrade.
Meu amigo mudou o assunto.
- Watson, recebi hoje pela manhã um telegrama de Irving, nos informando que está muito bem na América. - contou-me Holmes.
Lestrade se afogou com a bebida.
- Irving? Você está falando do índio que matou o legista com uma flecha, o qual a policia está procurando por todos os lugares de Londres? - indagou Lestrade.
- Ele mesmo Lestrade, e é melhor a policia procurar Papai Noel em Londres, já que Irving não vai encontrar. - provocou Holmes.
- Não acredito que ajudou um criminoso a fugir, Holmes! Isto é crime. - esbravejou Lestrade.
- E o que você pretende fazer comigo, Lestrade? Vai me prender junto com todos os assassinos e bandidos que coloquei na prisão? - instigou meu amigo.
Lestrade o encarou bravo por alguns segundos, mas recuperou a calma depois de suspirar profundamente.
- Eu não ouvi o que você disse Holmes, portanto não sei de nada. Doutor Watson, já não teriam inventado algum remédio para egocentrismo crônico? - perguntou-me Lestrade.
- Sinto muito inspetor, meu amigo é um caso perdido. - respondi rindo.
- É apenas uma brincadeira deles, Senhora Reece. Se conhecer melhor Sherlock, verá que é um cavalheiro amável e generoso, além de ser uma mente brilhante. - disse Mycroft com orgulho.
A Senhora abriu um sorriso estonteante.
- Mycroft, quer me defender ou me arrumar confusão? - indignou-se meu amigo.
- O Senhor Mycroft tem razão, Senhora Reece. Holmes só precisa urgentemente de uma esposa que contenha a sua disposição para encrencas. Perdoe-me a intimidade, mas a senhora é muito jovem para ficar tanto tempo viúva; não pensa em se casar novamente? - perguntou o inspetor para irritar meu amigo.
- É claro que penso Senhor Lestrade, e sou uma mulher muito determinada quando quero uma coisa. - respondeu a Senhora, olhando seriamente para Holmes.
Meu amigo olhou furioso para Lestrade e antes que se iniciasse uma discussão, mudei novamente o assunto.
- Onde esteve nestes dias, Holmes? - perguntei ao meu amigo.
- No encalço do professor, onde mais? Devo admitir que ele é muito esperto e sabe se esconder como ninguém. - disse meu amigo desanimado.
- O tal professor Moriarty? Não terá sossego enquanto não encontrá-lo, não é Sherlock? - indagou Mycroft.
- Professor Moriarty? O que quer com ele? - perguntou Senhora Reece.
- A senhora o conhece? - Holmes a encarou com os olhos brilhando.
- Claro, ele e meu falecido marido eram grandes amigos. - respondeu ela, interessada na reação de Holmes.
- Pode me descrevê-lo? - pediu Holmes.
- É um homem velho. - atendeu ela.
- Quanta inteligência! Com esta descrição posso até pintar-lhe o retrato! - Holmes voltou a ser grosseiro.
Senhora Reece afogou-se com o vinho que tomava.
- Perdoe meu irmão, Senhora Reece. Sherlock não tem o costume de ser tão rude. - mentiu Mycroft, repreendendo meu amigo com o olhar.
- Diga-me, onde posso encontrar o professor? - continuou Holmes.
- Vou descobrir isso para você, Sherlock! – respondeu-lhe a Senhora.
Holmes assustou-se com o atrevimento da jovem em lhe chamar pelo primeiro nome. Eu, Lestrade e Mycroft, seguramos a risada.
- É "Senhor Holmes" para a senhora. Já é tarde, hora de ir. - disse meu amigo, parecendo querer fugir dali.
- Vou com você; vamos nos despedir da Senhora Watson. - ajudou Mycroft, entendendo o embaraço do irmão.
Após as despedidas na mesa, onde Holmes respondeu “Adeus” para o “Até breve” da Senhora Reece, eu os acompanhei até Mary.
- Doutor Watson foi abençoado quando a encontrou, Senhora Watson. - disse Mycroft beijando-lhe as mãos.
- Espero vê-lo em breve novamente, Senhor Mycroft. - agradeceu Mary.
Holmes se aproximou amável e também segurou as mãos de minha esposa.
- Mary, querida, cuide bem do nosso James. - disse ele carinhosamente.
- É John, Holmes! - corrigiu ela.
- James ou John, que diferença faz? - sorriu ele, beijando-lhe as mãos.
- Caso sinta minha falta, Holmes, sabe onde me encontrar. - provoquei-lhe.
- Não sentirei Watson, eu tenho o Mingau. - respondeu o mal criado.
- Ah, sim, aquele gato horroroso. - ofendi o seu bicho de estimação.
Holmes sorriu, saindo com Mycroft em direção a uma carruagem.
Capitulo 9 - O Reencontro
Também contei a ela sobre Holmes e a Senhora Reece e rimos muito juntos.
À noite, quando voltei para o apartamento, soube pela Senhora Evelyn que Holmes havia dormido o dia todo com a porta do quarto trancada e que havia saído logo após o jantar.
"Aposto que foi se encontrar com a latina." - pensei.
O medo e agitação da noite anterior me fizeram ter um sono pesado; na madrugada, tive um pesadelo horrível, aonde eu chegava à janela do casarão e via lá embaixo, deitados no gramado, Holmes e Mary se beijando apaixonadamente. Acordei assustado e transpirando muito.
Quando consegui me acalmar, fiquei envergonhado por sentir ciúmes de Holmes fazendo respiração em Mary para lhe salvar a vida.
Na manhã do dia seguinte, estava sentado em nossa sala lendo o jornal, quando meu amigo chegou com um filhote em seus braços.
- É um gato! - fiquei surpreso.
- Dedução brilhante Watson! - brincou ele.
Holmes sentou-se em sua escrivaninha colocando o bicho na mesa. O gato, ainda pequeno, era feio, todo preto. Os olhos amarelos pareciam vesgos e os dentes laterais muito grandes, faziam-no parecer um morcego.
- O que pretende fazer com este animal? - indaguei-lhe.
- Você logo vai se casar e se mudará daqui; preciso arrumar outra companhia. - respondeu ele.
- Ora, minha companhia foi substituída pela a de um gato! Estou lisonjeado pela sua consideração comigo. - fiquei indignado.
- Está com ciúmes Watson? - surpreendeu-se ele.
- Ciúmes é uma palavra que não existe em meu vocabulário. - respondi-lhe com desaforo.
- E a culpa disso é minha. Fui eu quem lhe ensinou a excluir palavras do vocabulário. - continuou ele brincando.
- Pensei que preferisse cachorros e espero que o cão que lhe mordeu não o tenha deixado com traumas. - comentei.
- Continuo gostando de cães. São ótimos farejadores, mas muito dependentes. Gatos são mais limpos, independentes, não se importam quando o dono desaparece por dias e ainda têm sete vidas; vai precisar de todas convivendo comigo. - disse Holmes olhando sério para o felino.
- Onde arrumou esse? - estranhei a feiura do bicho.
- Foi encontrado abandonado por Wiggins, que me ofereceu. - respondeu meu amigo.
- Gatos são geralmente animais bonitos e elegantes, mas perdoe-me a sinceridade, este é feio e esquisito. - confessei-lhe.
- Achei-o simpático. - argumentou meu amigo.
Olhei para Holmes com cara de quem sabia que ele estava mentindo.
- Muito bem, ele realmente é feio, mas é um macho e isso é o que importa. - concluiu Holmes.
- O que você tem contra as fêmeas? - provoquei.
- Tenho uma coleção de armas e alguns tipos de veneno, mas prometo usar só em último caso. Como está Mary? - perguntou-me.
- Ainda um pouco assustada e com dor de garganta devido a fumaça, mas está bem. - respondi-lhe.
- Não desistiu do casamento? Não percebeu que ser sua noiva é um perigo? - brincou comigo.
- Ainda vamos nos casar, Holmes. Como está seu braço e suas costas? - perguntei-lhe.
- Muito bem. Sabe Watson, estive pensando... Dudley está preso, mas o tal professor, o que encomendou a sua morte, ainda está livre. Acho melhor você e Mary se casarem o mais rápido possível e irem para longe daqui. Eu e Mycroft podemos estabelecer vocês em qualquer lugar que queiram. - ofereceu meu amigo.
- Eu sabia que você diria isto, Holmes, mas já conversei com Mary e decidimos ficar. Aqui é o nosso lar, é aqui que temos nossos amigos e não vamos fugir por causa de um bandido. - disse-lhe decidido.
A criada entrou na sala com uma carta muito perfumada, entregando-a a Holmes.
- Obrigado Senhora Evelyn. - disse meu amigo gentilmente.
- O mensageiro continua lá porta e disse que precisa esperar a resposta. Que gato horroroso Senhor Holmes! - comentou Senhora Evelyn.
- Que bom que gostou dele, Senhora Evelyn! - ironizou meu amigo.
A criada saiu rindo. Meu amigo olhou para carta, amassou-a e jogou no canto da mesa.
- O que foi Holmes? Não vai ler? - estranhei sua atitude.
- A letra é de mulher e a carta está absurdamente perfumada; só pode ser encrenca, melhor deixar pra lá. - explicou ele.
A aversão de meu amigo a mulheres me era compreensível, afinal acompanhei de perto todo o seu sofrimento pela morte de Elizabeth. Perder a mulher que amava foi um duro golpe e ainda mais vê-la morrendo em seus braços por causa de um tiro que era pare ele.
Nesta época, se viciou em drogas para aliviar a dor, só não morrendo de tristeza graças às aventuras que apareceram e desafiaram sua coragem e sua mente genial. Mas, até hoje, ele tem momentos de recaída, nos quais se isola e se droga muito.
Holmes não se achava nem um pouco bonito ou atraente e sua vaidade era totalmente intelectual, mas o fato é que exercia um fascínio sobre as mulheres. Nestes anos todos, muitas senhoritas fizeram loucuras para conquistá-lo e ele teve muito trabalho para se livrar do assédio. Não era à toa que evitava as mulheres.
- Ora, dê-me isso! - fui até a mesa e peguei a carta.
- Watson, acredite em mim, é muito perigoso. - avisou-me.
- “Caro Senhor Holmes. Espero não ter lhe causado má impressão. Aceite minhas sinceras desculpas e meu pedido para vir jantar comigo esta noite. Será uma grande alegria recebê-lo. Aguardo-lhe ansiosa, sua Lana.” - li em voz alta.
- E essa agora! - comentou Holmes olhando para o teto.
- Então, você vai jantar com a “sua Lana”? - perguntei-lhe rindo.
- Obviamente que não. E a culpa de eu ter encontrado essa doida é sua, Watson. - acusou-me.
- Posso lhe garantir que a Senhora Reece é uma criatura encantadora. - discordei dele.
- Não foi você que foi molestado por ela! - falou sussurrando, como se estivesse me contando um segredo.
- Não estou ouvindo nada Holmes, fale mais alto! - provoquei-lhe.
- Vou falar bem alto, Watson, já contou para Mary que na sua adolescência, você foi abusado por doces em um cemitério? - respondeu ele à minha provocação.
- Holmes, seu maluco, o que a senhora Evelyn vai pensar? Não sabe como me arrependo de ter lhe contado sobre a minha alucinação. - fiquei bravo com ele.
- Sua festa com os doces no cemitério lhe fez bem, você emagreceu depois do ataque. - riu ele.
- Você também foi atingido por um espinho naquela noite Holmes, mas nunca me contou sobre a sua alucinação. - perguntei-lhe pela centésima vez.
- Desista Watson, eu nunca vou contar.
Ele pegou um bloco de cartas na gaveta, destacou uma folha e escreveu: “Senhora Reece, impossível jantar com vossa pessoa. Sinto náuseas só em pensar em encontrá-la novamente. Senhor Holmes”.
- Isso foi muito grosseiro! - reclamei.
- Venha, vamos entregar a resposta ao mensageiro e almoçar fora. - convidou-me.
- Hoje não posso, preciso sair e procurar outra casa para alugar; a que eu e Mary havíamos escolhido não deu certo. - contei-lhe.
- Eu vou acompanhá-lo na sua procura. – ofereceu-me.
- Sei! Você quer mesmo é fazer minha segurança pessoal. Não confia mais nem nos policiais. - desconfiei dele.
Acabei aceitando sua companhia e entramos em uma carruagem, após meu amigo entregar sua resposta mal educada para o mensageiro.
Holmes deu um endereço para o cocheiro, provavelmente de algum restaurante.
No caminho contei-lhe que pela manhã, antes dele chegar, um policial veio nos informar que foram encontrados quinze corpos de bandidos no casarão, e o corpo que estava no lago, infelizmente era do Senhor Helge, dono da mansão.
Para a minha surpresa, a carruagem parou em frente à casa que Mary e eu havíamos escolhido, mas que não deu certo alugarmos. Holmes desceu e eu o segui.
- Por que paramos aqui? - achei estranho.
- Vamos entrar, o corretor está a nossa espera. - avisou Holmes.
- Como soube desta casa, Holmes? - perguntei-lhe.
- Os policiais que fizeram a sua escolta no dia em que você esteve aqui com Mary me contaram. - esclareceu.
Um rapaz franzino veio nos receber.
- Senhor Holmes, bom dia, trouxe os documentos que me pediu e eles já foram assinados pelo ex-proprietário, só falta a assinatura do novo dono. - disse o jovem.
- Bom dia Jimy, e obrigado por ter nos trazido os documentos. Este é o Doutor Watson e ele é novo proprietário desta casa. Watson, assine os papéis. - disse-me meu amigo.
- Como assim? - fique surpreso.
- É o meu presente de casamento. Soube o quanto Mary gostou desta casa e já faz tempo que preciso me redimir com ela. Quantas vezes lhe arrastei para minhas aventuras e a deixei lhe esperando como uma tola. - respondeu-me.
- Mary sempre teve muito paciência com nós dois, mas eu não posso aceitar. - fiquei sem palavras.
- Sou seu padrinho, você não pode recusar. Assine logo e vamos almoçar. - pediu-me ele saindo.
Depois de respirar fundo diante da surpresa, assinei e entreguei os documentos para Jimy, que tomaria todas as demais providências. Holmes e eu voltamos para a carruagem.
- Watson, acabei de me lembrar de uma coisa que fiz e acho que você não vai gostar. - disse meu amigo.
- O que aprontou desta vez? - perguntei, já esperando má notícia.
- Mandei um convite de seu casamento para alguém. - confessou-me.
- Ora, pode convidar quem você quiser. - respondi aliviado.
- Mandei o convite para o professor Moriarty. - prosseguiu ele.
Não consegui disfarçar meu olhar assustado.
- Eu sabia que você não ia gostar. - concluiu meu amigo.
- O que pretende Holmes? - perguntei-lhe.
- Tenho certeza de que ele não irá comparecer; só quero testá-lo. O que você faria se recebesse um convite de casamento de uma pessoa que você não conhece? - instigou-me.
- Acharia que foi um engano e iria ignorar. - respondi-lhe.
- Exato Watson. Agora, se esse professor for um conhecido nosso, vai saber que já estou atrás dele e vai entender a minha provocação. - explicou-me.
- Esse assunto me dá calafrios. Eu sinto que isso não vai acabar bem. - confidenciei-lhe.
- Ele é muito respeitado no meio acadêmico, mas não permite nem uma foto, nem um retrato, e frequenta apenas festas reservadas. Não seria incrível Watson? Enquanto todos pensam que o chefe do crime organizado é um bandido que se esconde na periferia de Londres, na realidade ele é a pessoa mais insuspeita e improvável da nossa sociedade. - refletiu Holmes.
- Não pode ser Rathe, Holmes! É impossível que ele tenha saído vivo daquele lago congelado. Na certa, os seus restos foram encontrados muito tempo depois e o anel roubado e vendido. - especulei.
- Tomara. - respondeu-me, sem acreditar.
Depois do almoço, meu amigo voltou para o nosso apartamento e fui a casa de minha noiva; quando contei-lhe sobre o presente, sua alegria a fez parecer uma menina.
Os dias se passaram rapidamente e eu e Mary tivemos sossego para cuidar dos últimos detalhes do nosso casamento, sem tiros, sem sequestros e sem bandidos. Os policiais continuavam fazendo nossa segurança.
Holmes quase não parou em casa, saindo constantemente para investigar o tal professor que, estranhamente, me enviou flores e uma mensagem de desculpas por não poder comparecer em meu casamento e desejando felicidades ao casal.
Meu amigo identificou a letra como sendo feminina, portanto, não escrita pelo próprio professor. A desconfiança de Holmes aumentou, e agora ele sabia que o professor estava na cidade.
Na véspera do casamento, resolvi dormir cedo para acordar bem disposto e ir buscar meus pais na estação de trem na manhã seguinte.
Holmes havia passado o dia fora, o que me deu uma certa angustia. “Só faltava ele arrumar alguma encrenca no dia do meu casamento.”
Mal entrei em meu quarto, ouvi batidas desesperadas na porta de entrada. Atendi Lestrade e Gregson afobados.
- Onde está Holmes? – perguntaram-me.
- Não sei, passou o dia fora hoje.
- Meu Deus, será que ele caiu na armadilha? – disse apreensivo Gregson.
- Que armadilha? – também me assustei.
- Houve outro assassinato na White House, mas descobrimos que é uma armadilha para Holmes. Quando ele for investigar, será morto. – contou-me Lestrade.
- Enquanto estamos aqui, ele pode já ter ido para lá. – disse Gregson, saindo correndo.
Desesperei-me a correr até a escrivaninha de onde peguei uma arma e também desci para a rua. Os inspetores me esperaram na carruagem e saímos em disparada para o bordel.
Tentei pedir-lhes mais explicações, mas ambos estavam mais preocupados em gritar com o cocheiro para que fosse mais rápido.
Chegando à casa da Senhora Lacey, notei que a mesma parecia estar vazia em plena sexta-feira.
- As pessoas devem ter fugido do assassino. – especulou Gregson.
Mal o coche parou, pulei e entrei correndo na White House, sem esperar os inspetores.
Realmente estava vazia; não havia ninguém no salão. Subi sem pensar pela escada, com a arma em minha mão.
- Socorro! – gritou uma voz feminina de dentro de um dos quartos.
Fui para lá e abri a porta vagarosamente, apontando a arma. Vi a latina amarrada na cama.
- Ajude-me por favor! – pediu-me ela.
Parecia que no quarto estava somente ela.
- Onde está Holmes? – perguntei-lhe assustado enquanto a desamarrava.
Outras senhoritas da casa entraram correndo pelo quarto e trancaram a porta.
- Doutor, está noite será inesquecível. – disse uma delas, enquanto todas as outras começaram a rir.
Nem sei quantas eram, mas vieram todas para cima de mim, fazendo-me cair na cama.
- Senhoritas, não! Pelo amor de Deus, me deixem sair. – implorei.
Eu mal conseguia respirar; me dei conta de que a tal armadilha não era para Holmes, mas para mim.
Enquanto umas garotas me agarravam, me davam beijos e me faziam cócegas, outras estavam tirando minhas calças.
- Socorro, me deixem sair! Não façam isso! Larguem as minhas calças. – gritei bravo.
A porta do quarto estava trancada, mas a janela estava aberta. Era a minha única chance de fugir. Elas já haviam me tirado as calças e agora tentavam despir o resto.
- Senhoritas, vou me casar amanhã, por favor, parem com isso. Socorro! – implorei novamente.
Juntei todas as minhas forças, levantei-me da cama e sai das garras delas. Corri para a janela e pulei para o lado de fora, me apoiando na moldura da parede para saltar do segundo andar para o gramado.
Ao cair no chão, ouvi risos e aplausos. Holmes, Lestrade, Gregson e Mycroft estavam ali, sentados na grama, rolando de rir.
Haviam placas nas mãos deles, nas quais estavam escrevendo algo. Lestrade me ergueu sua placa com o número três, Gregson mostrou-me o número oito. Pareciam que estavam me dando notas. Holmes e Mycroft ergueram suas placas com o número dez.
- Isso foi muita maldade de vocês! – reclamei indignado.
- Maldade? Os inspetores juraram que todo homem casado sonha em ser agarrado por um bando de malucas. – brincou Holmes.
- Ainda não sou casado. – esbravejei.
- E deveria continuar assim! – observou Holmes.
Olhei para a janela, onde estavam algumas das moças rindo.
- Senhoritas, por favor, poderiam devolver minhas calças? – pedi constrangido.
As moças me fizeram sinal negativo com os dedos. Olhei para Holmes muito bravo, o qual se levantou e veio em meu socorro.
- Essas danadas! Eu fui bem claro quando mandei se comportarem com o meu amigo. Devolvam-lhe as calças. – disse ele, fingindo indignação.
As senhoritas jogaram me as calças, as quais me apressei em vestir.
- Em pensar que vim aqui disposto a lhe salvar a vida, Holmes! A vingança é mais doce quando servida fria; eu já deveria imaginar que você logo se vingaria da brincadeira que lhe fiz com a Senhora Reece. – reclamei, enquanto me vestia.
- Isso não foi uma vingança Watson, é a apenas sua festa de último dia de solteiro. O padrinho tem o direito de fazer uma brincadeira neste dia. – explicou ele.
- Vamos entrar e comemorar! – chamou-nos Mycroft.
Holmes havia fechado a White House para festejar a minha despedida de solteiro. A raiva que senti pela brincadeira passou em minutos.
Logo após entramos, começaram a chegar os convidados. As senhoritas da casa dançavam, enquanto os garçons serviam os policiais e colegas médicos. Boa parte deles eram casados e pareciam muito contentes pela oportunidade de conhecerem o famoso bordel, frequentado somente pela alta classe. Não posso nem imaginar as mentiras que inventaram para as esposas para estarem ali.
- Doutor, o senhor seria um excelente amante. Do jeito que pulou a janela, jamais seria pego por um marido. – debochou Gregson.
- Foi um pulo perfeito. Não entendi sua nota três, Lestrade? – comentou Holmes.
- Não vi nada demais no pulo. – esnobou o inspetor.
- Na sua idade é natural não ver nada. Lestrade tem três óculos, um para enxergar de longe, outro para enxergar de perto e outro para procurar os dois primeiros. – brincou meu amigo.
- Não sei qual de vocês dois tem mais medo de mulher! – provocou Lestrade, olhando para Holmes e eu.
- E você não tem medo de nada, inspetor, nem de dragão. Por isso se casou com um! – retrucou Holmes.
Lestrade afogou-se com a bebida.
- Foi um belíssimo pulo, Doutor. Nem Sherlock pularia com tanta elegância! – cumprimentou-me Mycroft.
- Meu caro, eu jamais pularia a janela. – rebateu Holmes.
- E o que você faria Holmes? – indaguei.
- Eu jogaria elas pela janela! – respondeu-me.
Rimos muito porque sabíamos que era verdade; meu amigo realmente jogaria uma a uma das mulheres pela janela, sem a menor delicadeza.
Passamos a noite conversando, rindo e bebendo muito. Voltei para o apartamento me apoiando em Holmes; mal conseguia parar em pé de tão bêbado.
Senhora Evelyn teve trabalho em me acordar pela manhã, para que eu fosse buscar meus pais na estação. Quando retornei com eles, Holmes já havia saído.
Chegou a hora de irmos para igreja e nada de Holmes aparecer. Esperei o máximo que pude e meus pais me alertaram o quanto seria inapropriado chegar depois da noiva.
“Onde ele foi?”, pensei entrando na igreja, que já estava toda ocupada pelos meus amigos médicos, enfermeiros, pacientes e policiais.
Cumprimentei as senhoras Evelyn e Reece que estavam logo à frente do altar e Mycroft sentado no fundo da igreja.
Mary escolheu como padrinhos a Senhora Cecil e seu colega de trabalho de muitos anos, o Senhor Weston.
Meu padrinho era Holmes e minha madrinha a Senhora Hudson, a qual, em todos esses anos, sempre tratou a mim e ao meu amigo como filhos.
Fui para trás do altar, fora da visão dos convidados, onde comecei a andar de um lado para outro.
- Não fique tão nervoso, filho. - disse o padre sorridente.
- Ele não chega padre! - explodi de impaciência.
- “Ele”? Você quis dizer "ela", a sua noiva, não é? - assustou-se o padre.
Corei de vergonha. Como explicar ao padre que eu tinha certeza da presença de Mary, mas estava preocupado com atraso do meu melhor amigo, a quem eu tinha como irmão.
- "Ela", claro que é “ela”, padre, o que o senhor entendeu? - menti para o padre dentro da igreja.
Ele me olhou meio desconfiado, mas por fim voltou a sorrir, me chamando para tomar meu lugar no altar para receber Mary.
Passei pela Senhora Hudson sozinha, mas sorridente, e pelos meus pais. A música tocou e Mary entrou linda, parecendo um anjo.
“Holmes, como pode não estar aqui agora!”, pensei enquanto olhava para imagem mais encantadora que eu já havia visto em minha vida.
Beijei as mãos de Mary e me virei para o altar, onde me deparei com Holmes, muito elegante e calmo, ao lado da Senhora Hudson. Olhei muito bravo para ele, enquanto me fez uma cara de não estar entendendo.
Enquanto o padre lia as palavras de praxe, aproveitei para tomar satisfações com meu amigo.
- Onde estava? - sussurrei.
Quem me respondeu foi Mary, também sussurrando.
- Foi me buscar.
Esqueci completamente que havíamos combinado que ele traria Mary para a igreja. Nós dois nos olhamos com vontade de rir, mas conseguimos nos conter. Holmes percebeu que eu ainda estava sob os efeitos da minha bebedeira da noite passada.
Terminado a cerimônia, seguimos em carruagens para a recepção em um salão alugado.
Havia muitos convidados para dar atenção e, por um bom tempo, só consegui ver Holmes de longe, sentado na mesa mais discreta no canto do salão, conversando animadamente com Mycroft e Lestrade. Em outra mesa próxima, Lana Reece o observava.
Quando finalmente arrumei um tempo para ir até ele, me permiti uma pequena vingança contra meu amigo; passei na mesa da Senhora Reece e a convidei para vir comigo.
- Cavalheiros, esta é a Senhora Lana Reece. Este é o inspetor Lestrade, este é Senhor Mycroft Holmes e este... - olhei para Holmes rindo - a senhora já conheceu no hospital.
Holmes me olhou bravo, entendendo a minha vingança.
Os senhores, com exceção de meu amigo, se levantaram para cumprimentar a minha convidada.
- Senhora Reece, como vai? Nós nos conhecemos no funeral de seu marido. - lembrou-se Lestrade.
- É um prazer revê-lo, inspetor, e é um prazer conhecê-lo Senhor Holmes. - dirigiu-se a Senhora para o irmão de meu amigo.
- Por favor, me chame por Mycroft. Meu irmão famoso é mais conhecido como Senhor Holmes. - explicou ele.
Lana sentou-se e, muito amável, se voltou para Holmes.
- Senhor Holmes, fiquei muito triste por não ter aceito meu convite para jantar.
- Que crueldade Holmes, como pode causar tristeza a esta encantadora flor? - provocou Lestrade, percebendo o interesse da Senhora Reece.
- Por que a Senhora Lestrade está sentada do outro lado do salão? - perguntei curioso ao inspetor.
- Porque ela não gosta de Holmes. - respondeu Lestrade.
- Também não morro de amores pela cascavel. - emendou meu amigo.
- Você sempre foi muito abusado desde criança, Holmes. Os anos se passaram e você só piorou. - disse Lestrade.
Meu amigo mudou o assunto.
- Watson, recebi hoje pela manhã um telegrama de Irving, nos informando que está muito bem na América. - contou-me Holmes.
Lestrade se afogou com a bebida.
- Irving? Você está falando do índio que matou o legista com uma flecha, o qual a policia está procurando por todos os lugares de Londres? - indagou Lestrade.
- Ele mesmo Lestrade, e é melhor a policia procurar Papai Noel em Londres, já que Irving não vai encontrar. - provocou Holmes.
- Não acredito que ajudou um criminoso a fugir, Holmes! Isto é crime. - esbravejou Lestrade.
- E o que você pretende fazer comigo, Lestrade? Vai me prender junto com todos os assassinos e bandidos que coloquei na prisão? - instigou meu amigo.
Lestrade o encarou bravo por alguns segundos, mas recuperou a calma depois de suspirar profundamente.
- Eu não ouvi o que você disse Holmes, portanto não sei de nada. Doutor Watson, já não teriam inventado algum remédio para egocentrismo crônico? - perguntou-me Lestrade.
- Sinto muito inspetor, meu amigo é um caso perdido. - respondi rindo.
- É apenas uma brincadeira deles, Senhora Reece. Se conhecer melhor Sherlock, verá que é um cavalheiro amável e generoso, além de ser uma mente brilhante. - disse Mycroft com orgulho.
A Senhora abriu um sorriso estonteante.
- Mycroft, quer me defender ou me arrumar confusão? - indignou-se meu amigo.
- O Senhor Mycroft tem razão, Senhora Reece. Holmes só precisa urgentemente de uma esposa que contenha a sua disposição para encrencas. Perdoe-me a intimidade, mas a senhora é muito jovem para ficar tanto tempo viúva; não pensa em se casar novamente? - perguntou o inspetor para irritar meu amigo.
- É claro que penso Senhor Lestrade, e sou uma mulher muito determinada quando quero uma coisa. - respondeu a Senhora, olhando seriamente para Holmes.
Meu amigo olhou furioso para Lestrade e antes que se iniciasse uma discussão, mudei novamente o assunto.
- Onde esteve nestes dias, Holmes? - perguntei ao meu amigo.
- No encalço do professor, onde mais? Devo admitir que ele é muito esperto e sabe se esconder como ninguém. - disse meu amigo desanimado.
- O tal professor Moriarty? Não terá sossego enquanto não encontrá-lo, não é Sherlock? - indagou Mycroft.
- Professor Moriarty? O que quer com ele? - perguntou Senhora Reece.
- A senhora o conhece? - Holmes a encarou com os olhos brilhando.
- Claro, ele e meu falecido marido eram grandes amigos. - respondeu ela, interessada na reação de Holmes.
- Pode me descrevê-lo? - pediu Holmes.
- É um homem velho. - atendeu ela.
- Quanta inteligência! Com esta descrição posso até pintar-lhe o retrato! - Holmes voltou a ser grosseiro.
Senhora Reece afogou-se com o vinho que tomava.
- Perdoe meu irmão, Senhora Reece. Sherlock não tem o costume de ser tão rude. - mentiu Mycroft, repreendendo meu amigo com o olhar.
- Diga-me, onde posso encontrar o professor? - continuou Holmes.
- Vou descobrir isso para você, Sherlock! – respondeu-lhe a Senhora.
Holmes assustou-se com o atrevimento da jovem em lhe chamar pelo primeiro nome. Eu, Lestrade e Mycroft, seguramos a risada.
- É "Senhor Holmes" para a senhora. Já é tarde, hora de ir. - disse meu amigo, parecendo querer fugir dali.
- Vou com você; vamos nos despedir da Senhora Watson. - ajudou Mycroft, entendendo o embaraço do irmão.
Após as despedidas na mesa, onde Holmes respondeu “Adeus” para o “Até breve” da Senhora Reece, eu os acompanhei até Mary.
- Doutor Watson foi abençoado quando a encontrou, Senhora Watson. - disse Mycroft beijando-lhe as mãos.
- Espero vê-lo em breve novamente, Senhor Mycroft. - agradeceu Mary.
Holmes se aproximou amável e também segurou as mãos de minha esposa.
- Mary, querida, cuide bem do nosso James. - disse ele carinhosamente.
- É John, Holmes! - corrigiu ela.
- James ou John, que diferença faz? - sorriu ele, beijando-lhe as mãos.
- Caso sinta minha falta, Holmes, sabe onde me encontrar. - provoquei-lhe.
- Não sentirei Watson, eu tenho o Mingau. - respondeu o mal criado.
- Ah, sim, aquele gato horroroso. - ofendi o seu bicho de estimação.
Holmes sorriu, saindo com Mycroft em direção a uma carruagem.
Capitulo 9 - O Reencontro

O trabalho Fanfic Young Sherlock Holmes - O Reinicio de Morcega Luana foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada.
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