Filme: Young Sherlock Holmes
Ano: 1985
Roteiro: Chris Columbus e Arthur Conan Doyle (personagens)
Direção: Barry Levinson
Produção: Steven Spielberg, Marck Johnson e Henry Winkler


domingo, 7 de abril de 2013

Capitulo 13 - A mulher no espelho

Na viagem de volta, não consegui mais esconder minha aflição.
- Pobre criança! Não consigo parar de pensar nela. O que terá lhe acontecido?
- Já avisaram o pai sobre o sequestro da filha? – perguntou Holmes a Gregson.
- Ainda não e provavelmente ele nem se importe. Lestrade me contou que os vizinhos lhe informaram que a menina era constantemente espancada por ele. Vou levar vocês dois à Baker Street e depois irei avisá-lo. – respondeu-nos Gregson.
- Meu Deus, não é a toa que a criança vivia nas ruas. – fiquei chocado.
- Gregson, nós vamos com você até a casa dele. – pediu Holmes.
Não sei se foi uma boa ideia. Sem conhecer o sujeito, eu já tinha raiva dele.
O bairro, mesmo de periferia, não era de todo ruim, comparado com outros que conheci. Descemos em frente a uma casa muito pequena e ouvimos o choro de um bebê vindo lá de dentro. Gregson bateu à porta.
- Entrem. – gritou um homem.
O inspetor abriu a porta e fomos entrando no pequeno cômodo. O homem, que cheirava a bebida, apareceu para nos atender.
- Quem são vocês? – perguntou com ar de cansado.
- Sou da policia, senhor, e infelizmente lhe trouxe más noticias. Sua filha foi sequestrada esta noite. – contou Gregson, sem muita delicadeza.
- Sequestrada? Quem iria querer aquela peste? – estranhou o pai.
- O senhor já havia sido informado que a sua filha foi testemunha de um crime e acreditamos que ela tenha sido sequestrada pelo autor. – explicou o inspetor.
- Isso não teria acontecido se ela estivesse dentro de casa. – disse o pai, parecendo não se importar.
O bebê não parava de chorar.
- A criança está com algum problema? – perguntei, incomodado com o choro.
- Não, é só manha. – respondeu o pai.
- Sou médico, posso dar uma olhada? – ofereci-me.
O homem me olhou meio desconfiado.
- Ele é um excelente médico, posso lhe garantir. – confirmou o inspetor.
- Entre, ela está no quarto. – permitiu o pai.
Gregson continuou a conversar com o dono da casa na sala, enquanto eu fui para o quarto, seguido por Holmes.
Encontrei o berço simples onde estava um bebê de uns três meses e passei a examiná-lo, enquanto Holmes observava o pequeno quarto.
Ao lado do berço, havia uma cama rústica; à nossa frente havia um grande espelho e atrás de nós, um pequeno armário. No lençol da cama, bem no centro, havia uma mancha de cor marrom muita clara, que chamou a atenção de meu amigo.
- É sangue lavado! – observou Holmes, bem de perto.
- O recém-nascido está limpo e bem alimentado. – comentei, após examinar a criança.
Passei a fazer massagem na barriga do bebê para acalmá-lo. Encontrá-lo tão bem cuidado me foi um alivio, depois de saber que irmã era espancada.
De repente, uma imagem muito nítida de uma mulher surgiu no espelho a minha frente. Pude vê-la perfeitamente, como se ela estivesse ali, próxima a mim, mas não havia mulher nenhuma no quarto. Era apenas uma imagem no espelho. 
Pulei para trás de susto e a imagem desapareceu; foi uma visão de segundos.
Holmes parecia calmo, ainda observando a mancha.
- Eu também vi Watson. – confessou-me tranquilo.
Em seguida, foi até o espelho e o olhou de perto.
- O que foi isso Holmes? – perguntei ainda assustado.
- Não faço ideia, meu caro. – respondeu pensativo.
A criança dormiu; era uma menina linda.
Holmes e eu voltamos para a sala, onde o pai explicava a Gregson sobre as fugas de sua filha mais velha.
- Desde que a mãe morreu no parto da minha caçula de três meses, Ivy passou a querer viver nas ruas. Já perdi as contas de quantas vezes fui buscá-la e a trouxe para casa a força. – contou o pai.
- Nós soubemos que o senhor costuma espancá-la. – questionou Gregson.
O senhor ficou completamente sem jeito.
- Não é bem assim. Eu tive que lhe bater algumas vezes porque, além de roubar pessoas, ela deu para querer me roubar a irmã menor e levar para viver nas ruas com ela. Eu presto serviços de jardineiro para as famílias ricas da Trafalgar Square e tenho que levar o bebê junto e ficar de olho, senão Ivy me rouba a irmã. – explicou o pai.
- Então é por isso que a menina fica rondando pela praça. – especulei.
- Bem, já vamos. Se tivermos noticias de sua filha, lhe avisaremos. – despediu-se o inspetor.
- Como está o bebê, Doutor? – perguntou-me o pai.
- Ela está muito bem; não era nada. – respondi, me dirigindo a porta.
Holmes fez um aceno com a cabeça e também saiu.
No coche, indo para a casa, a imagem que apareceu no espelho estava me perturbando.
- Está tudo bem, Doutor? Está branco! Pare que viu um fantasma! – estranhou-me Gregson.
Holmes, que permaneceu calado o tempo todo, me olhou com um sorriso no canto dos lábios. Eu não poderia contar ao inspetor que eu realmente havia visto um fantasma; ele jamais acreditaria.
Despedimo-nos de Gregson e entramos em nosso apartamento. Holmes foi direito para o quarto enquanto eu fui até o nosso bar e me servi de um copo de uísque.
Estranhei meu amigo estar tão calado e fui ver se estava tudo bem. Entrei em seu quarto sem bater na porta e ele já havia tirado o casaco, a gravata e arregaçava as mangas de sua camisa para se aplicar uma injeção de estupefaciente na veia.
- O que quer Watson? – perguntou-me calmo.
- Já lhe pedi tantas vezes para que pare com isso. É perigoso Holmes! – reclamei.
- Hoje eu preciso. – disse-me, se atirando na cama com o olhar petrificado, depois da aplicação.
- Por que ao invés de se drogar, você não conversa? – insisti.
- Tem um assassino lá fora que pode matar sabe se lá mais quantas vitimas, e eu estou aqui, sem saber onde procurar uma pista para pegá-lo, dependendo de um senhor simples para encontrar o tal cocheiro. – respondeu-me tranquilo, já sob os efeitos da droga.
Olhei para ele sem saber o que falar. Para uma mente brilhante como a dele, depender de circunstâncias para continuar a investigar um caso, era insuportável. 
Não havia nada que eu pudesse fazer, então o deixei em sua depressão.
Ele só foi sair do quarto na segunda-feira e, para minha surpresa, estava animado. Sentou-se a mesa do café da manhã e serviu-se rapidamente.
- Como pude ser tão estúpido! A criança nos contou que a carruagem era grande e nova. – comentou.
- Há muitas carruagens grandes em Londres. – não entendi seu comentário.


- Mas nova não. Quantas carruagens são vendidas por dia? Os mais ricos da cidade compram sua carruagens na London Firme. Vamos até lá pedir uma relação de quem comprou carruagens nas últimas semanas e teremos uma lista de suspeitos. Então levaremos o senhor que viu o cocheiro até os nossos suspeitos e encontraremos o cocheiro. – disse-me confiante.
- É um bom plano. Preciso ir ao meu consultório na parte da manhã, mas estarei livre à tarde. Se puder, passe aqui para me buscar. – pedi-lhe.
- Até à tarde, meu caro. – saiu, sem terminar de tomar o café.
A manhã demorou em passar e eu não via a hora de me encontrar com meu amigo para prosseguir na investigação. A companhia dele era um alívio para a dor de minha recente viuvez.
À tarde, como combinado, ele veio me buscar em nosso apartamento, acompanhado por Lestrade e pelo filho da primeira vítima.
Passamos à tarde toda visitando os endereços das pessoas relacionados pelo vendedor da fabricante de carruagens; Holmes havia conseguindo a lista pela manhã.
- O próximo endereço é o de uma empresa, uma sociedade de importação de pedras preciosas da Turquia. – disse Holmes.
- Uma empresa? Acho que podemos pular esse endereço. Empresas não têm mulheres ricas que precisam de chás. – sugeriu Lestrade.
- Todas as carruagens novas precisam ser investigadas. – retrucou Holmes.
Paramos em frente a uma loja de joias, sede da tal empresa. O inspetor se apresentou ao atendente e pediu que um dos sócios fosse chamado.
O Senhor Robert Creel nos recebeu em seu escritório, no segundo andar da loja.
- Em que posso ajudá-los? – cumprimentou-nos de forma simpática.
- Sou da policia e estamos à procura de um cocheiro, suspeito de cometer um crime. Sabemos que a sua empresa adquiriu uma carruagem a pouco tempo. O senhor tem cocheiro particular? – perguntou Lestrade.
- Temos um cocheiro e uma carruagem usada para o transporte de nossas pedras preciosas. – contou o senhor.
- Só o cocheiro usa a carruagem? – continuou o inspetor.
- Eventualmente os sócios da empresa também a usam; nós somos em cinco. – mencionou o proprietário.
- As esposas dos sócios também costumam precisar dos serviços do cocheiro? – perguntou Holmes.
- Raramente. – indagou Senhor Creel.
- Precisamos dar uma olhada na sua carruagem e conhecer o cocheiro. – pediu Holmes.
O homem pareceu-nos curioso.
- Poderiam me explicar o que está acontecendo? Nossa empresa é idônea e somos pessoas de bem.
- E não temos dúvida disso senhor. Apenas precisamos de sua colaboração; é só nos mostrar a carruagem e nos apresentar seu cocheiro. – reforçou Lestrade.
- Está bem, venham! A carruagem está guardada aqui ao lado e o cocheiro deve estar lá. – consentiu o senhor de forma simpática.
Descemos por uma escada que nos levou a uma cocheira nos fundos da loja.
Cuidando dos cavalos, estava um senhor de estatura muito baixa. Eu e Holmes nos olhamos desanimados; o homem que vimos na praça sequestrando a criança era bem alto.
Porém, a reação do filho da primeira vítima foi bem diferente.
- É ele! Foi ele quem matou minha mãe! – gritou, apontando para o cocheiro.
Eu e Holmes nos olhamos novamente, agora surpresos.
- O senhor está preso! – disse Lestrade ao cocheiro – Terá que nos acompanhar até a sede da policia.
- O que é isso! Eu não fiz nada! – defendeu-se o cocheiro em pânico.
- Covarde! Porque matou minha mãe? Porque cortou lhe a cabeça? – disse o filho querendo avançar sobre cocheiro.
Holmes e eu tivemos que segurá-lo.
- Do que ele está falando? Senhor Creel, por favor, me ajude. – pediu o homem.
Senhor Creel, ao nosso lado, parecia estar chocado.
- Se acalmem todos e vamos para a sede. Lá vamos esclarecer os fatos. – informou Lestrade.
- Eu vou acompanhá-los. Preciso entender o que está acontecendo. – pediu o sócio.
Antes de sairmos, Holmes examinou atentamente a carruagem. Eram várias as pegadas na posição em que ficava o cocheiro, e estavam sobrepostas. 
- Há pegadas de quatro homens, e só uma das pegadas é de pés pequenos. Veja, são as do cocheiro com certeza. - mostrou-me meu amigo.

Na cabine, Holmes tirou de seu bolso interno um tubo de vidro contendo uma substância inventada por ele. Após respingar a substância em vários pontos da cabide e analisar o local com sua lupa, meu amigo me olhou com seu sorriso no canto dos lábios.
- Vê essas manchas azuis, Watson? É sangue! A carruagem foi bem lavada, mas este composto consegue identificar sangue mesmo em superfícies já limpas. E pela quantidade de manchas, não há dúvida que houve uma ou várias pessoas ensanguentadas aqui dentro. - revelou Holmes.
Eu, Holmes e o filho da senhora assassinada, seguimos para a sede da policia conduzindo a carruagem particular, que seria apreendida, enquanto Lestrade, Senhor Creel e o cocheiro foram em um coche alugado.
Chegando todos na sala da sede da policia, Lestrade começou o interrogatório.
- O senhor confirma que foi buscar uma senhora curandeira, na periferia de Londres, na última noite de quinta-feira? – perguntou ao cocheiro.
- Sim, a Senhorita Riley mandou que eu fosse buscar uma senhora que lhe atende algumas vezes, quando esta indisposta.
- Quem é Senhorita Riley? – continuou Lestrade.
- Ela é sócia em nossa empresa. Pode parecer estranho uma mulher envolvida em nosso negócio, mas ela é sozinha e tem uma grande fortuna. – esclareceu Senhor Creel.
- E porque você matou a senhora que foi atender a Senhorita Riley? – indagou o inspetor ao cocheiro.
- Eu não matei ninguém! – assustou-se – Eu levei a senhora até a mansão da Senhorita Riley e fiquei esperando na cozinha, aguardando ordens para levá-la de volta.
- E o que aconteceu quando a levou embora? – continuou Lestrade.
- Eu não a levei! Quando recebi o recado que poderia levar a senhora para casa, fui até a frente da mansão onde eu havia deixado a carruagem, mas ela não estava mais ali e nem a senhora. – contou o cocheiro, que tremia para falar.
- História esquisita! – reclamou o inspetor.
- A Senhorita Riley e a empregada da casa podem confirmar. Eu voltei para cozinha e contei que a carruagem havia desaparecido e a senhora também não estava na rua. Já era tarde da noite e a Senhorita Riley disse que iria reclamar do roubo na manhã seguinte, mas quando amanheceu, fui à cocheira nos fundos da casa e a carruagem estava lá. – disse o cocheiro, transpirando muito.
- Muito estranho! – não acreditou Lestrade.
Holmes ouvia o depoimento muito pensativo. Era realmente estranho a história do cocheiro e, o fato dele ter a estatura baixa em comparação ao homem que vimos na praça, tornava o caso mais confuso.
- Vou à mansão da Senhorita Riley confirmar sua história e enquanto isso ficará preso para que não fuja. – determinou o inspetor.
- Mas eu sou inocente. Jamais mataria alguém. – protestou o cocheiro, quase chorando e tremendo.
- Podem levá-lo. – ordenou Lestrade a dois policiais.
- Não posso acreditar que havia um assassino trabalhando em minha empresa. – disse chocado o Senhor Creel.
- Ainda não sabemos se ele é o assassino. – comentou Holmes.
- Espero que vocês descubram tudo o mais rápido possível. Estarei à disposição para o que precisarem. – continuou o sócio.
- Obrigado Senhor Creel. Vamos rapazes, já anoiteceu e ainda precisamos ouvir o que a Senhorita Riley tem a nos contar. – convidou-nos Lestrade.
Eu, Holmes e Lestrade pudemos conversar mais a vontade dentro do coche, a caminho da mansão.
- Então, o que acharam do caso até agora? – perguntou-nos o inspetor.
- Sabemos que o assassino da senhora é o mesmo do senhor Heston. Encontramos a carruagem usada para levar a primeira vitima e há marcas de sangue nela. A carruagem é a nossa principal pista; quem estiver ligado a ela, é suspeito. Precisamos descobrir a ligação entre os suspeitos e as duas vítimas. – disse Holmes, como se estivesse pensando alto.
Lestrade abriu um sorriso.
- Para quem não tinha nada hoje de manhã, até que evoluímos nos caso. – disse ele satisfeito.
Graças a Holmes!”, pensei.
- Tudo o que eu queria era encontrar aquela criança viva! – comentei.
- O fato do corpo dela ainda ter aparecido pode ser um bom indicio. – argumentou meu amigo.
- Talvez o corpo nunca apareça. Talvez o assassino não queira mais se arriscar a deixar outro corpo na rua e desta vez oculte o cadáver. – disse Lestrade friamente.
- Também é uma hipótese. – concordou Holmes.
A imagem daquele pequeno rosto em pânico não sairia da minha mente enquanto eu não descobrisse o que aconteceu com ela.
Chegamos à mansão da Senhorita Riley e fomos recebidos por uma governanta grande e forte, que nos chamou a dona da casa.
- Boa noite Senhorita Riley e obrigado por nos receber. – cumprimentou-a Lestrade.
A Senhorita era uma mulher muito bonita, apesar de aparentar mais de quarenta anos. A pele muito clara realçava seus grandes olhos azuis e seus cabelos dourados, longos e cacheados, estavam presos delicadamente na nuca.
- A policia em minha casa? Sentem-se. O que aconteceu? – apresentou-se muito assustada.
- Seu cocheiro é suspeito de um assassinato. – explicou o inspetor.
A senhorita caiu sentada na poltrona que havia atrás.
- Assassinato? – estranhou ela, olhando para a governanta.
- Sim. Na quinta-feira passada, a Senhorita mandou que seu cocheiro fosse buscar uma senhora curandeira para lhe atender? – interrogou o inspetor.
- Sim, sempre que estou indisposta, faço uso dos serviços de uma senhora. Por quê? – indagou.
- Porque esta senhora foi assassinada depois que saiu desta casa. – informou Lestrade.
A senhorita levou sua mão à boca, enquanto arregalou os olhos.
- Meu Deus!
- Pode nos contar o que aconteceu na noite de quinta-feira, quando a Senhorita mandou que o cocheiro fosse buscar a velha senhora? – pediu Lestrade.
- Ela trouxe as suas ervas, me preparou um banho e me fez um chá. Ajudou a me recolher ao meu leito, se despediu e saiu. Mandei minha governanta avisar ao cocheiro para que levasse a senhora para casa. Passou alguns minutos e minha governanta retornou ao quarto, me informando que a carruagem havia desaparecido. Eu ainda estava muito indisposta e confesso que não pude dar atenção naquele momento; apenas respondi que ao amanhecer eu cuidaria do assunto. Nem pensei na velha senhora. Quando acordei pela manhã, minha governanta me informou que a carruagem havia aparecido. – relatou a Senhorita Riley.
A governanta, uma melhor gigantesca com aparência de alemã, estava na sala e acompanhava atentamente a conversa.
- Elisa, conte aos policias como foi o desaparecimento da carruagem. – pediu a Senhorita.
- Eu acompanhei a senhora até a porta e depois fui até a cozinha avisar ao cocheiro para levá-la para casa. Ele saiu, mas retornou em seguida, dizendo que a carruagem não estava mais em nossa porta; havia desaparecido. Foi muito desleixo dele. Eu contei a Senhorita do acontecido, mas ela não estava nada bem. Voltei para a cozinha e disse ao cocheiro que o problema seria resolvido no dia seguinte. Pela manhã, ele apareceu novamente na cozinha contando que havia encontrado a carruagem na cocheira lá nos fundos. – confirmou a governanta, com sotaque alemão.
Lestrade nos olhou desanimado; a história do cocheiro parecia ser verdadeira.
- A Senhorita conhecia o Senhor Heston que foi assassinado? – perguntou-lhe Holmes.
- Fomos apresentados em uma festa há pouco tempo atrás, mas não tínhamos nenhum relacionamento mais intimo. Fiquei sabendo de sua morte. Que horror! Por que me perguntou se o conhecia, policial? – indagou a Senhorita.
Nós não havíamos nos apresentado à senhorita e nos demos conta que a mesma estava pensando que nós três éramos da policia. Lestrade tratou de esclarecer.
- Apenas eu sou policial, Senhorita. Perdoe-nos por não nos apresentarmos! Eu sou o inspetor Lestrade e estes são meus amigos, o detetive Holmes e o médico Doutor Watson.
- É um prazer conhecê-los. - respondeu a dona da casa, com um olhar sedutor para Holmes.
- O prazer é só seu. Podemos dar uma olhada na cocheira? – pediu meu amigo, de forma mal educada e impaciente.
A Senhorita assustou-se com o comportamento grosseiro de Holmes, mas continuou sendo gentil conosco.
- Fiquem à vontade. Elisa vai acompanhá-los.
- Não vamos mais tomar o seu tempo e agradecemos por sua atenção. – despediu-se o inspetor, envergonhado pela estupidez de meu amigo.
- Acha mesmo que o cocheiro de minha empresa é um assassino, inspetor? – perguntou ela a Lestrade.
- Por hora, ele é nosso principal suspeito. – respondeu-lhe.
Seguimos a governanta, passando pela cozinha até os fundos da casa, onde encontramos a cocheira. Demos uma boa olhada por tudo, usando lampiões, e não encontramos nada de suspeito, embora a palha e o escuro no local nos dificultasse encontrar alguma coisa.
Agradecermos e nos despedirmos da criada. 
No coche, retornamos nossos comentários.
- Uma pena as mulheres terem confirmado a história do cocheiro. Eu cheguei a acreditar que ele havia mentido e íamos resolver este caso com a prisão dele. Mesmo assim, muito estranho o sumiço e o aparecimento da carruagem. – disse Lestrade.
- O cocheiro não conseguiria cortar a cabeça de alguém Lestrade. Suas mãos tremem demais quando ele fica nervoso. Não me pareceu uma pessoa fria. – retrucou Holmes.
- O que devo fazer com ele? Devo mantê-lo preso? – perguntou Lestrade.
- Sim, vamos mantê-lo preso para enganar o assassino, mas o mantenha em uma cela própria, sem contato com os criminosos. – respondeu meu amigo, enquanto olhava pela janela do coche.
- Talvez seja mais de um assassino. Quem sabe este cocheiro não agiu com mais alguém? – especulei.
- É uma hipótese, Watson. Vocês notaram o nervosismo da Senhorita? Ela pareceu-me muita assustada. – observou meu amigo.
- As pessoas costumam se assustar com visitas de policiais; sempre somos portadores de más noticias. – minimizou o inspetor.
Estávamos passando pelas proximidades da Praça Berkeley Square, quando Holmes pareceu ter visto algo.
- Pare! – gritou ele.
O cocheiro parou imediatamente, no que meu amigo desceu.
- Veja Watson!
Holmes me apontou uma mulher parada em uma das extremidades na praça. Não entendi o porquê.
- A mulher do espelho! – esclareceu ele.
Olhei atentamente e me surpreendi ao constatar que realmente era ela. Cabelos lisos e negros, muito compridos e soltos, olhos castanhos tristes e a pele mais branca que eu já havia visto. Parecia que estava nos observando.
- Mulher do espelho? Que história é essa? Não estou vendo nada! – disse Lestrade.
Holmes foi caminhando em direção à mulher, que também saiu andando em outra direção. Meu amigo disparou a correr para alcançá-la, no que eu o segui. O inspetor veio logo atrás sem entender nada.
A mulher também correu, e simplesmente desapareceu de nossa visão em frente a uma casa, de número 50.
Eu e Holmes paramos em frente e observamos a casa de quatro andares, de grandes janelas e visivelmente abandonada. Na janela do segundo andar, surgiu novamente o vulto da mulher.
Já se passavam das onze horas da noite, o lugar era assustador e aquela mulher misteriosa me causava arrepios. Como pode sua imagem ter aparecido no espelho daquela casa humilde e como conseguiu desaparecer em frente à casa e surgir no segundo andar tão rápido? Se Holmes não há tivesse visto como eu, eu pensaria estar ficando louco.
- Vocês dois ficaram malucos? O que está acontecendo? – chegou Lestrade, que não conseguiu correr tão rápido como eu e meu amigo.
- Não viu a mulher? – perguntei.
- De que mulher você está falando? – estranhou ele.
- Aquela na janela! – mostrei-lhe.
- Não vejo nada! E o Doutor está querendo me dizer que Holmes correu atrás de uma mulher? Isso seria a coisa mais engraçada do mundo! – brincou o inspetor.
- Você como comediante é um excelente policial, Lestrade. – disse Holmes, atento ao vulto na janela.
Calmamente ele foi andando até a porta de entrada da casa.
- Holmes, essa casa! É a casa 50 da Berkeley! – reconheci a casa misteriosa.
- Obrigado por me informar Watson, mas eu já tinha visto a praça e o número. – agradeceu-me com ironia.
- Esta casa é famosa por ser mal assombrada. – esclareci.
- A porta está aberta. Interessante. – observou ele, entrando na casa.
- E se houver coisas ruins aí dentro? - apavorei-me.
- Vou me apresentar a elas! - respondeu-me Holmes, como de costume.
Depois de um longo suspiro, acabei entrando atrás dele.
No primeiro andar não havia móvel algum. O local estava muito sujo e as paredes em péssimo estado. Holmes conseguiu encontrar um lampião jogado no chão e, após acendê-lo, o lugar parecia ainda mais assustador.
Eu e Lestrade, completamente amedrontados, seguimos Holmes que subiu calmamente para o segundo andar.
A escada de madeira rangia e parecia que ia partir sob nossos pés; era uma casa muito velha.
No segundo andar, o único móvel que encontramos foi um baú deixado em baixo da janela onde havíamos visto o vulto da mulher. Holmes se dirigia a ele para abri-lo quando ouvimos um grito horrível vindo dos andares superiores. Parecia ser um grito de um homem louco e em seguida ouvimos choro de uma criança, mas havia algo de estranho no choro.
Meu amigo retornou para a escada para subir para o andar de cima.
- Holmes, vamos embora. Esse lugar é muito sinistro. – implorei.
- O Doutor tem razão. Esse lugar é mal assombrado, vamos embora! – concordou Lestrade, mais apavorado que eu.
Holmes parecia tranquilo.
- Vocês dois me esperem lá fora. Só vou dar uma olhada. – disse ele.
Tive vontade de segui-lo, mas a escuridão e o choro assustador e muito estranho de criança tiraram toda a minha coragem.
Eu e Lestrade ficamos no total escuro, olhando ao nosso redor, como se a qualquer momento fosse aparecer alguma coisa assustadora.
O choro parou e a casa ficou em um silêncio aterrorizante.
- Onde estará aquela mulher? Será que era um fantasma? E Holmes que não volta! A coragem dele me dá nos nervos! – disse a mim mesmo em voz alta.
- Doutor, vamos sair. – suplicou o inspetor.
- Não posso deixar Holmes! – respondi.
Olhei para o baú e, apesar de apavorado, a curiosidade me levou até ele. Ao abri-lo com muito medo, algo pulou para fora; minha visão escureceu e o susto me fez cair no chão. Em segundos me recuperei e vi que era um menino, o qual saiu correndo pela porta.
Ouvi a escada rangendo e vi Holmes, alguns segundos depois, também passar correndo atrás do garoto.
Levantei-me e sai correndo atrás deles, sendo seguido por Lestrade.
O moleque corria muito rápido. Quando cheguei à porta de entrada da casa, Holmes e a criança já haviam praticamente atravessado toda a praça.
Corri o mais rápido que pude para não perdê-los de vista; o inspetor desistiu. Por algumas ruas, ainda consegui ver Holmes, bem a frente, mas ele acabou desaparecendo.
Sentei-me na rua, mal conseguindo respirar. Já estava velho demais para correr pelas noites de Londres e não tinha mais nervos para tomar sustos.
Fiquei alguns minutos ali sentado, me recuperando, quando vi meu amigo retornando calmamente, trazendo pela camisa um menino que se debatia para tentar lhe escapar.
- Olha só o que eu trouxe para você, Watson. – disse-me ao se aproximar.
Era a menina que havia sido sequestrada, trajando vestes de menino.
- Graças a Deus! Como conseguiu escapar do assassino? – levantei-me demonstrando meu alivio em revê-la.
- Tio, pede para "esse poste" me soltar. – pediu-me a pequena.
Segurei-lhe firme pela mão, enquanto meu amigo lhe soltou a camisa.
- Você está correndo muito perigo; precisa ser protegida. – disse para a menina.
Ela tentou me escapar, mas não conseguiu. Retornamos para o coche com a criança, onde Lestrade estava nos esperando.
- A menina! Está viva! – Lestrade também pareceu muito alegre ao vê-la.
- Vamos para o apartamento, lá conversaremos com ela. – disse Holmes.
No coche, a menina ficou muito brava ao ser colocada entre mim e Holmes. Por garantia, continuei a segurar-lhe pela mão.
- O que havia nos últimos andares da casa, Holmes? – perguntou o inspetor.
- Nada que fosse vivo! – respondeu meu amigo de forma enigmática.
- Aquela mulher era um fantasma, só pode ser. E aquela casa é mal assombrada! – ralhei.
- Mal assombrada? – sorriu Holmes – Posso lhe garantir, meu caro, aquela casa é muito bem assombrada!
- Como pode se esconder naquele lugar? – perguntei à menina.
- Não é da sua conta! – respondeu-me a mal educada.
Já passava da meia-noite quando chegamos ao nosso apartamento. Sentados na sala, tínhamos a difícil tarefa de obter informações da criança.
- Muito bem, filhote de aye-aye, comece a nos contar como conseguiu fugir daquele homem e nem pense em me responder que não é da minha conta! – esbravejou Holmes para a menina.
- O que eu ganho se eu contar? – perguntou atrevida.
- Um bom dinheiro. – respondeu-lhe mais calmo.
Não gostei desse método de Holmes para convencer a criança a falar, afinal ela era uma menina, e não um dos garotos de rua. Mas o fato é que deu certo e ela começou a nos revelar o que lhe aconteceu.
- Depois que vocês capotaram na rua, ele continuou fugindo comigo até que percebeu que vocês não estavam mais atrás da gente. Daí me levou para um bairro de casas bonitas. Quando ia descer do cavalo, o animal enlouqueceu; parecia que estava vendo um fantasma. O cavalo empinou sem parar até derrubar nós dois no chão. Ele me soltou na queda, me levantei rápido e sai correndo. Ele me seguiu, mas eu consegui entrar naquela casa abandonada. Vi pela janela ele me procurando pela rua e ele até chegou a olhar para a casa, mas não teve coragem de entrar.
- Ou achou que você não teria coragem de entrar ali. Só sendo muito louco para entrar naquele lugar, ainda mais a noite. – comentou Lestrade, olhando para Holmes.
- Viu o rosto dele? - perguntou meu amigo à menina.
- Não. – respondeu ela.
- Conseguiria me levar até o local onde ele a levou? –- pediu Holmes.
- Se me pagar, eu levo. – negociou ela.
- Então vamos lá! – disse meu amigo animado.
- Nem pensar Holmes, precisamos descansar! Isso ficará para depois que o dia amanhecer. – protestei.
Lestrade me ajudou.
- Nós não temos a sua energia, Holmes! Preciso de longas horas de sono para me recuperar das corridas e dos sustos que levei.
- Muito bem! – aceitou meu amigo contrariado – Vou levar a garota para a casa do pai, de onde vai nos prometer que não fugirá se quiser ganhar a recompensa.
- Nunca! Eu nunca vou voltar para aquela casa! – gritou a menina.
- É seu pai! – repreendeu-a meu amigo.
- É um monstro! Eu não vou voltar lá! – continuou a gritar a menina, muito decidida.
- Vou falar com seu pai, pequena, e prometo-lhe que ele não vai mais bater em você. – tentei acalmar a menina.
- Eu nunca mais volto lá! – reafirmou a criança o ódio no olhar.
- Lestrade, terá que levá-la com você e vigiá-la. – disse Holmes.
- Nem pensar Holmes! Minha esposa não suporta crianças. – recusou o inspetor.
- É a testemunha de um crime e precisamos dela. Se não vigiá-la, ela fugirá. – retrucou meu amigo.
- Não tenho mais idade para ser babá! E azar o dela se fugir; tem um assassino à solta procurando por ela. – argumentou Lestrade.
- Holmes, ela ficará aqui conosco. É muito mais seguro. – decidi.
- Nem pensar, Watson! Não temos espaço para uma criança aqui. – assustou-se meu amigo.
- Ela ficará em meu quarto e eu colocarei uma cama a mais no seu e dormirei lá. – resolvi o assunto.
O inspetor aplaudiu minha ideia.
- Boa solução Doutor! Vou para casa descansar e amanhã continuaremos a investigar. Tenham uma boa noite, senhores e senhorita. – despediu-se Lestrade, saindo.
Enquanto eu e Holmes discutíamos, a menina olhava para mim e para ele.
- Isso é loucura Watson! Não podemos ficar com ela aqui! – meu amigo estava inconformado.
- Quando você quis esconder aqui o índio que matou o legista, eu aceitei Holmes. – reclamei.
- Esconder um foragido da policia é completamente diferente de esconder uma criança. E esta "miniatura de encrenca” vai fugir na primeira oportunidade. – argumentou ele.
- Tem um assassino atrás dela! – encerrei o assunto.
- Isso não vai prestar! – ralhou ele.
Ajoelhei-me em frente da criança, que estava sentada em uma poltrona.
- Pequena, você ficará aqui conosco e nós vamos protegê-la. – disse-lhe segurando a mão.
- O “poste” vai me proteger? – perguntou-me irônica, olhando para Holmes.
- Acredite querida, dentro daquele "poste", tem uma boa pessoa. – respondi sem pensar.
- Watson! – reclamou meu amigo.
Ignorei Holmes e continuei a conversar com a criança.
- Prometa-me que não vai fugir. – pedi a ela.
- Prometo. – disse ela com uma cara nada confiável.
- Está mentindo! – observou meu amigo.
- Eu acredito nela. – menti sobre minha desconfiança, para conquistar a simpatia da menina.
- Você me deve um bom dinheiro! – disse a pequena à Holmes.
- E você o receberá quando não me for mais útil. – respondeu-lhe meu amigo.
- Isso é coisa que se fale para uma criança! – repreendi Holmes – Querida, precisa de um bom banho, de um prato cheio de sopa e de uma boa noite de sono.
- Você pretende dar banho em uma menina? – riu Holmes.
- Claro que não. Vou acordar a senhora Hudson e lhe pedir ajuda. E vocês dois se comportem até eu voltar.
Sai da sala com certo receio de deixá-los sozinhos; observei que se encaravam como se estivessem se desafiando.
Bati à porta de nossa vizinha, Senhora Hudson, que não demorou em me atender. Apesar do horário inapropriado, ela me recebeu com a gentileza de sempre.
Contei-lhe rapidamente toda a verdade sobre a menina; disse-lhe que teríamos que protegê-la de um assassino e que ela ficaria em meu quarto até resolvermos o caso e, principalmente, que a menina precisava muito de um banho, no qual necessitaríamos de ajuda.
Ela, bondosa como de costume, me ofereceu uma cama que tinha desocupada e aceitou ir até o nosso apartamento ajudar a menina no banho.
Quando entramos na sala, Holmes se levantou para agradecer à nossa vizinha.
- Senhora Hudson, perdoe-nos por incomodá-la tão tarde.
- Vocês dois sabem que podem contar comigo a hora que precisarem. – respondeu-lhe com ternura.
Holmes beijou-lhe as mãos com um sorriso.
Senhora Hudson estranhou a menina estar vestindo roupas de menino.
- Uma menina de calças! Meu amor, o que aconteceu com você?
- Eu gosto de me vestir assim. Eu quero ser menino! – respondeu a criança.
- Ai, ai, ai, isso não pode! Vamos para o banho! Onde estão as roupas limpas dela? – pediu a senhora.
- Nossa, me esqueci deste detalhe! Nós não temos roupas de menina aqui. – olhei para Holmes sem saber o que fazer.
Muito a contragosto, ele veio em meu socorro.
- Por esta noite, ela terá que usar uma camisa minha; amanhã lhe providenciaremos roupas. – resolveu ele.
- Então vamos para a banheira, criança. E vocês dois podem ir ao meu apartamento pegar a cama que vou emprestar ao Doutor. – disse Senhora Hudson, levando pela mão a menina que fazia caretas.
Era visível que meu amigo estava contrariado com a situação, mas depois que entregou uma de suas camisas brancas de seda pura à nossa vizinha, veio me ajudar.
Enquanto arrumávamos a cama em seu quarto, resolvi lhe agradecer por ter aceito a minha vontade em ficar com a criança.
- Obrigado Holmes! Sei que cuidar de uma menina é um sacrifício enorme para você.
- Não se apegue ao "pequeno monstro", Watson. Se isso acontecer, teremos que seguir rumos diferentes em nossas vidas. – disse-me ele muito sério.
- Ela tem pai, Holmes. Ficará aqui só até resolvermos este caso. – respondi-lhe.
Eu também não tinha a menor intenção de adotar uma criança. Minha vontade de ser pai havia morrido junto com Mary.
Ouvimos gritos da menina, que pelo jeito não estava gostando nada do banho.
- Quieta menina! Banho não tira pedaço. – gritou também a Senhora Hudson.
Algum tempo depois, Senhora Hudson e a criança surgiram no quarto de Holmes.
- Olhem só a diferença! Tirei mais sujeira desta menina do que já tirei de minha casa o ano inteiro. – riu Senhora Hudson.
A camisa de seda de Holmes era enorme para o tamanho da criança; parecia uma camisola vestindo a menina. As longas mangas da camisa foram dobradas e mesmo assim, escondia-lhe as pequenas mãos.
A menina estava com cara de brava, mas agora limpa, parecia uma boneca.
- Parece que me enfiaram dentro de um saco! – reclamou ela.
- Um saco de seda pura, querida! Você vai dormir como um anjo está noite. – justifiquei a ela.
- Se quiser Holmes, posso ir amanhã cedo comprar roupas para esta jovem. – ofereceu-se Senhora Hudson.
- Não imagina o imenso favor que nos faria, Senhora Hudson. – agradeceu Holmes aliviado.
- Será um prazer. – sorriu nossa gentil vizinha.
Meu amigo tirou do bolso interno de seu casaco um maço de libras e entregou à senhora para pagar as compras.
- Muito obrigado por tudo; não sei o que faríamos sem a senhora. – Holmes lhe beijou a mão.
- Vocês dois sabem que os tenho como filhos. – disse-nos com carinho.
Também beijei-lhe as mãos e agradeci muito, quando me despedi da Senhora na porta.
A criança, após se alimentar da sopa que eu lhe havia feito, foi para a cama e eu finalmente pude me preparar para dormir.
Holmes ficou na sala fumando seu cachimbo. Eu sabia que ele não ia dormir; ele não conseguia quando queria seguir uma pista.
Apesar de estar muito cansado, também não consegui dormir. Minha recente viuvez ainda me afligia, principalmente à noite, quando mais sentia falta de minha esposa.
De tanto rolar na cama, acabei por adormecer só na madrugada e acordei um pouco tarde. Vesti-me rapidamente e fui ao outro quarto procurar a menina.
Encontrei a Senhora Evelyn o limpando; a mesma me avisou que a criança estava na cozinha com Holmes.
Corri para a cozinha com receio do que encontraria.
Para a minha surpresa, nossa mesa está repleta de doces de todos os tipos.
- O que é tudo isso? São doces? – estranhei.
- Dedução brilhante Watson. – ironizou Holmes.
Meu amigo parecia estar forçando a menina a comer; a coitada estava com a boca tão cheia que mal conseguia mastigar, enquanto ele queria colocar mais doces dentro.
- Vamos, coma! Não tenho o dia todo. Você ainda não experimentou este. – disse ele, tentando colocar um pedaço enorme de torta de chocolate dentro da boca da criança.
- O que está fazendo Holmes? – perguntei, sentando-me ao lado da menina.
- Não é óbvio, Doutor? Quero que a "pigmeia" tenha dor de barriga! – respondeu-me com naturalidade.
O pedaço de torta, de tão grande, ficou boa parte para fora da boca. A pobre criança olhava para mim e para Holmes, conforme discutíamos.
- Isso é uma brincadeira? – perguntei, ainda não entendendo o que ele estava fazendo.
- Brincadeira? Sherlock Holmes brincando? Essa palavra não existe em meu vocabulário, meu caro, e tenho coisas mais importantes para fazer do que me preocupar com esse "filhote de aye-aye" querendo escapar! Quero ver ela pensar em fugir com dor de barriga! – explicou ele.
- Não acredito no que está fazendo Holmes! Isso é crueldade! – fiquei indignado.
- Crueldade seria se eu colocasse uma das minhas experiências no chá dela. O que acha Doutor? – ameaçou ele.
- Você não se atreveria Holmes! – enfrentei ele.
- Não me provoque Watson! – disse-me sério.
Fiquei tão bravo com ele que, sem pensar no que estava fazendo, peguei a xícara que estava a minha frente e lhe joguei o chá no rosto.
- Não acredito que fez isso! – surpreendeu-se, limpando o rosto com o guardanapo.
- Não me provoque Holmes! – disse a ele, com o tom mais sério que pude.
Mal terminei de falar e ele rapidamente também jogou-me o chá de uma xícara que estava a sua frente.
- Ora, seu... – atirei-lhe um pedaço da torta de chocolate.
Ele revidou, me atirando uma torta de creme. Comecei a atirar nele todos os doces que estavam do meu lado na mesa, enquanto ele me atirou os doces que estavam próximos a ele. A menina, ainda com a torta para fora da boca, se defendeu como pode, mas acabou se sujando também.
Enquanto atirávamos doces um no outro, notei que Holmes estava rindo. Percebi o ridículo da situação e também cai na gargalhada.
- Chega Holmes! Você venceu! – disse a ele, rindo muito.
Tive que admitir minha derrota, eu estava muito mais sujo.
- A Senhora Evelyn vai nos matar. Precisamos dar um jeito nesta bagunça. – disse ele preocupado.
Disparamos em limpar rapidamente toda a cozinha, enquanto a criança permaneceu sentada, com o enorme pedaço de torta na boca, sem conseguir mastigá-lo.
- Bom dia rapazes! Eu trouxe... o que aconteceu aqui? – estranhou Senhora Hudson, entrando na cozinha com muitos embrulhos e nos pegando de surpresa.
- Foi ela! – mentiu meu amigo descaradamente, apontando para a menina.
A garota não conseguia falar com a boca cheia; só pode olhar com muita raiva para Holmes.
- Mas que bagunceira! - disse Senhora Hudson com o olhar de reprovação – Vamos para o quarto para eu lhe mostrar seus vestidos de princesa.
A menina fez careta de quem não gostou. Tirei-lhe o pedaço de torta que não cabia em sua boca e senhora Hudson a levou pela mão para o quarto.
Eu e Holmes terminamos de limpar a cozinha e a Senhora Evelyn nem desconfiaria da molecagem que fizemos ali.
Fomos para sala, onde sentei-me para ler o jornal e Holmes foi para sua escrivaninha.
A criança veio para sala arrumada em um belo vestido rosado, com os cabelos agora bem cortados, presos em uma delicada tiara. No entanto, estava com os olhos de choro.
- Ela não está linda? Consegui corta-lhe o cabelo. – chegou Senhora Hudson logo atrás.
- Ela fica melhor de calças. – comentou meu amigo.
- Holmes! – repreendeu nossa vizinha.
- Eu não quero usar isso! – reclamou a menina.
- Mas você está parecendo uma princesa. – tentei consolar.
- Não quero ser menina! – insistiu a garota.
- Aceite que dói menos.aconselhou meu amigo.
- Ah, Holmes! – riu a Senhora Hudson – Se precisarem de mim para qualquer coisa, é só me chamarem.
- Obrigado por tudo, Senhora Hudson. – agradeceu meu amigo.
Acompanhei nossa vizinha até a porta, e também lhe agradeci, beijando-lhe a mão.
- Pronta para me mostrar onde você conseguiu fugir daquele homem? – perguntou Holmes à menina.
- Posso colocar minhas roupas de ontem? – pediu ela a meu amigo.
- Claro que pode! – respondeu ele.
- Claro que não! – precisei intervir, o repreendendo com o olhar.
Ele nem se importou, sua preocupação era outra.
- Nem pense em tentar fugir. Depois de tudo o que comeu agora pouco, eu lhe alcançaria facilmente. Não me obrigue a usar isso! – Holmes mostrou à criança um par de algemas pequenas que estava em seu bolso.
A menina o encarou com despeito.
- Virá conosco Doutor? – perguntou-me.
- Elementar, meu caro. Acha que vou deixar "a pequena" sozinha com você? – respondi-lhe demonstrando toda a minha indignação.
Depois dessa manhã, entendi perfeitamente que teria que ser uma babá para a criança. Além de protegê-la do assassino, precisava protegê-la do meu amigo.
Tomamos uma carruagem e seguimos para a Praça Berkeley, onde havíamos encontrado Ivy. Dali seria possível que ela nos mostrasse a rua onde havia conseguido escapar do assassino.
Na Praça, pude observar novamente a casa abandonada e, em plena luz do dia, continuava assustadora.
A criança ia apontando com a mão pela janela, as ruas por onde a carruagem deveria seguir, e Holmes gritava para o cocheiro.
De repente, a menina se voltou para dentro da carruagem, muito pálida.
- O que foi querida? – perguntei preocupado.
- Acho que vou vomitar! – respondeu-me.
O plano de Holmes estava fazendo efeito. Olhei bravo para ele que parecia não se importar nem um pouco com o mal estar que havia causado a menina.
- Ela não tem condições de continuar Holmes, precisamos levá-la de volta. – reclamei.
- Já estamos chegando Doutor. – retrucou ele.
- Como sabe? – não entendi.
- Eu sei para onde estamos indo. Só preciso que ela me confirme. – respondeu ele.

Capitulo 14 - A rua suspeita

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