Na viagem de volta, não
consegui mais esconder minha aflição.
- Pobre criança! Não
consigo parar de pensar nela. O que terá lhe acontecido?
- Já avisaram o pai
sobre o sequestro da filha? – perguntou Holmes a Gregson.
- Ainda não e
provavelmente ele nem se importe. Lestrade me contou que os vizinhos
lhe informaram que a menina era constantemente espancada por ele. Vou
levar vocês dois à Baker Street e depois irei avisá-lo. –
respondeu-nos Gregson.
- Meu Deus, não é a
toa que a criança vivia nas ruas. – fiquei chocado.
- Gregson, nós vamos
com você até a casa dele. – pediu Holmes.
Não sei se foi uma boa
ideia. Sem conhecer o sujeito, eu já tinha raiva dele.
O bairro, mesmo de
periferia, não era de todo ruim, comparado com outros que conheci.
Descemos em frente a uma casa muito pequena e ouvimos o choro de um
bebê vindo lá de dentro. Gregson bateu à porta.
- Entrem. – gritou um
homem.
O inspetor abriu a
porta e fomos entrando no pequeno cômodo. O homem, que cheirava a bebida, apareceu para nos
atender.
- Quem são vocês? –
perguntou com ar de cansado.
- Sou da policia,
senhor, e infelizmente lhe trouxe más noticias. Sua filha foi
sequestrada esta noite. – contou Gregson, sem muita delicadeza.
- Sequestrada? Quem
iria querer aquela peste? – estranhou o pai.
- O senhor já havia
sido informado que a sua filha foi testemunha de um crime e
acreditamos que ela tenha sido sequestrada pelo autor. – explicou o
inspetor.
- Isso não teria
acontecido se ela estivesse dentro de casa. – disse o pai,
parecendo não se importar.
O bebê não parava de
chorar.
- A criança está com
algum problema? – perguntei, incomodado com o choro.
- Não, é só manha. –
respondeu o pai.
- Sou médico, posso
dar uma olhada? – ofereci-me.
O homem me olhou meio
desconfiado.
- Ele é um excelente
médico, posso lhe garantir. – confirmou o inspetor.
- Entre, ela está no
quarto. – permitiu o pai.
Gregson continuou a
conversar com o dono da casa na sala, enquanto eu fui para o quarto,
seguido por Holmes.
Encontrei o berço
simples onde estava um bebê de uns três meses e passei a
examiná-lo, enquanto Holmes observava o pequeno quarto.
Ao lado do berço,
havia uma cama rústica; à nossa frente havia um grande espelho e
atrás de nós, um pequeno armário. No lençol da cama, bem no centro, havia uma mancha de cor marrom muita clara, que chamou a atenção
de meu amigo.
- É sangue lavado! –
observou Holmes, bem de perto.
- O recém-nascido está
limpo e bem alimentado. – comentei, após examinar a criança.
Passei a fazer massagem
na barriga do bebê para acalmá-lo. Encontrá-lo tão bem cuidado me
foi um alivio, depois de saber que irmã era espancada.
De repente, uma imagem muito nítida de uma mulher surgiu no espelho a minha frente. Pude vê-la
perfeitamente, como se ela estivesse ali, próxima a mim, mas não havia mulher nenhuma no quarto. Era apenas
uma imagem no espelho.
Pulei para trás de susto e a imagem desapareceu; foi uma visão de segundos.
Pulei para trás de susto e a imagem desapareceu; foi uma visão de segundos.
Holmes parecia calmo,
ainda observando a mancha.
- Eu também vi Watson.
– confessou-me tranquilo.
Em seguida, foi até o
espelho e o olhou de perto.
- O que foi isso
Holmes? – perguntei ainda assustado.
- Não faço ideia, meu
caro. – respondeu pensativo.
A criança dormiu; era
uma menina linda.
Holmes e eu voltamos
para a sala, onde o pai explicava a Gregson sobre as fugas de
sua filha mais velha.
- Desde que a mãe
morreu no parto da minha caçula de três meses, Ivy passou a
querer viver nas ruas. Já perdi as contas de quantas vezes fui
buscá-la e a trouxe para casa a força. – contou o pai.
- Nós soubemos que o
senhor costuma espancá-la. – questionou Gregson.
O senhor ficou
completamente sem jeito.
- Não é bem assim. Eu
tive que lhe bater algumas vezes porque, além de roubar pessoas, ela
deu para querer me roubar a irmã menor e levar para viver nas ruas
com ela. Eu presto serviços de jardineiro para as famílias ricas da
Trafalgar Square e tenho que levar o bebê junto e ficar de olho, senão Ivy me rouba a irmã. –
explicou o pai.
- Então é por isso
que a menina fica rondando pela praça. – especulei.
- Bem, já vamos. Se
tivermos noticias de sua filha, lhe avisaremos. – despediu-se o
inspetor.
- Como está o bebê,
Doutor? – perguntou-me o pai.
- Ela está muito bem;
não era nada. – respondi, me dirigindo a porta.
Holmes fez um aceno com
a cabeça e também saiu.
No coche, indo para a
casa, a imagem que apareceu no espelho estava me perturbando.
- Está tudo bem,
Doutor? Está branco! Pare que viu um fantasma! – estranhou-me
Gregson.
Holmes, que permaneceu
calado o tempo todo, me olhou com um sorriso no canto dos lábios. Eu
não poderia contar ao inspetor que eu realmente havia visto um
fantasma; ele jamais acreditaria.
Despedimo-nos de
Gregson e entramos em nosso apartamento. Holmes foi direito para o
quarto enquanto eu fui até o nosso bar e me servi de um copo de
uísque.
Estranhei meu amigo estar
tão calado e fui ver se estava tudo bem. Entrei em seu quarto sem
bater na porta e ele já havia tirado o casaco, a gravata e
arregaçava as mangas de sua camisa para se aplicar uma injeção de
estupefaciente na veia.
- O que quer Watson? –
perguntou-me calmo.
- Já lhe pedi tantas
vezes para que pare com isso. É perigoso Holmes! – reclamei.
- Hoje eu preciso. –
disse-me, se atirando na cama com o olhar petrificado, depois da aplicação.
- Por que ao invés de
se drogar, você não conversa? – insisti.
- Tem um assassino lá
fora que pode matar sabe se lá mais quantas vitimas, e eu estou
aqui, sem saber onde procurar uma pista para pegá-lo, dependendo de
um senhor simples para encontrar o tal cocheiro. – respondeu-me tranquilo, já sob os efeitos da droga.
Olhei para ele sem
saber o que falar. Para uma mente brilhante como a dele, depender de circunstâncias para continuar a investigar um caso, era insuportável.
Não havia nada que eu pudesse fazer, então o deixei em sua depressão.
Não havia nada que eu pudesse fazer, então o deixei em sua depressão.
Ele só foi sair do
quarto na segunda-feira e, para minha surpresa, estava animado.
Sentou-se a mesa do café da manhã e serviu-se rapidamente.
- Como pude ser
tão estúpido! A criança nos contou que a carruagem era grande e nova. –
comentou.
- Mas nova não. Quantas carruagens são vendidas por dia? Os mais ricos da cidade compram sua carruagens na London Firme. Vamos até lá pedir uma relação de quem comprou carruagens nas últimas semanas e teremos uma lista de suspeitos. Então levaremos o senhor que viu o cocheiro até os nossos suspeitos e encontraremos o cocheiro. – disse-me confiante.
- É um bom plano.
Preciso ir ao meu consultório na parte da manhã, mas estarei livre
à tarde. Se puder, passe aqui para me buscar. – pedi-lhe.
- Até à tarde, meu
caro. – saiu, sem terminar de tomar o café.
A manhã demorou em
passar e eu não via a hora de me encontrar com meu amigo para prosseguir na investigação. A companhia dele era um alívio para a dor de minha recente viuvez.
À tarde, como
combinado, ele veio me buscar em nosso apartamento, acompanhado por
Lestrade e pelo filho da primeira vítima.
Passamos à tarde toda
visitando os endereços das pessoas relacionados pelo vendedor da
fabricante de carruagens; Holmes havia conseguindo a lista pela
manhã.
- O próximo endereço
é o de uma empresa, uma sociedade de importação de pedras
preciosas da Turquia. – disse Holmes.
- Uma empresa? Acho que
podemos pular esse endereço. Empresas não têm mulheres ricas que
precisam de chás. – sugeriu Lestrade.
- Todas as carruagens novas precisam ser investigadas. – retrucou Holmes.
Paramos em frente a uma
loja de joias, sede da tal empresa. O inspetor se apresentou ao
atendente e pediu que um dos sócios fosse chamado.
O Senhor Robert Creel
nos recebeu em seu escritório, no segundo andar da loja.
- Em que posso
ajudá-los? – cumprimentou-nos de forma simpática.
- Sou da policia e
estamos à procura de um cocheiro, suspeito de cometer um crime.
Sabemos que a sua empresa adquiriu uma carruagem a pouco tempo. O
senhor tem cocheiro particular? – perguntou Lestrade.
- Temos um cocheiro e
uma carruagem usada para o transporte de nossas pedras preciosas. –
contou o senhor.
- Só o cocheiro usa a
carruagem? – continuou o inspetor.
- Eventualmente os
sócios da empresa também a usam; nós somos em cinco. – mencionou
o proprietário.
- As esposas dos sócios
também costumam precisar dos serviços do cocheiro? – perguntou
Holmes.
- Raramente. –
indagou Senhor Creel.
- Precisamos dar uma
olhada na sua carruagem e conhecer o cocheiro. – pediu Holmes.
O homem pareceu-nos
curioso.
- Poderiam me explicar o que
está acontecendo? Nossa empresa é idônea e somos pessoas de bem.
- E não temos dúvida
disso senhor. Apenas precisamos de sua colaboração; é só nos
mostrar a carruagem e nos apresentar seu cocheiro. – reforçou
Lestrade.
- Está bem, venham! A
carruagem está guardada aqui ao lado e o cocheiro deve estar lá. –
consentiu o senhor de forma simpática.
Descemos por uma escada que
nos levou a uma cocheira nos fundos da loja.
Cuidando dos cavalos,
estava um senhor de estatura muito baixa. Eu e Holmes nos olhamos
desanimados; o homem que vimos na praça sequestrando a criança era
bem alto.
Porém, a reação do
filho da primeira vítima foi bem diferente.
- É ele! Foi ele quem
matou minha mãe! – gritou, apontando para o cocheiro.
Eu e Holmes nos olhamos
novamente, agora surpresos.
- O senhor está preso!
– disse Lestrade ao cocheiro – Terá que nos acompanhar até a
sede da policia.
- O que é isso! Eu não
fiz nada! – defendeu-se o cocheiro em pânico.
- Covarde! Porque matou
minha mãe? Porque cortou lhe a cabeça? – disse o filho querendo avançar sobre cocheiro.
Holmes e eu tivemos que segurá-lo.
Holmes e eu tivemos que segurá-lo.
- Do que ele está
falando? Senhor Creel, por favor, me ajude. – pediu o homem.
Senhor Creel, ao nosso
lado, parecia estar chocado.
- Se acalmem todos e
vamos para a sede. Lá vamos esclarecer os fatos. – informou
Lestrade.
- Eu vou acompanhá-los.
Preciso entender o que está acontecendo. – pediu o sócio.
Antes de sairmos,
Holmes examinou atentamente a carruagem. Eram várias as pegadas na
posição em que ficava o cocheiro, e estavam sobrepostas.
- Há pegadas de quatro homens, e só uma das pegadas é de pés pequenos. Veja, são as do cocheiro com certeza. - mostrou-me meu amigo.
Na cabine, Holmes tirou de seu bolso interno um tubo de vidro contendo uma substância inventada por ele. Após respingar a substância em vários pontos da cabide e analisar o local com sua lupa, meu amigo me olhou com seu sorriso no canto dos lábios.
- Vê essas manchas azuis, Watson? É sangue! A carruagem foi bem lavada, mas este composto consegue identificar sangue mesmo em superfícies já limpas. E pela quantidade de manchas, não há dúvida que houve uma ou várias pessoas ensanguentadas aqui dentro. - revelou Holmes.
- Há pegadas de quatro homens, e só uma das pegadas é de pés pequenos. Veja, são as do cocheiro com certeza. - mostrou-me meu amigo.
Na cabine, Holmes tirou de seu bolso interno um tubo de vidro contendo uma substância inventada por ele. Após respingar a substância em vários pontos da cabide e analisar o local com sua lupa, meu amigo me olhou com seu sorriso no canto dos lábios.
- Vê essas manchas azuis, Watson? É sangue! A carruagem foi bem lavada, mas este composto consegue identificar sangue mesmo em superfícies já limpas. E pela quantidade de manchas, não há dúvida que houve uma ou várias pessoas ensanguentadas aqui dentro. - revelou Holmes.
Eu, Holmes e o filho da
senhora assassinada, seguimos para a sede da policia conduzindo a
carruagem particular, que seria apreendida, enquanto Lestrade, Senhor
Creel e o cocheiro foram em um coche alugado.
Chegando todos na sala
da sede da policia, Lestrade começou o interrogatório.
- O senhor confirma que
foi buscar uma senhora curandeira, na periferia de Londres, na última
noite de quinta-feira? – perguntou ao cocheiro.
- Sim, a Senhorita
Riley mandou que eu fosse buscar uma senhora que lhe atende algumas
vezes, quando esta indisposta.
- Quem é Senhorita
Riley? – continuou Lestrade.
- Ela é sócia em
nossa empresa. Pode parecer estranho uma mulher envolvida em nosso negócio, mas ela
é sozinha e tem uma grande fortuna. – esclareceu Senhor Creel.
- E porque você matou
a senhora que foi atender a Senhorita Riley? – indagou o inspetor
ao cocheiro.
- Eu não matei
ninguém! – assustou-se – Eu levei a senhora até a mansão da
Senhorita Riley e fiquei esperando na cozinha, aguardando ordens para
levá-la de volta.
- E o que aconteceu
quando a levou embora? – continuou Lestrade.
- Eu não a levei!
Quando recebi o recado que poderia levar a senhora para casa, fui até a
frente da mansão onde eu havia deixado a carruagem, mas ela não estava
mais ali e nem a senhora. – contou o cocheiro, que tremia para
falar.
- História esquisita!
– reclamou o inspetor.
- A Senhorita Riley e a
empregada da casa podem confirmar. Eu voltei para cozinha e contei
que a carruagem havia desaparecido e a senhora também não estava na
rua. Já era tarde da noite e a Senhorita Riley disse que iria reclamar
do roubo na manhã seguinte, mas quando amanheceu, fui à cocheira
nos fundos da casa e a carruagem estava lá. – disse o cocheiro,
transpirando muito.
- Muito estranho! –
não acreditou Lestrade.
Holmes ouvia o
depoimento muito pensativo. Era realmente estranho a história do
cocheiro e, o fato dele ter a estatura baixa em comparação ao homem
que vimos na praça, tornava o caso mais confuso.
- Vou à mansão da
Senhorita Riley confirmar sua história e enquanto isso ficará preso
para que não fuja. – determinou o inspetor.
- Mas eu sou inocente.
Jamais mataria alguém. – protestou o cocheiro, quase chorando e tremendo.
- Podem levá-lo. –
ordenou Lestrade a dois policiais.
- Não posso acreditar
que havia um assassino trabalhando em minha empresa. – disse
chocado o Senhor Creel.
- Ainda não sabemos se
ele é o assassino. – comentou Holmes.
- Espero que vocês
descubram tudo o mais rápido possível. Estarei à disposição para
o que precisarem. – continuou o sócio.
- Obrigado Senhor
Creel. Vamos rapazes, já anoiteceu e ainda precisamos ouvir o que a
Senhorita Riley tem a nos contar. – convidou-nos Lestrade.
Eu, Holmes e Lestrade
pudemos conversar mais a vontade dentro do coche, a caminho da
mansão.
- Então, o que acharam
do caso até agora? – perguntou-nos o inspetor.
- Sabemos que o
assassino da senhora é o mesmo do senhor Heston. Encontramos a
carruagem usada para levar a primeira vitima e há marcas de sangue nela. A carruagem é a nossa
principal pista; quem estiver ligado a ela, é suspeito. Precisamos
descobrir a ligação entre os suspeitos e as duas vítimas. –
disse Holmes, como se estivesse pensando alto.
Lestrade abriu um
sorriso.
- Para quem não tinha
nada hoje de manhã, até que evoluímos nos caso. – disse
ele satisfeito.
“Graças a Holmes!”,
pensei.
- Tudo o que eu queria
era encontrar aquela criança viva! – comentei.
- O fato do corpo dela
ainda ter aparecido pode ser um bom indicio. – argumentou meu
amigo.
- Talvez o corpo nunca
apareça. Talvez o assassino não queira mais se arriscar a deixar
outro corpo na rua e desta vez oculte o cadáver. – disse Lestrade
friamente.
- Também é uma
hipótese. – concordou Holmes.
A imagem daquele pequeno rosto em pânico não sairia da minha mente enquanto eu não
descobrisse o que aconteceu com ela.
Chegamos à mansão da
Senhorita Riley e fomos recebidos por uma governanta grande e forte,
que nos chamou a dona da casa.
- Boa noite Senhorita
Riley e obrigado por nos receber. – cumprimentou-a Lestrade.
A Senhorita era uma
mulher muito bonita, apesar de aparentar mais de quarenta anos. A
pele muito clara realçava seus grandes olhos azuis e seus cabelos
dourados, longos e cacheados, estavam presos delicadamente na nuca.
- A policia em minha
casa? Sentem-se. O que aconteceu? – apresentou-se muito assustada.
- Seu cocheiro é
suspeito de um assassinato. – explicou o inspetor.
A senhorita caiu
sentada na poltrona que havia atrás.
- Assassinato? –
estranhou ela, olhando para a governanta.
- Sim. Na quinta-feira
passada, a Senhorita mandou que seu cocheiro fosse buscar uma senhora
curandeira para lhe atender? – interrogou o inspetor.
- Sim, sempre que estou
indisposta, faço uso dos serviços de uma senhora. Por quê? –
indagou.
- Porque esta senhora
foi assassinada depois que saiu desta casa. – informou Lestrade.
A senhorita levou sua
mão à boca, enquanto arregalou os olhos.
- Meu Deus!
- Pode nos contar o que
aconteceu na noite de quinta-feira, quando a Senhorita mandou que o
cocheiro fosse buscar a velha senhora? – pediu Lestrade.
- Ela trouxe as suas
ervas, me preparou um banho e me fez um chá. Ajudou a me
recolher ao meu leito, se despediu e saiu. Mandei minha governanta avisar ao cocheiro para que
levasse a senhora para casa. Passou alguns minutos e minha governanta
retornou ao quarto, me informando que a carruagem havia desaparecido.
Eu ainda estava muito indisposta e confesso que não pude dar atenção
naquele momento; apenas respondi que ao amanhecer eu cuidaria do
assunto. Nem pensei na velha senhora. Quando acordei pela manhã, minha
governanta me informou que a carruagem havia aparecido. – relatou a
Senhorita Riley.
A governanta, uma
melhor gigantesca com aparência de alemã, estava na sala e
acompanhava atentamente a conversa.
- Elisa, conte aos
policias como foi o desaparecimento da carruagem. – pediu a
Senhorita.
- Eu acompanhei a
senhora até a porta e depois fui até a cozinha avisar ao cocheiro para
levá-la para casa. Ele saiu, mas retornou em seguida, dizendo que a
carruagem não estava mais em nossa porta; havia desaparecido.
Foi muito desleixo dele. Eu contei
a Senhorita do acontecido, mas ela não estava nada bem. Voltei para
a cozinha e disse ao cocheiro que o problema seria resolvido no dia
seguinte. Pela manhã, ele apareceu novamente na cozinha contando que
havia encontrado a carruagem na cocheira lá nos fundos. –
confirmou a governanta, com sotaque alemão.
Lestrade nos olhou
desanimado; a história do cocheiro parecia ser verdadeira.
- A Senhorita conhecia
o Senhor Heston que foi assassinado? – perguntou-lhe Holmes.
- Fomos apresentados em
uma festa há pouco tempo atrás, mas não tínhamos nenhum
relacionamento mais intimo. Fiquei sabendo de sua morte. Que horror!
Por que me perguntou se o conhecia, policial? – indagou a
Senhorita.
Nós não havíamos nos
apresentado à senhorita e nos demos conta que a mesma estava pensando que nós
três éramos da policia. Lestrade tratou de esclarecer.
- Apenas eu sou
policial, Senhorita. Perdoe-nos por não nos apresentarmos! Eu sou o
inspetor Lestrade e estes são meus amigos, o detetive Holmes e o
médico Doutor Watson.
- É um prazer
conhecê-los. - respondeu a dona da casa, com um olhar sedutor para Holmes.
- O prazer é só seu. Podemos dar uma
olhada na cocheira? – pediu meu amigo, de forma mal educada e impaciente.
A Senhorita assustou-se com o comportamento grosseiro de Holmes, mas continuou sendo gentil conosco.
A Senhorita assustou-se com o comportamento grosseiro de Holmes, mas continuou sendo gentil conosco.
- Fiquem à vontade.
Elisa vai acompanhá-los.
- Não vamos mais tomar
o seu tempo e agradecemos por sua atenção. – despediu-se o
inspetor, envergonhado pela estupidez de meu amigo.
- Acha mesmo que o
cocheiro de minha empresa é um assassino, inspetor? – perguntou ela a
Lestrade.
- Por hora, ele é nosso principal suspeito. – respondeu-lhe.
Seguimos a governanta,
passando pela cozinha até os fundos da casa, onde encontramos a
cocheira. Demos uma boa olhada por tudo, usando lampiões, e não
encontramos nada de suspeito, embora a palha e o escuro no local nos
dificultasse encontrar alguma coisa.
Agradecermos e
nos despedirmos da criada.
No coche, retornamos nossos comentários.
No coche, retornamos nossos comentários.
- Uma pena as mulheres
terem confirmado a história do cocheiro. Eu cheguei a acreditar que
ele havia mentido e íamos resolver este caso com a prisão dele. Mesmo assim, muito estranho o sumiço e o aparecimento da carruagem. – disse Lestrade.
- O cocheiro não
conseguiria cortar a cabeça de alguém Lestrade. Suas mãos tremem
demais quando ele fica nervoso. Não me pareceu uma pessoa fria. –
retrucou Holmes.
- O que devo fazer com
ele? Devo mantê-lo preso? – perguntou Lestrade.
- Sim, vamos mantê-lo
preso para enganar o assassino, mas o mantenha em uma cela
própria, sem contato com os criminosos. – respondeu meu amigo,
enquanto olhava pela janela do coche.
- Talvez seja mais de
um assassino. Quem sabe este cocheiro não agiu com mais alguém? –
especulei.
- É uma hipótese,
Watson. Vocês notaram o nervosismo da Senhorita? Ela pareceu-me muita assustada. – observou meu amigo.
- As pessoas costumam
se assustar com visitas de policiais; sempre somos portadores de más
noticias. – minimizou o inspetor.
Estávamos passando
pelas proximidades da Praça Berkeley Square, quando Holmes pareceu
ter visto algo.
- Pare! – gritou ele.
O cocheiro parou
imediatamente, no que meu amigo desceu.
- Veja Watson!
Holmes me apontou uma
mulher parada em uma das extremidades na praça. Não entendi o
porquê.
- A mulher do espelho!
– esclareceu ele.
Olhei atentamente e me
surpreendi ao constatar que realmente era ela. Cabelos lisos e
negros, muito compridos e soltos, olhos castanhos tristes e a pele
mais branca que eu já havia visto. Parecia que estava nos
observando.
- Mulher do espelho?
Que história é essa? Não estou vendo nada! – disse Lestrade.
Holmes foi caminhando
em direção à mulher, que também saiu andando em outra direção.
Meu amigo disparou a correr para alcançá-la, no que eu o segui. O
inspetor veio logo atrás sem entender nada.
A mulher também
correu, e simplesmente desapareceu de nossa visão em frente a uma
casa, de número 50.
Eu e Holmes paramos em
frente e observamos a casa de quatro andares, de grandes janelas e
visivelmente abandonada. Na janela do segundo andar, surgiu novamente
o vulto da mulher.
Já se passavam das onze
horas da noite, o lugar era assustador e aquela mulher misteriosa me
causava arrepios. Como pode sua imagem ter aparecido no espelho
daquela casa humilde e como conseguiu desaparecer em frente à casa e
surgir no segundo andar tão rápido? Se Holmes não há tivesse
visto como eu, eu pensaria estar ficando louco.
- Vocês dois ficaram
malucos? O que está acontecendo? – chegou Lestrade, que não
conseguiu correr tão rápido como eu e meu amigo.
- Não viu a mulher? –
perguntei.
- De que mulher você
está falando? – estranhou ele.
- Aquela na janela! –
mostrei-lhe.
- Não vejo nada! E o Doutor está querendo me dizer que Holmes correu atrás de uma
mulher? Isso seria a coisa mais engraçada do mundo! – brincou o
inspetor.
- Você como comediante
é um excelente policial, Lestrade. – disse Holmes, atento ao vulto na janela.
Calmamente ele foi
andando até a porta de entrada da casa.
- Holmes, essa casa! É
a casa 50 da Berkeley! – reconheci a casa misteriosa.
- Obrigado por me
informar Watson, mas eu já tinha visto a praça e o número. –
agradeceu-me com ironia.
- Esta casa é famosa
por ser mal assombrada. – esclareci.
- A porta está aberta. Interessante. – observou ele, entrando na casa.
- E se houver coisas ruins aí dentro? - apavorei-me.
- Vou me apresentar a elas! - respondeu-me Holmes, como de costume.
- E se houver coisas ruins aí dentro? - apavorei-me.
- Vou me apresentar a elas! - respondeu-me Holmes, como de costume.
Depois de um longo suspiro, acabei entrando atrás dele.
No primeiro andar não havia móvel algum. O local estava muito sujo e as paredes em péssimo estado. Holmes conseguiu encontrar um lampião jogado no chão e, após acendê-lo, o lugar parecia ainda mais assustador.
No primeiro andar não havia móvel algum. O local estava muito sujo e as paredes em péssimo estado. Holmes conseguiu encontrar um lampião jogado no chão e, após acendê-lo, o lugar parecia ainda mais assustador.
Eu e Lestrade,
completamente amedrontados, seguimos Holmes que subiu calmamente para o
segundo andar.
A escada de madeira
rangia e parecia que ia partir sob nossos pés; era uma casa muito
velha.
No segundo andar, o
único móvel que encontramos foi um baú deixado em baixo da janela
onde havíamos visto o vulto da mulher. Holmes se dirigia a ele para
abri-lo quando ouvimos um grito horrível vindo dos andares
superiores. Parecia ser um grito de um homem louco e em seguida ouvimos choro de uma
criança, mas havia algo de estranho no choro.
Meu amigo retornou para a
escada para subir para o andar de cima.
- Holmes, vamos embora.
Esse lugar é muito sinistro. – implorei.
- O Doutor tem razão.
Esse lugar é mal assombrado, vamos embora! – concordou Lestrade,
mais apavorado que eu.
Holmes parecia
tranquilo.
- Vocês dois me
esperem lá fora. Só vou dar uma olhada. – disse ele.
Tive vontade de
segui-lo, mas a escuridão e o choro assustador e muito estranho de
criança tiraram toda a minha coragem.
Eu e Lestrade ficamos no total escuro, olhando ao nosso redor, como se a qualquer momento fosse
aparecer alguma coisa assustadora.
O choro parou e a casa
ficou em um silêncio aterrorizante.
- Onde estará aquela
mulher? Será que era um fantasma? E Holmes que não volta! A coragem
dele me dá nos nervos! – disse a mim mesmo em voz alta.
- Doutor, vamos sair. –
suplicou o inspetor.
- Não posso deixar
Holmes! – respondi.
Olhei para o baú e, apesar de apavorado, a
curiosidade me levou até ele. Ao abri-lo com muito medo, algo pulou para fora;
minha visão escureceu e o susto me fez cair no chão. Em segundos me
recuperei e vi que era um menino, o qual saiu correndo pela porta.
Ouvi a escada rangendo e vi Holmes, alguns segundos depois, também passar correndo
atrás do garoto.
Levantei-me e sai
correndo atrás deles, sendo seguido por Lestrade.
O moleque corria muito
rápido. Quando cheguei à porta de entrada da casa, Holmes e a
criança já haviam praticamente atravessado toda a praça.
Corri o mais rápido
que pude para não perdê-los de vista; o inspetor desistiu. Por
algumas ruas, ainda consegui ver Holmes, bem a frente, mas ele acabou
desaparecendo.
Sentei-me na rua, mal
conseguindo respirar. Já estava velho demais para correr pelas
noites de Londres e não tinha mais nervos para tomar sustos.
Fiquei alguns minutos
ali sentado, me recuperando, quando vi meu amigo retornando
calmamente, trazendo pela camisa um menino que se debatia para tentar
lhe escapar.
- Olha só o que eu trouxe
para você, Watson. – disse-me ao se aproximar.
Era a menina que havia
sido sequestrada, trajando vestes de menino.
- Graças a Deus! Como
conseguiu escapar do assassino? – levantei-me demonstrando meu alivio em revê-la.
- Tio, pede para "esse
poste" me soltar. – pediu-me a pequena.
Segurei-lhe firme pela
mão, enquanto meu amigo lhe soltou a camisa.
- Você está correndo
muito perigo; precisa ser protegida. – disse para a menina.
Ela tentou me escapar,
mas não conseguiu. Retornamos para o coche com a criança, onde
Lestrade estava nos esperando.
- A menina! Está viva!
– Lestrade também pareceu muito alegre ao vê-la.
- Vamos para o
apartamento, lá conversaremos com ela. – disse Holmes.
No coche, a menina
ficou muito brava ao ser colocada entre mim e Holmes. Por
garantia, continuei a segurar-lhe pela mão.
- O que havia nos
últimos andares da casa, Holmes? – perguntou o inspetor.
- Nada que fosse vivo! – respondeu meu amigo de forma enigmática.
- Aquela mulher era um
fantasma, só pode ser. E aquela casa é mal assombrada! – ralhei.
- Mal assombrada? –
sorriu Holmes – Posso lhe garantir, meu caro, aquela casa é muito bem
assombrada!
- Como pode se esconder
naquele lugar? – perguntei à menina.
- Não é da sua conta!
– respondeu-me a mal educada.
Já passava da
meia-noite quando chegamos ao nosso apartamento. Sentados na sala,
tínhamos a difícil tarefa de obter informações da criança.
- Muito bem, filhote de aye-aye, comece a nos contar como conseguiu fugir daquele homem e
nem pense em me responder que não é da minha conta! – esbravejou Holmes para a menina.
- O que eu ganho se eu
contar? – perguntou atrevida.
- Um bom dinheiro. –
respondeu-lhe mais calmo.
Não gostei desse
método de Holmes para convencer a criança a falar, afinal ela era
uma menina, e não um dos garotos de rua. Mas o fato é que deu certo
e ela começou a nos revelar o que lhe aconteceu.
- Depois que vocês
capotaram na rua, ele continuou fugindo comigo até que percebeu que
vocês não estavam mais atrás da gente. Daí me levou para um
bairro de casas bonitas. Quando ia descer do cavalo, o animal enlouqueceu; parecia que estava vendo um fantasma. O cavalo empinou sem parar até derrubar nós dois no
chão. Ele me soltou na queda, me levantei rápido e sai correndo.
Ele me seguiu, mas eu consegui entrar naquela casa abandonada. Vi
pela janela ele me procurando pela rua e ele até chegou a olhar para
a casa, mas não teve coragem de entrar.
- Ou achou que você
não teria coragem de entrar ali. Só sendo muito louco para entrar
naquele lugar, ainda mais a noite. – comentou Lestrade, olhando
para Holmes.
- Viu o rosto dele? -
perguntou meu amigo à menina.
- Não. – respondeu
ela.
- Conseguiria me levar
até o local onde ele a levou? –- pediu Holmes.
- Se me pagar, eu levo.
– negociou ela.
- Então vamos lá! –
disse meu amigo animado.
- Nem pensar Holmes, precisamos descansar! Isso ficará para depois que o dia amanhecer. –
protestei.
Lestrade me ajudou.
- Nós não temos a sua
energia, Holmes! Preciso de longas horas de sono para me recuperar das
corridas e dos sustos que levei.
- Muito bem! –
aceitou meu amigo contrariado – Vou levar a garota para a casa do
pai, de onde vai nos prometer que não fugirá se quiser ganhar a
recompensa.
- Nunca! Eu nunca vou
voltar para aquela casa! – gritou a menina.
- É seu pai! –
repreendeu-a meu amigo.
- É um monstro! Eu não
vou voltar lá! – continuou a gritar a menina, muito decidida.
- Vou falar com seu
pai, pequena, e prometo-lhe que ele não vai mais bater em você. –
tentei acalmar a menina.
- Eu nunca mais volto
lá! – reafirmou a criança o ódio no olhar.
- Lestrade, terá que
levá-la com você e vigiá-la. – disse Holmes.
- Nem pensar Holmes!
Minha esposa não suporta crianças. – recusou o inspetor.
- É a testemunha de um
crime e precisamos dela. Se não vigiá-la, ela fugirá. – retrucou
meu amigo.
- Não tenho mais idade
para ser babá! E azar o dela se fugir; tem um assassino à solta
procurando por ela. – argumentou Lestrade.
- Holmes, ela ficará
aqui conosco. É muito mais seguro. – decidi.
- Nem pensar, Watson!
Não temos espaço para uma criança aqui. – assustou-se meu amigo.
- Ela ficará em meu
quarto e eu colocarei uma cama a mais no seu e dormirei lá. –
resolvi o assunto.
O inspetor aplaudiu
minha ideia.
- Boa solução Doutor!
Vou para casa descansar e amanhã continuaremos a investigar. Tenham
uma boa noite, senhores e senhorita. – despediu-se Lestrade,
saindo.
Enquanto eu e Holmes
discutíamos, a menina olhava para mim e para ele.
- Isso é loucura
Watson! Não podemos ficar com ela aqui! – meu amigo estava
inconformado.
- Quando você quis
esconder aqui o índio que matou o legista, eu aceitei Holmes. –
reclamei.
- Esconder um foragido
da policia é completamente diferente de esconder uma criança. E esta "miniatura de encrenca” vai fugir na primeira oportunidade. – argumentou
ele.
- Tem um assassino
atrás dela! – encerrei o assunto.
- Isso não vai
prestar! – ralhou ele.
Ajoelhei-me em frente
da criança, que estava sentada em uma poltrona.
- Pequena, você ficará
aqui conosco e nós vamos protegê-la. – disse-lhe segurando a mão.
- O “poste” vai me
proteger? – perguntou-me irônica, olhando para Holmes.
- Acredite querida, dentro daquele "poste", tem uma boa pessoa. – respondi sem pensar.
- Watson! – reclamou
meu amigo.
Ignorei Holmes e
continuei a conversar com a criança.
- Prometa-me que não
vai fugir. – pedi a ela.
- Prometo. – disse
ela com uma cara nada confiável.
- Está mentindo! –
observou meu amigo.
- Eu acredito nela. –
menti sobre minha desconfiança, para conquistar a simpatia da
menina.
- Você me deve um bom
dinheiro! – disse a pequena à Holmes.
- E você o receberá
quando não me for mais útil. – respondeu-lhe meu amigo.
- Isso é coisa que se
fale para uma criança! – repreendi Holmes – Querida, precisa de
um bom banho, de um prato cheio de sopa e de uma boa noite de sono.
- Você pretende dar
banho em uma menina? – riu Holmes.
- Claro que não. Vou
acordar a senhora Hudson e lhe pedir ajuda. E vocês dois se
comportem até eu voltar.
Sai da sala com certo
receio de deixá-los sozinhos; observei que se encaravam como se
estivessem se desafiando.
Bati à porta de nossa
vizinha, Senhora Hudson, que não demorou em me atender. Apesar do
horário inapropriado, ela me recebeu com a gentileza de sempre.
Contei-lhe rapidamente
toda a verdade sobre a menina; disse-lhe que teríamos que protegê-la
de um assassino e que ela ficaria em meu quarto até resolvermos o
caso e, principalmente, que a menina precisava muito de um banho, no
qual necessitaríamos de ajuda.
Ela, bondosa como de costume, me ofereceu uma cama que tinha desocupada e aceitou ir até o
nosso apartamento ajudar a menina no banho.
Quando entramos na
sala, Holmes se levantou para agradecer à nossa vizinha.
- Senhora Hudson,
perdoe-nos por incomodá-la tão tarde.
- Vocês dois sabem que
podem contar comigo a hora que precisarem. – respondeu-lhe com ternura.
Holmes beijou-lhe as
mãos com um sorriso.
Senhora Hudson
estranhou a menina estar vestindo roupas de menino.
- Uma menina de calças!
Meu amor, o que aconteceu com você?
- Eu gosto de me vestir
assim. Eu quero ser menino! – respondeu a criança.
- Ai, ai, ai, isso não
pode! Vamos para o banho! Onde estão as roupas limpas dela? – pediu a
senhora.
- Nossa, me esqueci
deste detalhe! Nós não temos roupas de menina aqui. – olhei para
Holmes sem saber o que fazer.
Muito a contragosto,
ele veio em meu socorro.
- Por esta noite, ela
terá que usar uma camisa minha; amanhã lhe providenciaremos roupas.
– resolveu ele.
- Então vamos para a
banheira, criança. E vocês dois podem ir ao meu apartamento pegar a
cama que vou emprestar ao Doutor. – disse Senhora Hudson, levando
pela mão a menina que fazia caretas.
Era visível que meu
amigo estava contrariado com a situação, mas depois que entregou
uma de suas camisas brancas de seda pura à nossa vizinha, veio me ajudar.
Enquanto arrumávamos a
cama em seu quarto, resolvi lhe agradecer por ter aceito a minha
vontade em ficar com a criança.
- Obrigado Holmes! Sei
que cuidar de uma menina é um sacrifício enorme para você.
- Não se apegue ao
"pequeno monstro", Watson. Se isso acontecer, teremos que seguir rumos
diferentes em nossas vidas. – disse-me ele muito sério.
- Ela tem pai, Holmes. Ficará aqui só até resolvermos este caso. – respondi-lhe.
Eu também não tinha a
menor intenção de adotar uma criança. Minha vontade de ser pai
havia morrido junto com Mary.
Ouvimos gritos da
menina, que pelo jeito não estava gostando nada do banho.
- Quieta menina! Banho
não tira pedaço. – gritou também a Senhora Hudson.
Algum tempo depois, Senhora Hudson e a criança surgiram no quarto de Holmes.
- Olhem só a
diferença! Tirei mais sujeira desta menina do que já tirei de minha
casa o ano inteiro. – riu Senhora Hudson.
A camisa de seda de
Holmes era enorme para o tamanho da criança; parecia uma camisola
vestindo a menina. As longas mangas da camisa foram dobradas e mesmo
assim, escondia-lhe as pequenas mãos.
A menina estava com
cara de brava, mas agora limpa, parecia uma boneca.
- Parece que me
enfiaram dentro de um saco! – reclamou ela.
- Um saco de seda pura,
querida! Você vai dormir como um anjo está noite. – justifiquei a
ela.
- Se quiser Holmes,
posso ir amanhã cedo comprar roupas para esta jovem. – ofereceu-se
Senhora Hudson.
- Não imagina o imenso
favor que nos faria, Senhora Hudson. – agradeceu Holmes aliviado.
- Será um prazer. –
sorriu nossa gentil vizinha.
Meu amigo tirou do
bolso interno de seu casaco um maço de libras e entregou à senhora
para pagar as compras.
- Muito obrigado por
tudo; não sei o que faríamos sem a senhora. – Holmes lhe beijou a
mão.
- Vocês dois sabem que
os tenho como filhos. – disse-nos com carinho.
Também beijei-lhe as
mãos e agradeci muito, quando me despedi da Senhora na porta.
A criança, após se alimentar da sopa que eu lhe havia feito, foi para a
cama e eu finalmente pude me preparar para dormir.
Holmes ficou na sala
fumando seu cachimbo. Eu sabia que ele não ia dormir; ele não
conseguia quando queria seguir uma pista.
Apesar de estar muito
cansado, também não consegui dormir. Minha recente viuvez ainda me
afligia, principalmente à noite, quando mais sentia falta de
minha esposa.
De tanto rolar na cama,
acabei por adormecer só na madrugada e acordei um pouco tarde. Vesti-me rapidamente e fui ao outro quarto procurar a menina.
Encontrei a Senhora
Evelyn o limpando; a mesma me avisou que a criança estava na cozinha
com Holmes.
Corri para a cozinha
com receio do que encontraria.
Para a minha surpresa,
nossa mesa está repleta de doces de todos os tipos.
- O que é tudo isso?
São doces? – estranhei.
- Dedução brilhante
Watson. – ironizou Holmes.
Meu amigo parecia estar
forçando a menina a comer; a coitada estava com a boca tão cheia
que mal conseguia mastigar, enquanto ele queria colocar mais
doces dentro.
- Vamos, coma! Não
tenho o dia todo. Você ainda não experimentou este. – disse ele,
tentando colocar um pedaço enorme de torta de chocolate dentro da
boca da criança.
- O que está fazendo
Holmes? – perguntei, sentando-me ao lado da menina.
- Não é óbvio,
Doutor? Quero que a "pigmeia" tenha dor de barriga! – respondeu-me
com naturalidade.
O pedaço de torta,
de tão grande, ficou boa parte para fora da boca. A pobre criança
olhava para mim e para Holmes, conforme discutíamos.
- Isso é uma
brincadeira? – perguntei, ainda não entendendo o que ele estava
fazendo.
- Brincadeira? Sherlock
Holmes brincando? Essa palavra não existe em meu vocabulário, meu
caro, e tenho coisas mais importantes para fazer do que me preocupar
com esse "filhote de aye-aye" querendo escapar! Quero ver ela pensar em fugir com
dor de barriga! – explicou ele.
- Não acredito no que
está fazendo Holmes! Isso é crueldade! – fiquei indignado.
- Crueldade seria se eu
colocasse uma das minhas experiências no chá dela. O que acha
Doutor? – ameaçou ele.
- Você não se
atreveria Holmes! – enfrentei ele.
- Não me provoque
Watson! – disse-me sério.
Fiquei tão bravo com
ele que, sem pensar no que estava fazendo, peguei a xícara que
estava a minha frente e lhe joguei o chá no rosto.
- Não acredito que fez
isso! – surpreendeu-se, limpando o rosto com o guardanapo.
- Não me provoque
Holmes! – disse a ele, com o tom mais sério que pude.
Mal terminei de falar e
ele rapidamente também jogou-me o chá de uma xícara que estava a sua frente.
- Ora, seu... –
atirei-lhe um pedaço da torta de chocolate.
Ele revidou, me
atirando uma torta de creme. Comecei a atirar nele todos os doces que
estavam do meu lado na mesa, enquanto ele me atirou os doces que
estavam próximos a ele. A menina, ainda com a torta para fora da
boca, se defendeu como pode, mas acabou se sujando também.
Enquanto atirávamos
doces um no outro, notei que Holmes estava rindo. Percebi o ridículo
da situação e também cai na gargalhada.
- Chega Holmes! Você
venceu! – disse a ele, rindo muito.
Tive que admitir minha
derrota, eu estava muito mais sujo.
- A Senhora Evelyn vai
nos matar. Precisamos dar um jeito nesta bagunça. – disse ele
preocupado.
Disparamos em limpar
rapidamente toda a cozinha, enquanto a criança permaneceu sentada,
com o enorme pedaço de torta na boca, sem conseguir mastigá-lo.
- Bom dia rapazes! Eu
trouxe... o que aconteceu aqui? – estranhou Senhora Hudson,
entrando na cozinha com muitos embrulhos e nos pegando de surpresa.
- Foi ela! – mentiu
meu amigo descaradamente, apontando para a menina.
A garota não conseguia
falar com a boca cheia; só pode olhar com muita raiva para Holmes.
- Mas que bagunceira! -
disse Senhora Hudson com o olhar de reprovação – Vamos para o
quarto para eu lhe mostrar seus vestidos de princesa.
A menina fez careta de
quem não gostou. Tirei-lhe o pedaço de torta que não cabia em sua
boca e senhora Hudson a levou pela mão para o quarto.
Eu e Holmes terminamos
de limpar a cozinha e a Senhora Evelyn nem desconfiaria da molecagem
que fizemos ali.
Fomos para sala, onde
sentei-me para ler o jornal e Holmes foi para sua escrivaninha.
A criança veio para
sala arrumada em um belo vestido rosado, com os cabelos agora bem
cortados, presos em uma delicada tiara. No entanto, estava com os olhos de choro.
- Ela não está linda? Consegui corta-lhe o cabelo.
– chegou Senhora Hudson logo atrás.
- Ela fica melhor de
calças. – comentou meu amigo.
- Holmes! –
repreendeu nossa vizinha.
- Eu não quero usar
isso! – reclamou a menina.
- Mas você está
parecendo uma princesa. – tentei consolar.
- Não quero ser
menina! – insistiu a garota.
- Aceite que dói menos. – aconselhou meu amigo.
- Ah, Holmes! – riu a Senhora Hudson – Se precisarem de mim para
qualquer coisa, é só me chamarem.
- Obrigado por tudo,
Senhora Hudson. – agradeceu meu amigo.
Acompanhei nossa
vizinha até a porta, e também lhe agradeci, beijando-lhe a mão.
- Pronta para me
mostrar onde você conseguiu fugir daquele homem? – perguntou
Holmes à menina.
- Posso colocar minhas
roupas de ontem? – pediu ela a meu amigo.
- Claro que pode! –
respondeu ele.
- Claro que não! –
precisei intervir, o repreendendo com o olhar.
Ele nem se importou,
sua preocupação era outra.
- Nem pense em tentar
fugir. Depois de tudo o que comeu agora pouco, eu lhe alcançaria
facilmente. Não me obrigue a usar isso! – Holmes mostrou à
criança um par de algemas pequenas que estava em seu bolso.
A menina o encarou com despeito.
- Virá conosco Doutor?
– perguntou-me.
- Elementar, meu caro.
Acha que vou deixar "a pequena" sozinha com você? – respondi-lhe
demonstrando toda a minha indignação.
Depois dessa manhã,
entendi perfeitamente que teria que ser uma babá para a criança. Além de protegê-la do assassino, precisava protegê-la do meu
amigo.
Tomamos uma carruagem e
seguimos para a Praça Berkeley, onde havíamos encontrado Ivy.
Dali seria possível que ela nos mostrasse a rua onde havia conseguido
escapar do assassino.
Na Praça, pude
observar novamente a casa abandonada e, em plena luz do dia,
continuava assustadora.
A criança ia apontando
com a mão pela janela, as ruas por onde a carruagem deveria seguir, e
Holmes gritava para o cocheiro.
De repente, a menina se
voltou para dentro da carruagem, muito pálida.
- O que foi querida? –
perguntei preocupado.
- Acho que vou vomitar!
– respondeu-me.
O plano de Holmes
estava fazendo efeito. Olhei bravo para ele que parecia não
se importar nem um pouco com o mal estar que havia causado a menina.
- Ela não tem
condições de continuar Holmes, precisamos levá-la de volta. –
reclamei.
- Já estamos chegando
Doutor. – retrucou ele.
- Como sabe? – não
entendi.
- Eu sei para onde
estamos indo. Só preciso que ela me confirme. – respondeu ele.
Capitulo 14 - A rua suspeita
Capitulo 14 - A rua suspeita

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